A rotina da retirada do lixo doméstico, um ato aparentemente simples, esconde uma complexa e desafiadora cadeia logística que se inicia na porta de cada residência e se estende por um trajeto que, na maioria das vezes, é desconhecido para o cidadão comum

Para lançar luz sobre esse percurso e os desafios enfrentados, Suzana Maria De Conto, especialista nos Programas de Pós-Graduação em Turismo e Hospitalidade e em Engenharia e Ciências Ambientais da Universidade de Caxias do Sul (UCS) explica o complexo processo.
A jornada do lixo doméstico, segundo a professora Suzana, obedece a uma escala de prioridades definida pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, que prioriza a não geração e a redução do lixo antes do seu descarte. “A escala é assim estabelecida: 1º prevenir a geração; 2º minimizar a geração; 3º reaproveitar; 4º tratar e 5° Dispor. O Plano municipal de gerenciamento integrado de resíduos sólidos (PMGIRS) deve, necessariamente, cumprir com o que estabelece a Política Nacional de Resíduos Sólidos”, explica. Esse caminho, que deveria ser a norma, começa com a geração do resíduo nas residências e exige uma série de ações coordenadas, como a segregação na fonte geradora, o acondicionamento correto e o armazenamento provisório.
A professora destaca que a eficácia desse processo depende diretamente das diretrizes estabelecidas no Plano Municipal de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos (PMGIRS). A partir do momento em que o lixo é colocado na rua, o trajeto envolve a coleta na via pública, a triagem para reciclagem e, por fim, o destino final, que pode incluir a reutilização, a compostagem, a geração de biogás ou o tratamento térmico. A última etapa, a disposição final de rejeitos, é reservada apenas para o que não pode ser aproveitado de nenhuma outra forma, sendo o aterro sanitário um exemplo dessa etapa.
Um dos pontos cruciais levantados pela especialista é a necessidade de tornar o PMGIRS acessível a todos os cidadãos. “A informação de qualidade é um dos fatores que determinam o comportamento das pessoas em relação ao manejo dos resíduos sólidos no âmbito das residências”, pontua Suzana. Para isso, ela defende a implementação de um programa de educação ambiental contínuo e abrangente, que atinja todas as faixas etárias.

Necessidade primária

No que tange aos desafios logísticos enfrentados pelo Brasil, a professora é enfática: “Aumentar a cobertura da população total com a coleta seletiva; melhorar o desempenho da coleta seletiva; aumentar os índices de recuperação de resíduos recicláveis; zerar a disposição final inadequada de resíduos sólidos urbanos; aumentar de forma significativa a compostagem de resíduos sólidos domésticos; implantar processos térmicos, com recuperação energética”, afirma.
A tecnologia e a inovação desempenham um papel fundamental na modernização da gestão de resíduos. Questionada sobre as tendências do setor, a docente cita o tratamento de resíduos em usinas de geração de energia, o uso de processos biológicos para a produção de composto ou biogás, e o aumento da coleta seletiva de componentes perigosos. Outras inovações citadas incluem o uso de contêineres equipados com telemetria e o monitoramento individual da quantidade de lixo gerado por residência. “Os municípios também devem prever em seus planos locais ativos e temporários de gestão para detritos e destroços originados de eventos hidrológicos e desastres”, ressalta, em um alerta pertinente diante dos recentes eventos climáticos extremos.

Separação desde o início
Ainda sobre o descarte, a professora esclarece um equívoco comum sobre os aterros sanitários. “Como técnica de disposição final de resíduos sólidos domésticos temos os aterros sanitários (técnica de Engenharia). Porém, para rejeitos”, explica, enfatizando que rejeito é o resíduo para o qual não há mais nenhuma possibilidade de tratamento.
Para o cidadão comum, a especialista oferece orientações práticas para uma separação eficiente. O primeiro passo é entender que a forma de segregar o lixo deve seguir as orientações do município. Ela reforça a necessidade de encaminhar resíduos perigosos e eletrônicos para locais específicos, informados pelo poder público. Já os recicláveis, como plástico, papel, vidro e metal, podem ser acondicionados juntos, caso o município não exija a separação por tipo. A professora alerta para a importância de evitar contaminar os materiais recicláveis com resíduos de gordura, alimentos ou umidade, que são considerados erros comuns. Além disso, ela desmistifica alguns pontos: “lenços de papel, papel higiênico, fraldas descartáveis e absorventes higiênicos não são recicláveis”. Por outro lado, o isopor, apesar de gerar dúvidas, pode ser reciclado, dependendo do mercado.
A especialista conclui destacando que, para se falar em erros de descarte, é fundamental que a população seja devidamente orientada. “É necessário entender como a população foi orientada para segregar os resíduos no âmbito de suas residências para que possamos falar em erros cometidos ao descartar”, finaliza.


