A rodada contempla exclusivamente vencidos e pendentes de pagamento, incluindo títulos datados entre 1988 e 1998, oriundos de ações como desapropriações e indenizações
O governo do Rio Grande do Sul iniciou, nesta segunda-feira, 14, a maior rodada de conciliação de precatórios da história do Estado, com previsão de pagamento de até R$3,3 bilhões até o final de 2025. A iniciativa é conduzida pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RS), em parceria com o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), e tem como objetivo acelerar o pagamento de dívidas judiciais reconhecidas contra o poder público, beneficiando até 30 mil credores entre os cerca de 65 mil que aguardam na fila.
Os credores interessados devem manifestar seu interesse até o dia 15 de agosto, por meio de seus advogados, que deverão peticionar nos respectivos processos e preencher o formulário eletrônico disponibilizado pelo TJRS. O acordo prevê um deságio de 40% sobre o valor bruto atualizado do crédito, além das retenções fiscais e previdenciárias previstas em lei. Após a homologação judicial, o pagamento será realizado em até 30 dias.
Advogada Alessandra Fogliato, detalha os pontos cruciais a serem considerados. “Essa decisão precisa ser pensada com bastante cuidado. Antes de aceitar receber 60% do valor do precatório, é importante avaliar alguns pontos essenciais”, explica.
Casos de vantagem
Um dos primeiros e mais urgentes critérios é a necessidade financeira imediata, se o valor antecipado for solucionar um problema urgente, como quitar dívidas, arcar com despesas médicas ou resolver alguma situação emergencial. Caso contrário, pode ser mais vantajoso esperar e receber o valor integral, explica a advogada.
O tempo de espera é outro fator preponderante. No Rio Grande do Sul, a realidade dos precatórios estaduais é de longas filas de espera. “Infelizmente, precatórios estaduais podem demorar muitos anos para serem pagos, em alguns casos, cinco, 10 anos ou mais. Se não houver pressa, aguardar o pagamento total pode ser a melhor escolha”, alerta a advogada. Atualmente, estima-se que existam cerca de 92 mil precatórios em aberto no estado, o que ilustra a dimensão do desafio.
A inflação também desempenha um papel importante nessa equação. Embora os precatórios sejam corrigidos monetariamente, essa correção nem sempre acompanha o aumento real do custo de vida. “Dependendo do cenário econômico, receber 60% hoje pode, na prática, ter valor semelhante ao valor cheio recebido no futuro”, pontuou Alessandra.
Além disso, o perfil do credor não pode ser negligenciado. Pessoas com mais de 60 anos, ou que possuam doença grave, por exemplo, têm direito à prioridade no recebimento de uma parte do precatório sem a necessidade de acordo ou desconto. “Ou seja, pode haver formas de receber uma parte relevante sem abrir mão de nada. Não existe resposta certa para todos, o ideal é avaliar o contexto individual e refletir com calma antes de decidir”, explica a especialista.
Compensações da perda
Na prática, aceitar o deságio de 40% significa, literalmente, perder uma parte significativa do valor total a que se teria direito. “É um desconto direto, você abre mão de uma parte do seu precatório e recebe 60% do valor atualizado”, esclarece Alessandra. Ela é enfática ao afirmar que não existe nenhuma compensação financeira, sendo que a única vantagem real do acordo é a agilidade no recebimento, que costuma ocorrer cerca de 60 dias após a homologação do pedido.
Essa rapidez na liberação do valor evita a incerteza de longos anos de espera, com riscos de novos atrasos ou perda do poder de compra do crédito. “Mesmo com a correção monetária, o dinheiro que fica parado esperando nem sempre mantém seu poder de compra real”, ponderou a advogada. Em suma, a troca é clara: “Você troca parte do valor pelo benefício de ter o dinheiro na mão em pouco tempo. Se essa troca compensa ou não, vai depender da sua realidade”.
