Estou numa operação “Sherlock”, mas sem a ajuda do Dr. Watson. E a paisagem não é europeia, com seus mistérios milenares e sua cultura entranhada em civilizações perdidas. A coisa é daqui mesmo, bem fresquinha e repetitiva. Na verdade, ganhou ares de deboche, uma afronta que acontece na calada da noite, sem violência, mas com uma voracidade titânica.
Há semanas, vigio a área, para ver se consigo identificar alguma pista na cena do crime, num espaço de doze metros de terra disputada pela grama e pelo capim até a laranjeira. Nada que leve ao(s) larápio(s). Só o delito explícito: laranjas completamente ocas espalhadas pelo chão e outras suspensas por um fio, como se fossem lanternas japonesas.
Já me ocorreu ser alguém da família dos canídeos, talvez a mesma que, há alguns verões, passava a madrugada catando figos e mastigando ostensivamente, a ponto de me acordar e de atiçar os cachorros da vizinhança. Mas ela sempre deixava sua marca registrada em forma de fezes negras, nos galhos e no chão.
Depois pensei tratar-se de ratazanas famintas que vêm do submundo dos bueiros para infernizar nossas vidas. Esses roedores sabem subir em locais altos, saltar e equilibrar-se em fios e cabos, podendo assim ser os comedores de laranja. Mas como eles têm hábitos noturnos, não consegui provas documentais nem testemunhais.
Então, no domingo, olhando pela janela, vi dois sujeitos vestidos a caráter – fraque completo, preto e branco, detalhes em laranja e amarelo – no alto do pinheiro. Os caras eram lindos de morrer e me observavam de um jeito suspeito. Eu quis flagrar o momento, mas assim que me afastei para apanhar o celular, a dupla bicuda bateu asas.
Diante de tanto mistério, me perguntei o que faria Holmes num caso semelhante. Inspirado em sua técnica de investigação criminal, passei a elaborar um plano: primeiro, observar detalhadamente os indícios. Depois, entrevistar a vítima (???) e testemunhas (???). O próximo passo, comparar os fatos. Em seguida, levantar hipóteses que serão confrontadas com os fatos… Opa! Estou pronta!
Então, a dedução inicial é que os gatunos devem ter a habilidade de escalar o muro, tipo formigas, gatos, ratos, raposas e voadores. Mas, gatos não comem laranjas. Formigas não as descascam. Voadores de bicos pequenos não sugam todo o seu interior. E mais. Não há caca preta nem na árvore, nem no chão. Por fim, são consumidas, em média, duas laranjas por dia…
Hipótese? Os caras lindos de morrer elegeram meu quintal para roubar o café da manhã. Decididamente, tucanos não são confiáveis.