Lixo industrial

A gestão de resíduos em ambientes industriais e comerciais apresenta desafios significativos, demandando processos estruturados e tecnologias específicas. Para compreender as etapas e os obstáculos desse segmento em Bento Gonçalves, Gustavo Fiorese, diretor de Operações da Proamb, explica como é a destinação dos dejetos industriais.
O processo de recebimento e tratamento de resíduos indústrias inicia-se com a solicitação do gerador, que preenche um formulário de dados buscando elucidar quais residuos serão descartados. Este é subsequentemente avaliado pela equipe técnica, que determina a aceitação do material na unidade. Após a aprovação, o envio da carga é agendado, observando a exigência de transporte licenciado e a emissão do Manifesto de Transporte de Resíduos (MTR).
No momento do recebimento na unidade a documentação é verificada e a conformidade da carga é atestada. A partir desse ponto, o rastreamento do resíduo é implementado. “Todo o rastreio vinculado ao MTR inicialmente gerado é realizado via sistema desenvolvido para a Proamb”, informa Fiorese. Para a unidade de coprocessamento, o rastreamento se estende até a etapa de recuperação energética nos fornos de produção de clínquer de cimenteiras, conectando o MTR original ao MTR de saída do lote de Combustível Derivado de Resíduo (CDR) e ao Certificado de Destinação Final (CDF) emitido pela cimenteira.
A gestão de resíduos industriais e comerciais implica em desafios logísticos e operacionais. Fiorese aponta a segregação incorreta na origem como um fator que pode afetar o processamento e, potencialmente, causar incidentes como incêndios. Adicionalmente, o gerenciamento de riscos ambientais e de saúde, devido às características dos resíduos, requer capacitação contínua da equipe e controles específicos.

Inovações da área
No campo das inovações e tecnologias, o diretor explica sobre a utilização da tecnologia de blendagem para coprocessamento, que permite a algumas indústrias evitar o uso de coque de petróleo e reduzir emissões de CO2. Fiorese acrescenta que a Proamb, atuando como Instituição de Ciência e Tecnologia (ICT), também se dedica ao desenvolvimento de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação em colaboração com indústrias, conforme as demandas identificadas.
Em resposta à crescente demanda por práticas sustentáveis, a Proamb oferece alternativas aos aterros industriais. Ele afirma que a Fundação tem direcionado esforços para viabilizar o recebimento de diversos resíduos através da tecnologia de blendagem para coprocessamento. Além disso, serviços específicos foram implementados para eletrônicos, lâmpadas, aerossóis, pneus, pilhas, baterias e recicláveis. “O processo de rastreio que a Fundação dispõe oferece uma destinação segura e comprovada”, detalha o diretor.
A economia circular também figura como uma alternativa sustentável para a destinação de resíduos indústrias. Um caso desenvolvido pela Poamb é o projeto: “CLIMACIMENTO: Valorização de resíduos industriais, sólidos e da enchente e fortalecimento da Indústria cimenteira gaúcha para enfrentamento de desafios climáticos estratégias de economia circular para uma cadeia produtiva inovadora, resiliente e sustentável”, explica Fiosese. Essa iniciativa, aprovada via edital da FAPERGS, envolve universidades e indústrias, visando o reaproveitamento de resíduos como combustíveis e matérias-primas e a colaboração para a elaboração de políticas públicas.
Quanto aos erros comuns na gestão de resíduos, ele conclui que a não separação de aerossóis dos demais resíduos em uma carga, que pode ocasionar incêndios na linha de trituração. Tais falhas podem impactar o processo, o meio ambiente e a própria empresa.

Conscientização da população
Além dos alinhamentos diretos com os clientes, a Fundação promove ações com a comunidade por meio de sua unidade de educação, da Fiema Brasil e da participação em eventos técnico-científicos. Projetos da ICT contribuem para a disseminação de conhecimento. Um exemplo recente é a participação em um projeto da Semana Nacional da Ciência e Tecnologia (SNCT) em 2024, que envolveu alunos do ensino médio do Rio Grande do Sul em temas de sustentabilidade.