O projeto combina pesquisa histórica e apresentações artísticas para fortalecer a identidade cultural e incentivar o desenvolvimento educacional dos alunos
O tradicionalismo gaúcho, celebrado anualmente durante a Semana Farroupilha, continua a ser uma fonte de orgulho e identidade cultural no Rio Grande do Sul. Com esse espírito, a Escola Estadual Mestre Santa Bárbara, em Bento Gonçalves, se destaca ao realizar o Projeto Tertúlia, uma iniciativa educacional que une pesquisa histórica, apresentações artísticas e a valorização das tradições sul rio-grandenses.
Inspirada na palavra espanhola “tertúlia”, que remete a reuniões frequentes para discutir temas artísticos, a escola adotou o nome para seu projeto, que busca disseminar o conhecimento sobre a história do estado e estimular o senso crítico dos alunos. Criado em 2010, o projeto passou a integrar o calendário oficial da cidade em 2014, ganhando proporções significativas e se tornando parte dos Festejos Farroupilhas de Bento Gonçalves.
O Projeto Tertúlia Mestre envolve alunos em diversas atividades interdisciplinares, incluindo pesquisas e apresentações de danças tradicionais. O objetivo principal é ensinar a história do Rio Grande do Sul de forma envolvente, através de apresentações que unem o teórico e o artístico, proporcionando uma vivência cultural enriquecedora tanto para os estudantes quanto para a comunidade.
Em 2023, o evento ganhou novo formato, com a inclusão de apresentações científicas pautadas nas normas da ABNT, seguindo um modelo acadêmico. Cada turma tem a missão de realizar pesquisas históricas e apresentar seus resultados em duas etapas: uma teórica, com uma banca avaliadora, e outra artística, no Ginásio Municipal, durante a Semana Farroupilha.
Mais do que uma atividade escolar, a Tertúlia tornou-se um momento de união, aprendizado e celebração da cultura gaúcha, fomentando a responsabilidade, o trabalho em equipe e o respeito às tradições que moldaram a história do Rio Grande do Sul.
Segundo Margarida Mendes Protto, diretora da escola, o projeto é voltado principalmente aos alunos do ensino médio, com exceção do primeiro ano da noite que desenvolve outro projeto. “No início do ano, fazemos uma reunião com os pais e alunos, apresentamos o regulamento e explicamos como será o processo. Cada turma escolhe um tema relacionado à cultura gaúcha, desenvolve uma pesquisa científica e apresenta tanto a parte teórica quanto a artística”, explica.
Este ano, os estudantes já passaram pela avaliação teórica, e agora se preparam para a grande apresentação artística, que acontecerá no Ginásio Municipal no dia 13. “Vai ser um grande espetáculo”, garante Margarida. “Temos mais de 800 alunos envolvidos, e estamos esperando cerca de três mil pessoas. Os ingressos estão sendo vendidos a R$15, e a procura está muito alta”, comenta a diretora, destacando que quem deseja garantir um lugar precisa se apressar. “Há poucos ingressos disponíveis na escola, e provavelmente não teremos mais na hora do evento”, avisa.
Tradição e inclusão
Além de proporcionar uma vivência cultural rica, a Tertúlia tem um papel social e educacional fundamental. “Os alunos contratam coreógrafos, fazem seus próprios cenários e contam com a participação dos pais. Esta semana, a escola está cheia de martelos e colas, todo mundo trabalhando para garantir que tudo fique perfeito”, conta Margarida. A diretora ainda destaca o caráter inclusivo do projeto: “Temos alunos com deficiência participando ativamente, inclusive um cadeirante que estará na apresentação. Nossa escola é inclusiva, e todos têm a oportunidade de brilhar”, afirma.
A Tertúlia faz parte do calendário oficial dos Festejos Farroupilhas de Bento Gonçalves desde 2014, quando foi incorporada pela gestão municipal devido à relevância do evento. “Ver 800 jovens unidos em prol da cultura gaúcha é uma honra para o município. A comunidade sempre prestigia, e até pessoas de fora da cidade vêm assistir. Este ano, por exemplo, um casal de São Paulo reservou lugar antecipadamente para não perder o espetáculo”, revela a diretora.