A crença de que o acordo seria mais vantajoso para precatórios de alto valor é um equívoco, de acordo com a Alessandra. Ela explica que para valores expressivos, a perda de 40% é substancial. Por isso, a renúncia a essa quantia só costuma fazer sentido quando a previsão de pagamento integral está muito distante. Nesses casos, a incerteza e a demora excessiva levam alguns a optar pela antecipação. Por outro lado, se o precatório está próximo do topo da fila, a espera pelo valor total se mostra a opção mais sensata.
Segurança jurídica e cuidados essenciais
A advogada ressalta que essa via costuma ser mais vantajosa do que a venda do precatório no mercado privado, onde os deságios frequentemente superam os 40%, além do risco de lidar com intermediários ou empresas sem garantias. Embora existam outras alternativas, como empréstimos com garantia do precatório, estas envolvem juros e custos adicionais. “Em geral, quando a urgência é real, o acordo direto com o Estado tende a ser a melhor solução do ponto de vista de segurança, legalidade e retorno financeiro”, avalia Alessandra. Para garantir que o acordo seja feito com segurança e legalidade, é fundamental seguir os procedimentos oficiais, sem intermediários. “Todo o processo acontece pelos canais oficiais do Estado, como a PGE e o TJRS. Não há nenhuma taxa ou cobrança para participar do acordo”, alertou Alessandra, enfatizando que qualquer cobrança ou promessa de agilizar o pagamento por terceiros é um golpe.
O arrependimento e seus limites
Uma vez formalizado e assinado, o acordo de deságio não permite retorno. “O credor concorda oficialmente em abrir mão dos 40% do seu precatório e, a partir desse momento, essa decisão passa a ter efeito definitivo, com validade legal”, alertou a advogada. Contudo, Alessandra aponta uma janela de oportunidade para reconsideração: enquanto o acordo não foi oficialmente assinado, é permitido voltar atrás. Ou seja, no período em que o credor apenas manifestou interesse e aguarda a análise, ainda é possível desistir. A melhor recomendação é ter segurança da decisão antes de confirmar oficialmente o pedido.
Tributação
A aceitação do deságio de 40% não gera cobranças extras em termos de impostos e contribuições. Segundo Alessandra, “O que acontece no acordo é o mesmo que aconteceria no pagamento integral do precatório.” Se o precatório for de natureza alimentar (salários atrasados, pensões, benefícios previdenciários), haverá desconto de Imposto de Renda e, em alguns casos, contribuição previdenciária. Já precatórios não-alimentares (indenizações, desapropriações) geralmente são isentos de Imposto de Renda, e isso não muda com o acordo. A parte renunciada (os 40%) não sofre tributação, pois não é paga.
A decisão final
Em suas considerações finais, Alessandra reforçou a voluntariedade da decisão. “Aceitar ou não o acordo não altera o seu direito, quem optar por não aderir não perde nada. O precatório continua válido, pelo valor integral, aguardando o pagamento normal na fila”, tranquilizou a advogada. Por outro lado, para muitos, essa é uma oportunidade de acesso mais rápido a parte do valor devido.
Precatórias
Desde a criação da Câmara de Conciliação de Precatórios (CCP), em 2015, mais de 48 mil acordos foram firmados, resultando na redução de R$7,9 bilhões do passivo estadual. Ainda assim, o estoque de precatórios permanece elevado, girando em torno de R$16 bilhões. Para viabilizar os pagamentos, o Estado tem recorrido a operações de crédito, como os programas Pró-Sustentabilidade (BID) e Pró-Resiliência (Bird), que reforçam a capacidade financeira da administração pública. Somente entre 2023 e 2024, foram pagos cerca de R$3,5 bilhões em precatórios, e em 2025, já foram desembolsados R$ 1,8 bilhão.
O governador Eduardo Leite destacou que o equilíbrio fiscal conquistado nos últimos anos não é um fim em si mesmo, mas sim um meio para garantir benefícios concretos à população. “São recursos da ordem de 0,5% do PIB do Estado que estarão em mãos de pessoas que irão quitar dívidas e farão circular na economia, no consumo e no varejo”, afirmou. A expectativa é que os pagamentos da atual rodada comecem entre setembro e outubro, proporcionando alívio financeiro a milhares de cidadãos que há anos aguardam por seus direitos reconhecidos judicialmente.