Henrique Xavier, analista de desempenho de futebol profissional, analisa o uso das estatísticas dentro do esporte e ressalta a importância de enxergar o jogo como um todo
Em 20 de outubro de 2010, foi comemorado pela primeira vez o Dia Mundial da estatística. A data foi instituída pela Comissão de Estatística das Nações Unidas, e por mais que as comemorações oficiais referentes a data ocorram apenas a cada cinco anos, com a próxima celebração prevista apenas para 2025, as estatísticas se fazem mais presentes do que nunca em nosso cotidiano.
Felipe Pena, em “Teoria do Jornalismo”, adota uma postura cética em relação ao uso de estatísticas: “existem três tipos de mentiras: mentiras, mentiras hediondas e estatísticas”. Destacando que, quando os dados são utilizados sem o devido desenvolvimento e contextualização, eles são apenas números vazios. Afirmando que, tirar conclusões com base em números, é uma das formas mais rasas de aplicar o conceito da objetividade. Segundo o autor, a prioridade deve ser o método qualitativo, que possui uma preocupação analítica, e não um método quantitativo, que prioriza apenas números e percentuais.
No ambiente do futebol, as estatísticas e a análise de dados possuem uma certa importância no processo de construção do jogo e avaliação dos jogadores, mas, devem ser tratadas com a devida cautela. Os profissionais que trabalham nesta área formam o chamado scout, que engloba uma série de profissões, entre elas: analista de desempenho, analista de mercado, olheiro e observador técnico.
Natural de Carazinho (RS), Henrique Xavier, analista de desempenho profissional, com formação na CBF, passou por diversos clubes tradicionais do futebol brasileiro: FC Cascavel (PR), onde trabalhou na comissão técnica do treinador Tcheco entre 2021 e 2022, conquistando o vice-campeonato paranaense em 2021; São Luiz, de Ijuí, onde disputou a Copa do Brasil, a Recopa Gaúcha e o Gauchão em 2023; Gaúcho, de Passo Fundo; no Esportivo, aqui em Bento Gonçalves, onde chegou no final de 2023 e permaneceu até janeiro de 2024. Desde fevereiro, está no Capital SAF (DF), atual vice-campeão estadual. Xavier está confirmado na comissão técnica do clube para 2025, onde disputará o Campeonato Candango (estadual do Distrito Federal), a Copa Verde, a Copa do Brasil e a Série D do Brasileirão.
Henrique Xavier, no centro da imagem, trabalhou no Esportivo entre 2023 e 2024 (Imagem: Augusto Arcari)
O profissional detalha como é feito o trabalho de análise de desempenho dentro do futebol. “Sempre enxergamos o jogo como um todo, assistimos algumas partidas do adversário e determinamos as estratégias que aplicamos, as estatísticas sempre estão em segundo plano. Elas têm sua importância para a análise, mas, o mais importante é entender quais as dificuldades que a equipe adversária irá nos proporcionar, além de compreender os problemas que a nossa equipe enfrenta”, destaca. Ele aprofunda este uso pelos profissionais do scout. “Usamos as estatísticas como uma ferramenta para gerar informações específicas. Avaliamos, por exemplo, quantas vezes chegamos ao terço final no treino, como isso acontece — se pelo corredor central ou pelas laterais. Isso nos dá dados valiosos tanto coletivos quanto individuais. Ferramentas como o iScout nos ajudam a obter essas informações ofensivas e defensivas, mas não focamos apenas nos números gerais, como posse de bola. O que buscamos é entender como essas situações impactam o jogo de forma estratégica”, cita.
Xavier segue explicando o funcionamento das estatísticas no âmbito esportivo e cita onde elas são importantes. “Elas não determinam o produto final, porém, são úteis em certas ocasiões, por exemplo, se alguma situação de ataque não está encaixando, observamos na base de dados qual tipo de passe ou finalização o jogador está errando. Porém, o mais importante é sempre enxergar todo o contexto do jogo. O futebol é um esporte que tem vários momentos: a transição ofensiva, defensiva, bolas paradas, etc. E aí entra uma boa estatística, hoje em dia, a bola parada é decisiva no futebol, se por exemplo, analisarmos que determinada equipe marca 70% dos gols desta maneira, estaremos atentos a este aspecto”, pontua.
No futebol, é frequente um jogador de ataque ser cobrado pela torcida pela baixa participação direta em gols, um exemplo, é o de Taison no Inter, em 2021, quando marcou apenas quatro gols e uma assistência em 29 jogos. Olhando apenas pelos números, causa a impressão de que o jogador estava deixando a desejar, porém, no jogo, era um atleta crucial para o esquema tático da equipe, e de acordo com o SofaScore, era um dos jogadores mais criativos e participativos do time, colaborando de outras formas, com passes indiretos, dribles ou a criação de jogadas. O contrário também acontece bastante, de um jogador de ataque ter uma excelente média de gols, e ser contestado pela torcida, como é o caso de Yuri Alberto, centroavante do Corinthians, que em 2024, soma 21 gols e seis assistências em 49 jogos, porém, é frequentemente criticado pelos torcedores, seja por perder gols inacreditáveis, ou por carecer de certas habilidades.
Xavier debate como as estatísticas podem ser enganosas no ambiente do futebol. “Muitas vezes um jogador de ataque contribui de outras maneiras para a equipe, sem fazer gols. Ele passa diversos jogos em branco, porém, o resto do elenco convive com ele todo dia, eles sabem a importância tática que aquele jogador tem para o funcionamento do time. A falta de gols não vai afetar significativamente o desempenho dele, no final, a quantidade de gols marcados acaba sendo apenas um número específico”, afirma.
Xavier finaliza citando um exemplo clássico que reforça a importância de encarar o jogo além dos números. “ A partida entre Celtic x Barcelona, pela UEFA Champions League 2012/2013, onde o Celtic venceu por 2 a 1. Sem o resultado, a maioria das pessoas que olhassem as estatísticas da partida por cima diriam que o Barcelona ganhou, pois trocou quase mil passes, finalizou mais, teve quase 90% de posse de bola, porém, quem venceu foi o Celtic. No final, tudo é uma questão de estratégia, por isso que o futebol é tão apaixonante, muitas vezes uma equipe que não é favorita, pode vencer um jogo graças a um trabalho bem feito”, encerra.
Imagem da capa: Arquivo pessoal