Marcelo dos Santos, frederiquense radicado em Bento Gonçalves, conta em entrevista ao Paradoxo sobre as conquistas como sommelier profissional

Marcelo dos Santos, natural de Frederico Westphalen, é sommelier há quase seis anos na Cooperativa Vinícola Aurora, em Bento Gonçalves. Formado pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), ele se destacou no ano passado, ao conquistar o segundo lugar no Concurso Melhor Sommelier do Rio Grande do Sul, promovido pela seccional gaúcha da ABS-RS, um feito que confirma sua dedicação e paixão pela enologia.

Em entrevista ao podcast Paradoxo, Santos compartilha sua trajetória, que, curiosamente, não começou com um amor instantâneo pelo vinho, mas sim através de uma oportunidade de trabalho que o levou ao Vale dos Vinhedos há mais de uma década. “Eu não trabalhava diretamente com vinhos, comecei aos poucos em atividades extras nos finais de semana, e, com o tempo, a paixão foi surgindo”, relembra Santos. Essa paixão o motivou a buscar mais conhecimento na área, o que culminou em sua formação como sommelier e sua atual atuação na Vinícola Aurora.

Antes de ingressar no mundo dos vinhos, Marcelo teve experiências profissionais diversas, incluindo trabalhos na área comercial e como gerente de loja. No entanto, foi o interesse pelo vinho que o direcionou à Vinícola Aurora, onde ele se encontrou profissionalmente. “Minha vinda para Bento Gonçalves foi em busca de oportunidades. Sou formado em Direito, mas nunca exerci. Vim em busca de um plus na minha vida pessoal e profissional, e a vida me levou ao mundo do vinho de forma natural”, explica.

Na Aurora, Santos se envolveu intensamente no setor de turismo. “Comecei a trabalhar no setor, e estou ainda no setor do turismo. Mas quando eu entrei fazia as visitas turísticas, depois comecei a fazer alguns atendimentos. Hoje faço basicamente grandes trabalhos dentro da cooperativa, atendimento a clientes, fornecedores, minicursos, treinamentos. Algumas viagens, seja viagens no estado ou fora dele, para estar levando o mundo do vinho e educando também as pessoas”, relata.

O curso profissional de sommelier

Foi quando já trabalhava na Vinícola Aurora, que ele decidiu se especializar e buscar a formação de sommelier, percebendo a necessidade de aprofundar seus conhecimentos para oferecer um serviço de maior qualidade. “O curso de sommelier veio para engrandecer minha carreira e me trouxe resultados significativos, tanto profissionalmente quanto pessoalmente, fez com que no ano passado eu tivesse alcançado esse mérito de segunda colocação no estado como melhor sommelier”, destaca.
Santos descreve o curso como uma combinação de teoria e prática, onde ambos têm igual importância. “Hoje o curso é dividido em módulos. É presencial, ele acontece na Serra Gaúcha, geralmente em hotéis ou então vinícolas e qualquer pessoa pode fazer. Eu fiz em 2019, mas eles abriram também recentemente um formação on-line”, salienta.

Ele destaca que, apesar de qualquer pessoa poder fazer o curso, é necessário dedicação e estudo para realmente se destacar. “Vai se destacar aquele que estudar, que ler, que provar vinho. Costumo dizer que não só nesse curso, mas em todos os que existem, você tem que sair da sua zona de conforto. Ou seja, não é só na aula que você vai estudar. Você vai buscar fora. Eu fazia o curso e em casa lia, estudava. Porque hoje o mundo do vinho não é só o vinho em si. Ele é geografia, ele é história, é química. Tem várias coisas que você pode estar se desenvolvendo”, pontua.

Ele reforça que não existe um treinamento específico para olfato ou paladar, sendo necessário dar importância tanto para a teoria quanto para a prática. “A teoria vai estar ali no papel, tu vai ler, vai estudar; mas também tem que ter a prática porque tem a degustação, a parte da análise do vinho e do produto em si”, explica.

Conquistas como sommelier

O profissional, com sua experiência e paixão, é um exemplo vivo de como o amor pelo vinho pode evoluir de uma simples curiosidade para uma carreira gratificante. Sua jornada é uma prova do potencial da vinicultura brasileira e da importância da educação e da apreciação cuidadosa do vinho em todas as suas formas.

Santos é um exemplo de dedicação e paixão pelo mundo dos vinhos. Em sua jornada, ele destaca a importância do estudo contínuo e a busca incessante por conhecimento, especialmente em um ambiente onde as perguntas desafiadoras dos visitantes do setor de turismo da cooperativa o motivaram a aprofundar seu conhecimento. “Como eu trabalhava na parte do turismo, fazendo as visitas, eu recebia muitas perguntas e questionamentos. Muitas eu sabia responder, mas sempre tinha algumas que eu ficava meio inseguro. Isso me instiga cada vez mais a estudar, já que quero crescer dentro da cooperativa”, frisa.

Santos também compartilha momentos marcantes de sua trajetória, como a participação na ProWine, a maior feira de vinhos da América Latina, que ocorreu em São Paulo. “Foi o auge da minha vida profissional. Conheci muitos produtores, clientes e amigos”, diz.

