A crescente busca por um estilo de vida mais saudável e sustentável tem colocado os alimentos orgânicos no centro das atenções. Mais do que uma simples tendência, o consumo desses produtos reflete uma mudança de paradigma, onde a preocupação com a saúde, a procedência dos alimentos e o impacto ambiental se tornam prioridades para os consumidores.
Esses alimentos, cultivados sem o uso de agrotóxicos, fertilizantes sintéticos ou sementes geneticamente modificadas, oferecem uma alternativa que promete benefícios tanto para o corpo quanto para o planeta. Enquanto defensores destacam o sabor, os valores nutricionais e a ausência de resíduos químicos, alguns críticos questionam o custo elevado e a viabilidade da produção em larga escala.
Em Bento Gonçalves, há produtores que investiram no cultivo desses alimentos, como é o caso de Gilmar Cantelli. “Comecei no final de 1997 a produzir no sistema orgânico. Tinha que ter alguma coisa que me desse retorno meio breve”, conta.

O que são alimentos orgânicos?
De acordo com o Ministério da Saúde, o principal diferencial desse sistema de produção é a não utilização de agrotóxicos, adubos químicos ou substâncias sintéticas que possam agredir o meio ambiente.
Para que um produto receba a certificação de orgânico, o processo produtivo deve, obrigatoriamente, contemplar o uso responsável de recursos naturais como solo, água e ar, além de respeitar as relações sociais e culturais. A dedicação dos produtores é fundamental para entregar ao consumidor alimentos de alto valor nutricional, livres de contaminação por agrotóxicos, medicamentos veterinários e organismos geneticamente modificados (transgênicos), garantindo a saúde das pessoas, dos animais e do meio ambiente.
Cantelli, destaca a diversidade de sua produção, focada principalmente em hortaliças, raízes e tubérculos.
Ele detalha a variedade de vegetais cultivados em sua propriedade, que inclui:
• Verduras de folha curta e longa: alfaces, rúcula, agrião, repolho, couve-flor, brócolis e couve-folha, além de temperos como salsa e cebolinha;
- Raízes e tubérculos: cenoura, beterraba e rabanete;
- Legumes de verão: tomate, pepino, pimentão, berinjela e vagem, além de itens menos comuns como couve chinesa.
Cantelli resume sua produção de forma clara: “Praticamente tudo que dá na horta a gente planta”, diz, o que demonstra a abrangência e a riqueza da sua oferta.
Como é realizada a produção?
Cultivar produtos orgânicos não é uma tarefa difícil, mas exige dedicação diária. Segundo o agricultor, o processo demanda atenção constante, até mesmo nos fins de semana. “Praticamente todos os dias, a gente está limpando o canteiro, preparando a terra, recolhendo restos de culturas que já foram colhidas, transplantando mudas e realizando tratamentos orgânicos para cuidar da saúde das plantas”, conta.
Além do trabalho no campo, a preparação para a venda também consome tempo e esforço. Cantelli explica que é preciso colher os produtos para a feira, preparar os molhos, lavar as hortaliças, separar os pedidos e, por fim, carregar tudo para a entrega.
Feira em Bento Gonçalves
De acordo com Cedenir Postal, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul, Pinto Bandeira e Santa Tereza, no município existe uma feira ecológica. “Ela acontece no Bairro Cidade Alta, na sexta-feira à tarde, a partir das 13 horas”, explica. Cantelli conta que participa desde a primeira vez que a feira aconteceu. “Participo da feira aqui em Bento desde a sua abertura, que foi no dia 7 de agosto de 1998”, recorda.
Postal conta que, em Bento Gonçalves, a feira chegou a ter 20 produtores rurais, mas hoje o número caiu para menos da metade. “Hoje se resume a 4 ou 5, porque a feira não está num local com grande fluxo de pessoas para comprar”, menciona. “Dos que abriram a feira naquela época, somente eu que continuo”, conta o produtor.
Ele explica que nem todos conseguem comprar produtos orgânicos, pois o custo é mais alto em relação aos convencionais. “Apesar do aumento do interesse da população por esses produtos, nem todas as camadas da população conseguem aderir ao seu consumo. Como os produtos têm um custo de produção maior, por demandar uma mão de obra mais intensiva, fica difícil para toda a população ter acesso”, menciona o presidente.
