Clacir Rasador
Nestes primeiros dias de dezembro, entremeio às notícias do início da vacinação em massa em alguns países contra a Covid-19 e a barbárie que assolou a população de Criciúma–SC em razão do assalto a banco com proporções nunca vistas, uma notícia passou como de menor importância, sem a ênfase que merecia nos meios de comunicação.
Estou a me referir à prisão de uma rede de tráfico na grande Porto Alegre que vendia 100 quilos de drogas por mês e tinha 7,4 mil consumidores cadastrados.
Isso mesmo, 7,4 mil consumidores cadastrados!
Segundo levantamento da Polícia Civil, um detento em “home office” comandava de dentro do Presídio Central a logística deste crime literalmente organizado e de grandes proporções.
Havia, segundo a investigação, serviço de tele entrega, clientes fidelizados e alguns extremamente exigentes que reclamavam caso houvesse atraso na entrega da “encomenda”…
Sempre tive por mim que o consumo, cuja consequência gera o tráfico de drogas, é “o pai e a mãe” da grande maioria dos crimes, ou no mínimo os apadrinha.
Sim, o tráfico de drogas, como negócio ilícito, para fins de sustentação, necessita de demanda, de consumidores, sejam eles já dependentes – os quais necessitam de auxílio e tratamento psiquiátrico – sejam aqueles que, “sem maldade” e “sem fazer mal a ninguém”, querem somente fugir um pouco da realidade, “viajar”, dar um “tapa na pantera”, dar um “pega”, “curtir um barato” – na linguagem informal do tráfico.
Se há algo que alimenta mais o tráfico do que seu próprio consumo é a hipocrisia que permeia o trato com o que o sustenta.
A legislação penal que regula o assunto do consumo pessoal de drogas, flexibiliza a punição à prática de tal crime com penas alternativas, seguindo a simplória interpretação legislativa de se tratar de crime com menor potencial ofensivo à sociedade…Isso mesmo, ou seja, sem reclusão ou detenção do infrator. É de se imaginar quantas idas e vindas à delegacia e haja resiliência, paciência e determinação de nossos policiais, muitas vezes sendo inclusive motivo de chacota dos próprios infratores.
Tal legislação cegamente observa o consumo próprio como se não houvesse reflexos diretos e nefastos à sociedade, enxerga o consumidor da droga unicamente como uma vítima do sistema, quando, na verdade, este, independente da sua motivação pessoal – que, sim, deve ser tratada – alimenta o monstro do crime organizado, quando não passa a fazer parte do mesmo, aumentando o tamanho do problema, infelizmente.
Contrapondo a esta punição surrealista e hipócrita, todo dia temos crimes contra a vida de pessoas que não estão drogadas – roubos, furtos, sequestros, homicídios, bala perdida… -, cujo autor, muitas vezes drogado ou a serviço dos patrões da droga, não dá alternativas à vítima, senão a violência – quando não a morte como viagem sem volta, e isso não é nenhum barato, é o que temos de mais caro.
Sabedor de que este assunto desperta críticas, visões antagônicas e até mesmo receio de muitos em debater este tema de forma aberta, favor não se engane, não estou contra o dependente químico, mas a favor da VIDA, a vida de todos, viciado ou não.
Perdi meu melhor amigo de infância pela droga. Sim, me penalizo, pois cheguei tarde para estender a mão e creio que ele tarde a segurá-la.
A propósito, de acordo com a legislação vigente, sendo dependente químico, recebia auxílio-doença de um salário mínimo mensal, cujo pré-requisito era estar em tratamento regular… Contudo, pasmem, sordidamente este valor, segundo ele, financiava o próprio vício; dinheiro público que ia parar no caixa do traficante; resumo, auxilio doença virava “vale-droga”. Talvez tenha sido um caso “isolado” que “não requer investigação” a cada nova apreensão de drogas por consumo próprio…
Pensemos: se apenas uma organização criminosa tem 7,4 mil consumidores de droga cadastrados – a título de comparação, no Brasil, segundo a Confederação Nacional de Municípios, há 1.252 cidades com apenas 5.000 habitantes – portanto, mais consumidores de droga do que a população de muitas cidades. Certamente algo de muito errado está acontecendo deste lado da sociedade civil organizada e algo muito certo vem ocorrendo do lado do crime organizado.
Está mais do que na hora de o ESTADO, como um todo e de forma integrada (municípios, estados e união), se debruçar sobre políticas públicas de PREVENÇÃO, REPRESSÃO e TRATAMENTO à drogadição, num grande e efetivo plano nacional, antes que a “inofensiva” e muitas vezes principiante erva daninha, tome de assalto e por completo a VIDA de nossa sociedade.
Saúde e vamos em frente!