A radiosa Helena e a soberana Gely
Helena Zanatta e Gely Caron Farina nos deixaram. Cada uma exerceu sua liderança comunitária de seu jeito, tivéssemos um museu da imagem e do som, estariam lá, certamente, registrados, a vida e obra delas bem como importantes registros de nossa história. Ficamos então com reminiscências. Deixar uma, para ir de encontro a outra, era como o descer de uma escada. No alto Gely, oriunda dos Caron e casada com Oscar Farina, duas famílias tradicionais. Gely tinha então soberania, era austera, focada, exemplar, referência no seu partido, a Arena, exerceu funções como educadora e cargos públicos. Não há como deixar de enaltecer sua grande contribuição no campo educacional e social. Quando a pessoa é e faz acontecer, ela se torna uma referência. Gely era uma referência, quem vai perpetuar a soberania de Gely?
A Helena de Bento
O meu círculo social incluía Helena Zanatta. Ela era assistente da GEHLEN JÓIAS, do seu Júlio, onde cumpria funções de decoradora, designer, vendedora, conselheira, era ativa no circuito social que movia as bases. Tinha dúvida sobre que presente dar para a namorada, para a mamãe, para o papai, o que fazer diante das crises pessoais? Era só consultar a Helena que te recebia com um sorriso e cordialidade, bem acima da média, e vinha com as palavras mágicas impactantes, um verdadeiro desarme diante da insegurança, “como posso te ajudar”?
Acho que já contei para vocês que foi Helena quem me ensinou a dançar, no Clube Aliança. Era complicado dançar com as moçoilas da society, derivadas dos debut com seus cursos de formação superior em finesse social. Assim, vivíamos intimidados, constrangidos, não só eu, um emergente, mas também os guris da elite social. Como se isso não bastasse ainda tinha a concorrência desleal, as meninas se postavam na frente do palco para festar a presença do Edgar Pozzer, crooner do famoso conjunto Norberto Baldauf, que tem quase 90 anos e ainda canta em seu bar GIRASSOLE, na Getúlio Vargas, em Porto Alegre, que diziam ser de “uma beleza encantadora”. Quando não tinha o Edgar, tinha a beleza dos guris do Arpége.
Quando tinha o Itamone de Caxias, do bem produzido e competente conjunto do PEDRINHO, que fazia mais sucesso lá fora do que aqui, quando tinha uma Orquestra Espanhola, ali tínhamos vez, nada de concentração em frente ao palco. Mesmo assim, coragem para encarar? Menos mal para mim que junto com meu pai e minha mãe, adoravam os bailes do Aliança, embora dançassem pouco – pareciam sempre estar assistindo a um show do André Rieu – ocupávamos uma mesa de pista à esquerda da entrada do salão. Recolhido a minha insignificância, tomava um uisquinho, um gin tônica, enquanto o agrupamento “militar” dos jovens ficava de pé no corredor da entrada, com os fragilizados tomando samba e os fortalecidos tomando cuba libre, observando e planejando o “ataque às bruxas”.
A mudança de cenário
Neste cenário sombrio, quase sem perspectiva, com o agravante de que poucos, ou quase ninguém sabia dançar, brotava a alegria e a simpatia, vindos da alma e do espírito, de Helena Zanatta. Mudava tudo, pelo menos pra mim. Ajeitava minha cabeleira como fazia o ALBERTO ROBERTO, colocava a timidez no bolso, esperava uma música lenta, dançável, e puxava uma reta só, sem paradas, rumo a alegria de Helena, com as palavras mágicas: “me permite esta dança”? E lá, no meio do salão, ela balbuciava, “dois pra frente, dois pra trás, girando”! A partir daí era só alegria, Helena dançava divinamente, tinha “papo legal”.
Depois de um tempo ela voltava a balbuciar:
“cansamos né, vamos dar uma parada”?
E lá voltava eu para o meu Gin e/ou Uisquinho, satisfeito com o “pezinho pra frente, pezinho pra trás”, e ter dançado com Helena enquanto a turma lá no círculo, parados como postes e com seus copos na mão parecendo lâmpadas de iluminação, observavam o andar dos acontecimentos. Confesso a vocês que, incomodado com aquele cenário em frente ao palco em dias de BALDAUF e ARPÉGE, bem como de ter perdido uma namorada para o baterista Volmir, do conjunto PEDRINHO, pedi ao Beto Valduga que me ensinasse a tocar violão. Lá fui eu para a primeira aula na mansão dos Valduga levando meu violão comprado do “mercado negro”. Na segunda aula, o Beto disparou, sem dó e nem piedade “tu nunca vai aprender a tocar violão”! “Mas porque Beto? Porque tu é canhoto”! Anos depois descobri que ele poderia ter invertido as cordas, não podia? Meus sonhos de violonista e cantor se esvaíram.
A sabedoria do Pe. Ricardo
HELENA era catequista e pertencia ao movimento PASTORAL da Igreja Santo Antônio de quem era devota fervorosa. Nesse circuito religioso ela levava a efeito o “terço em família”. Um dia ela me convidou para participar. Fui, não lembro na residência de quem. A sala de estar estava cheia de “beatas” se diria na Itália, e Helena “puxava” o terço. Era tão rápida, tão rápida que eu questionei: “tu emenda uma Ave Maria na outra, eu não sei quando termina uma e começa a outra, não consigo rezar assim”! Aí veio a explicação: “acontece que se eu não for rápida no próximo terço vem menos gente”!
Depois do terço sempre tinha um “filó de tchacolas” regado a espírito cristão. Helena deixou também sua marca indelével na FENAVINHO e demais eventos sociais. Ao presidir as cerimônias religiosas de sepultamento, o Pe. Ricardo fez transparecer a sabedoria que tem, que lhe rende tanto conceito, bem como porque é um verdadeiro representante de Deus. Disse o Vigário que todos nós temos que deixar um legado ao partir, que temos que viver de forma extraordinária para o ordinário. Helena Zanatta viveu assim, de forma extraordinária para o ordinário, deixou um legado.
Vou sempre imaginá-la dançando no céu, olhando dançando para a Da. Gely e sorrindo dizendo “dois prá frente, dois prá trás”.
Epílogo
OPS, eu ia falar também da viagem do Prefeito a PARIS – Mon Dieu, Paris toujours Paris –, ia falar também das impactantes palavras do Delegado Álvaro Becker “Bento é a cidade mais violenta do RS. Estamos perdendo a guerra contra o tráfico, e o Governo parece não se importar” mas faltou espaço. Como diria o IBRAIN “à demain” que eu vou em frente!