Característica marcante da comunidade é a força e união em prol do bem geral
A expressão italiana “o qui vinci o muori” quando traduzida para o português significa “ou aqui se vence ou se morre”. O padre Miguel Mosena conta que essa frase era muito utilizada pelos primeiros imigrantes italianos que chegaram na Linha Alcântara, interior de Bento Gonçalves, pois retratava bem a realidade da chegada e dos primeiros anos deles no local.
Por conta das dificuldades vivenciadas naquela época, os moradores recém chegados se agarraram a religiosidade católica, o que na opinião de Mosena, foi fator determinante para garantirem condições básicas para uma vida digna. “Certamente a religião ajudou muito em oferecer elementos para vencer nestas terras”, afirma.
O padre destaca que a força, vinda da crença em Cristo e dos santos, fez da capela uma referência, “para que todas as dimensões da vida humana, como o trabalho, a espiritualidade e o convívio social, pudessem ser desenvolvidas ali, à beira do rio das Antas”, aponta.
Apesar da passagem do tempo, a fé continua se mantendo como um valor importante, mesmo nos dias de hoje. “Nas belas manifestações, expressa a força de um povo, a capacidade de não se entregar diante das adversidades e cruzes que apareceram com o tempo”, pontua.
Outra característica positiva na visão de Mosena, é a capacidade que eles têm em mobilizar todos os moradores diante de alguém necessitado e que precise de auxilio material. “Recordo das inúmeras rifas, jantas, preces, novenas em auxílio aos que necessitavam de uma mão estendida. Isso é fruto da religiosidade que lá há. Isto torna aquela comunidade feliz”, elogia.
Comunidade organizada
Ao todo são cerca de 70 famílias que participam efetivamente da vida comunidade-igreja. “O conselho comunitário se reúne a cada dois meses para avaliar, propor e cuidar dos diferentes serviços ali existentes, como zeladoras de capelinha, catequistas, liturgia, equipe administrativa, zelador do cemitério, clube de mães, entre outros”, assegura.
Apesar das atividades estarem suspensas desde o ano passado, devido a pandemia do coronavírus, Mosena salienta que a comunidade é muito organizada e proativa em iniciativas que favorecem o bem geral.
Prova disso, o padre menciona o esforço e empenho que está sendo dedicado para revitalizar a capela, a qual teve a pedra fundamental abençoada pelo primeiro bispo diocesano, Dom José Barea, em 1951.
Mosena afirma que desde que chegou à paróquia de Faria Lemos, responsável pela comunidade Santo Antônio da Alcântara, sempre teve admiração pelo local. “São organizados, com iniciativas positivas para que a fé e o espirito comunitário não se percam com os desafios do tempo presente”, aponta.
Festividades são ponto forte
Ainda de acordo com o pároco, a comunidade sabe muito bem como festejar aquilo que consideram importante. “As festas em honra aos santos atraem muitas pessoas que lotam o salão para experimentar não só pela boa comida, mas para admirar o envolvimento comunitário que lá há”, salienta.
A principal festa é dedicada ao padroeiro Santo Antônio, normalmente no domingo mais próximo ao dia 13 de junho. Outras comemorações grandes são em referência a São Brás, em março, devido a safra da uva e de Nossa Senhora da Saúde, em novembro. “Dificilmente uma família da comunidade não é envolvida com as festas da Alcântara. Recomendo, quando a pandemia passar, claro”, finaliza.
Moradores recordam enchente do ano passado
A maior cheia do Rio das Antas em cinco décadas, registrada em julho do ano passado, provocou enormes prejuízos para diversas famílias que moram na Linha Alcântara. Na época, a Defesa Civil informou que cerca de 50 casas ficaram inundadas. O rio subiu tanto que derrubou árvores, arrastou partes de residências, além de deixar o asfalto embaixo da água. Móveis, eletrodomésticos, colchões, entre outros bens materiais foram perdidos.
Assim que conseguiu a aposentadoria, Olir José de Souza, 61 anos, deixou Bento Gonçalves e escolheu o interior como nova moradia. “Depois de tantos anos trabalhando, temos que arrumar um local para descansar e aqui é muito bom para isso”, recomenda.
Quando a enchente aconteceu, fazia três anos que Souza estava morando ali, bem próximo ao rio. Entretanto, conta que, diferente dos vizinhos, não perdeu nada, embora a água tenha invadido vinte centímetros do porão. “A última casa da rua ficou só a parte debaixo”, afirma.
A angustia foi tão grande naquele dia, que o aposentado ficou 32 horas sem dormir. “O rio subiu muito. Aqui, nunca ninguém tinha visto tanta água assim. A enchente veio para acabar com tudo”, afirma.
A aposentada Eva Maria Bordignon, 68 anos, não teve a mesma sorte. Quando recorda o dia enchente, se emociona. É que a família sofreu prejuízos. “A água veio até o porão da minha casa e levou guarda roupa, mesa, dois balcões de pia e as ferramentas do meu marido”, lamenta.
Oito meses depois da ocasião, Eva diz que a ficha ainda não caiu. “Quando penso no que aconteceu e olho lá para baixo (para o rio), digo ‘não pode ser verdade’ e pior que é, já aconteceu, mas já passou. Agora é rezar para que não aconteça mais”, afirma. Apesar das perdas, Eva agradece por não ter sido pior. “Foi triste, um dia horrível. Foi muito rápido. Às 8 horas da manhã a água começou a subir e veio. As ondas vinham e paravam. Graças a Deus não aconteceu nada conosco. Agora a vida continua”, finaliza.