Um projeto de vida e aprendizagem
O professor Vinícius Batistelo, conselheiro de uma das turmas do terceiro ano, conhece o projeto desde que era aluno da escola. Agora, como professor, ele enxerga o impacto da Tertúlia no desenvolvimento dos alunos. “Eles aprendem a se organizar, tanto na parte artística quanto na acadêmica. Desenvolvem habilidades de escrita, pesquisa e comunicação, que são essenciais não só para o evento, mas para a vida”, afirma. Além disso, Vinícius destaca como o projeto fortalece os laços entre os alunos. “No início do ano, muitos deles estão inseguros, mas com o passar do tempo, a união cresce, porque eles precisam se apoiar mutuamente para superar os desafios da organização”, relata.
Outro ponto importante para o professor é o apoio das famílias. “Os pais estão sempre presentes, acompanhando os ensaios e ajudando nas produções de roupas e cenários. Isso aproxima a escola da comunidade, e o projeto acaba se tornando uma experiência muito mais ampla do que apenas um evento escolar”, comenta. Ele ainda lembra que a Tertúlia contempla habilidades previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o que torna o projeto um complemento essencial para o aprendizado.
Desafios e estratégias na coreografia
O coreógrafo William Silva, envolvido com o Projeto Tertúlia desde 2010, compartilha suas experiências e desafios na coreografia das danças tradicionalistas para este evento cultural. Silva, que começou sua jornada no projeto como aluno, continuou contribuindo após concluir o ensino médio, ao receber convites para coreografar e trabalhar com novas turmas. “Participo do projeto desde 2010, quando ainda era aluno do Mestre Santa Bárbara”, revela Silva. “Já no ano anterior, em 2009, o projeto estava em andamento, e ajudava meus colegas e minha turma. Após terminar o ensino médio, continuei envolvido, coreografando e orientando as turmas que me convidavam”, conta.
Silva destaca sua abordagem prática e acessível ao coreografar as danças. “Eu trabalho para montar um formato de trabalho que permita aos alunos executar movimentos que sejam ao mesmo tempo bonitos e elegantes, sem serem excessivamente complexos”, explica ele. “Procuro não exigir coreografias muito difíceis para garantir que todos consigam acompanhar e apresentar uma performance de qualidade”, destaca.
Ele também enfatiza a importância de considerar os recursos financeiros dos alunos. “Sugiro que não gastem tanto financeiramente, pois são alunos do ensino médio e poucos trabalham. Geralmente, são os pais que desembolsam para essas despesas”, observa. “Portanto, sempre opto por soluções rápidas e práticas que sejam esteticamente agradáveis e bem feitas”, declara.
Sobre os desafios enfrentados, Silva comenta: “Por vezes, a dança como novidade gera algum nervosismo ou timidez entre os jovens, o que é natural. No CTG, ‘quebrar o gelo’ da dança é um processo necessário para que o corpo atenda aos comandos da coreografia”, explica. Ele continua, “O maior desafio, que quase sempre superamos, é apresentar a dança como algo natural para jovens que irão dançar pela primeira vez em um evento grande como a Tertúlia Mestre”, conta.
A emoção dos alunos
Para Fernanda Petter Capeleto, aluna de 17 anos, participar do projeto ao longo dos três anos de ensino médio trouxe inúmeras aprendizagens e experiências marcantes. “No primeiro ano, eu estava completamente perdida. Agora, no último, sei lidar melhor com as situações, e isso me dá mais tranquilidade”, reflete. Mesmo diante dos desafios, a jovem expressa satisfação: “É gratificante ver tudo ficando pronto. A expectativa para sexta-feira é alta, e acredito que será nosso ano”, diz, animada.
A Tertúlia da Escola Mestre Santa Bárbara não apenas celebra a cultura gaúcha, mas também se destaca como um importante espaço de crescimento pessoal e coletivo, promovendo a união entre alunos, professores e comunidade. Conforme conclui a diretora Margarida: “A Tertúlia é mais do que um evento; é emoção, tradição e um exemplo de superação do povo gaúcho”, finaliza.