Além disso, Santos teve o prazer de participar de competições, como o Concurso de Melhor Sommelier do Rio Grande do Sul, onde conquistou o quarto lugar em 2022 e o segundo em 2023. “Em nenhum momento eu pensei em ganhar. Fui fazer a prova para ver o que acontecia. Era um teste teórica com 50 questões, abrangendo não só vinhos, mas também cafés, cachaças, uísques, harmonização e gastronomia em geral. Para minha surpresa, fiquei entre os três melhores e depois, na prova prática, acabei ficando em segundo lugar. Foi uma vitória”, conta.

O sommelier revela que a prova prática é bastante exigente, incluindo avaliação organoléptica, do aspecto visual, olfativo e degustação. “Temos que abrir o espumante e servir ele nas condições ideais, identificar os diferentes líquidos, servir para alguns convidados quando solicitarem a abertura de um vinho e também há um cardápio que a gente tem que sugerir para a harmonização. No final, ainda há uma avaliação de estilos de vinhos. Tudo isso em meia hora”, aponta.

Santos durante a prova de serviço no Concurso de Melhor Sommelier do RS

O consumo de vinho no Brasil

Sobre a crescente produção de vinhos em outras regiões do Brasil, Santos observa que o país tem uma diversidade climática e geográfica que permite a produção de vinhos de qualidade em várias regiões. No entanto, ele ressalta que a Serra Gaúcha continua sendo referência, especialmente em espumantes e vinhos brancos. “A Serra Gaúcha tem um clima propício que nos permite produzir grandes espumantes. Mas, cada região do Brasil tem sua característica única e seu potencial”, comenta.

Apesar dos avanços na produção nacional, o consumo de vinho no Brasil ainda é baixo comparado a países europeus e latino-americanos. “Tem grandes países como Itália, França e Argentina, que consideram o vinho um alimento. Inclusive, se tu for em restaurantes da Argentina, tu vai chegar lá no restaurante e vai ter uma garrafa de vinho na mesa. Na Itália, todo almoço, todo jantar tem uma taça de vinho. Então são países que já, historicamente, tem a bebida enraizada na sua cultura”, destaca.

Segundo ele, duas coisas são primordiais para difundir o vinho e aumentar o consumo no país. “Primeiro, tem a questão de valores, a questão burocrática de fazer com que o vinho se torne um alimento dentro desse aspecto nacional, fazendo com que ele tenha menos imposto. Se tivesse um auxílio do governo nesse sentido, com certeza as pessoas teriam acesso mais fácil ao vinho. E um outro fator que dá para ser trabalhado muito bem é a questão de marketing, divulgar o vinho brasileiro da melhor forma. Já tivemos diversas campanhas, mas é uma coisa que tem que ser batida na tecla cada vez mais”, enfatiza.

Santos também aborda a crescente popularidade do e-commerce no mundo dos vinhos, um fenômeno impulsionado pela pandemia. “O consumo de vinhos pela internet cresceu significativamente, e essa tendência só tende a aumentar”, observa. Ele destaca que, embora muitos consumidores ainda prefiram ir a uma loja física para escolher seus vinhos, a conveniência das compras on-line conquistou muitos adeptos.

Santos também desafia a ideia de que “vinho bom é vinho caro”. Ele exemplifica com um rótulo da Vinícola Aurora, o Rebo, que custa cerca de R$27 e é altamente elogiado por enólogos. “No mundo do vinho, nada é certo, tudo depende. O preço nem sempre é um indicativo de qualidade”, conta.
Quando perguntado sobre seus vinhos nacionais favoritos, Marcelo revela uma predileção que transcende marcas e rótulos, destacando a diversidade e a riqueza das regiões vinícolas do país.
Ele elogia vinhos de outras regiões do Brasil, demonstrando uma paixão pelo que o país tem a oferecer. “Os vinhos brancos de Santa Catarina, especialmente os feitos com a uva Sauvignon Blanc, me lembram muito os vinhos do litoral chileno, frescos e vibrantes. Outro destaque são os Syrahs da Serra da Mantiqueira, em Minas Gerais, que são fenomenais”, revela.

Quando o assunto é harmonização, Santos oferece dicas valiosas para os entusiastas do vinho. Ele enfatiza a importância de considerar tanto a cor quanto o peso do prato e da bebida. “Vinhos brancos geralmente combinam com carnes brancas e peixes, enquanto vinhos tintos leves harmonizam bem com carnes vermelhas menos gordurosas. Já os tintos mais encorpados, como o Tannat ou Malbec, são perfeitos para carnes mais gordurosas, como uma picanha”, detalha.

Perfil dos consumidores em mudança

Um aspecto intrigante que Marcelo compartilha é a mudança no perfil de consumidores de vinhos ao passar dos anos. “Houve um aumento na demanda por produtos com pouco ou nenhum álcool, uma tendência impulsionada pelas gerações mais novas, que buscam hábitos mais saudáveis. Dentro dessas pesquisas se revelou que o fato de eles não quererem tomar álcool é o medo de que futuramente venha a impactar na saúde”, reflete.

Por fim, Santos dá conselhos para quem deseja se aventurar no mundo dos vinhos: “prove, estude, conheça as histórias e regiões. É assim que as pessoas vão se aprofundar cada vez mais no mundo do vinho”, finaliza.

Confira a entrevista na íntegra.