O segundo cérebro é tão encrenqueiro quanto o primeiro. E por ser preterido hierarquicamente, inclusive com a alcunha de “número dois”, ele se vinga com sua irracionalidade.
Se o primeiro cérebro é misterioso, o segundo é caprichoso. Dependendo da (des)atenção recebida, ele pode ficar despeitado, negligente, preguiçoso e egocêntrico. A mágoa encarcerada na tubulação de sete a nove metros, por ter de fazer o trabalho sujo sem o devido apoio, se transforma em egoísmo. E muito lixo é estocado, exigindo medidas farmacológicas para o livre trânsito até o final do túnel.
Mas não há nada que não possa piorar. Quando o primeiro cérebro decide romper as amarras do medo e voar a quarenta mil pés, o segundo tem seu ego inflado. E ele presenteia o viajante com tantos gases que, se a porta do avião abrisse, o cara ficaria flutuando no espaço.
Devo confessar que minha primeira viagem aérea patrocinada perdeu parte do glamour em virtude do acúmulo, em meu organismo, de CO2 e CH4, que, inclusive tornou o voo em Via Sacra. Passei por quase todas as estações conhecidas pelos cristãos durante dozes horas, e o martírio continuou em terra, porque pizza e massas, além de caracterizarem a gastronomia italiana, são pratos bem mais econômicos que os outros.
Então, passávamos pela Duomo di Milano, célebre catedral em estilo gótico, que demorou cinco séculos para ser concluída, quando o desconforto se tornou insuportável. Naquele momento, me senti mais gótica que a igreja – ela exibia uma abóbada com nervuras em seu interior; já eu escondia “uma abóbora com leveduras” em meu interior. Em prisão cautelar.
Felizmente avistamos uma farmácia. A primeira providência seria usar uma estratégia de choque, que é uma doutrina militar baseada no uso de força avassaladora para domínio rápido. No caso, para alívio rápido. Uma bomba, por exemplo. De glicerina…
Na época, não se viajava com Google tradutor no celular, coisa e tal. A gente matava tudo no peito. Mas a coisa ficara feia. Não para meu patrocinador, que descobriu um jeito de demonstrar verbalmente (ele conhecia algumas palavras em italiano) e gestualmente, sem comprometer sua história:
-Mia madre há bisogno de…
Nesse ponto, ele usou a mímica. Com o indicador e polegar da mão direita, demonstrou o tamanho do medicamento a ser introduzido naquele lugar inglório e ilustrou com o gesto típico acompanhado de um assobio. Foi entendido imediatamente.