Incentivo
Postal pontua que o sindicato auxilia os produtores no que consegue. “Damos todo o apoio, todo o suporte. Sabemos que é difícil, até por demandar uma mão de obra muito grande, diferente da agricultura, da produção convencional. Mas quem deseja fazer parte e produzir dessa forma, o sindicato é o caminho”, pontua.

Como é realizada a certificação
No Brasil, a garantia de que um produto é realmente orgânico é feita por um rigoroso sistema de certificação. A Lei 10.831/2003 e o Decreto 6.323/2007 tornaram a certificação de produtos orgânicos obrigatória para sua comercialização.
Para que um produto seja vendido com o selo de “orgânico” no país, a unidade de produção deve passar por um dos três mecanismos de garantia de qualidade:
- Certificação por auditoria: realizada por uma certificadora credenciada, que avalia se todas as regras de produção orgânica são cumpridas;
- Certificação participativa: um sistema coletivo onde os próprios agricultores e consumidores participam da avaliação;
- Organização de controle social: utilizada por pequenos produtores que vendem diretamente ao consumidor.
Toda essa regulamentação é supervisionada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), em parceria com o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). O MAPA define as normas e os requisitos que devem ser seguidos para cada tipo de produção, desde a vegetal e animal até o extrativismo sustentável. “Tem um grupo que faz visitas nas propriedades, se reúne para eles conseguirem a certificação. E isso garante que os produtos comercializados realmente seguem os padrões da produção orgânica”, explica Postal.
Importância da certificação
O produtor Cantelli reforça que todos os seus produtos possuem certificação orgânica. Ele explica que sua propriedade faz parte de uma grande rede de agricultura sustentável, a Ecovida. “Nós temos um grupo aqui em Bento, a APEB (Associação dos Produtores Ecológicos de Bento Gonçalves), que é ligada ao Núcleo Sera”, detalha Cantelli. Esse núcleo, por sua vez, congrega mais de trinta grupos da região sul e se conecta à Ecovida em nível nacional.
Ele resume a estrutura como uma ampla rede de produtores, o que garante a autenticidade e a qualidade de seus produtos.
Apoio dos demais produtores
Além do trabalho na própria lavoura, Cantelli tem um papel ativo na comunidade orgânica. Como titular do Comitê de Ética do grupo de Bento Gonçalves, ele viaja para outras associações e municípios a fim de trocar experiências e fiscalizar a produção. “A gente vai lá verificar como é feita a produção, conferir os cadernos de campo, os documentos, conferir a produção, as plantações e as divisas”, afirma.
Para Cantelli, o sistema de certificação é um processo de autossustentabilidade, onde a responsabilidade é compartilhada. “Se um falhar, todos perdem a certificação”, ele enfatiza, mostrando a delicadeza e a complexidade do processo.
Essa dinâmica exige uma fiscalização mútua entre os produtores: “Temos que ter uma autonomia de um ver a produção do outro, enxergar e questionar se isso está correto ou não”, explica.
A base para esse trabalho, segundo ele, é a rede Ecovida, que se orienta pela legislação específica para a produção orgânica do MAPA. É essa legislação que estabelece os processos e os produtos permitidos para uso na agricultura orgânica no Brasil.
Valores mais altos
Os produtos orgânicos geralmente têm um valor mais alto por causa de uma série de fatores ligados diretamente ao seu processo de produção. Ao contrário da agricultura convencional, que busca maximizar a produção com o uso de insumos químicos, a orgânica prioriza a sustentabilidade e a saúde do solo, o que impacta o custo final. Essa diferença de preço pode ser explicada por diversos pontos, como a menor produtividade, a mão de obra intensiva, o custo de certificação e a logística.
Cantelli menciona que quem procura os produtos orgânicos, já tem consciência dos valores e esclarecimento do que está adquirindo. “Às vezes o produto tem um valor um pouco a mais, mas é justamente em função da maneira como nós produzimos, do trabalho que é feito em cima, da mão de obra despendida, da perda que a gente tem, para esse produto chegar na mão do cliente, para ele poder chegar lá na dispensa dele, para ele consumir”, conta.
Cantelli conta que a produção é um trabalho em família, realizado junto com sua esposa, Dalvina Osmarin Cantelli. Os dois também vão juntos para a feira, onde oferecem uma grande variedade de produtos. “A gente vai para a feira, eu e minha esposa, com praticamente 20, 25, 30 produtos diferentes”, conta ele. “O consumidor chega lá e escolhe aquilo que ele quer, dependendo da necessidade da família”, conclui.