Uma pesquisa elaborada pela Fecomércio registrou 62,8% de famílias endividadas

Em meio à pandemia, a estabilidade econômica e certezas quanto à retomada integral das atividades estão cada mais longes de serem visualizadas no cenário gaúcho. No entanto, o percentual de famílias que relataram ter dívidas no Rio Grande do Sul alcançou 62,8% em julho deste ano, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor feita pela Fecomércio-RS. Na comparação com o mesmo mês do ano anterior, 72,9%, o indicador permanece em patamar inferior.

Entre as famílias com contas em atraso, o índice teve aumento ante ao mesmo período de 2019, passando de 24,7% para os atuais 27,8%. A taxa de pessoas com contas em atraso que relatou não ter condições de quitá-las em 30 dias teve um pequeno avanço, de 9% para 14,4% neste ano.

A análise do indicador por grupo de renda aponta para um maior endividamento nas famílias de renda inferior a dez salários mínimos. Esse comportamento pode ser atribuído à crise atual, em que essas têm mais necessidades de crédito que as famílias de maior renda. Essas, por sua vez, passam a poupar mais em virtude da contração do consumo.

O cartão de crédito segue sendo o principal meio de dívida (79,4%), seguido por carnês (32,2%), financiamento de carro (16,6%) e crédito pessoal (13,1%). Já 8% dos entrevistados disseram ter dívidas com financiamento de casa, 10,4% com cheques e outros 6,8% com crédito consignado.

Situação em Bento

Segundo dados compilados pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Bento Gonçalves (CDL-BG) junto ao Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) Brasil, nos meses de março (início da pandemia) e abril, o número de inclusões no SPC, ou seja, novos nomes negativados por falta de pagamento de dívidas, diminuiu cerca de 64%. A justificativa se dá pelo período em que as lojas permaneceram de portas fechadas e pelo posicionamento muitos lojistas em entender a situação.

Porém, em maio, as inserções de “nome sujo”cresceram 230%, no comparativo com o mês anterior. Depois desse pico, o número voltou a cair: -10% em junho e -51% em julho.

Carbone afirma que “é sempre importante lembrar que existem alternativas para lidar com um débito, mesmo diante da impossibilidade de quitá-lo”

Por outro lado, os dados devem ser avaliados de forma conjunta com as exclusões – percentual de pessoas que tiveram o nome limpo. Em maio, houve aumento de 53% no comparativo com abril, e, em junho, crescimento de 137%, comparado com o mês anterior. O cenário indica um movimento claro, por parte do consumidor, de buscar o pagamento de suas dívidas.

O presidente do CDL, Marcos Carbone, salienta que a condição de inadimplência pode ocorrer por diversos motivos, desde um simples esquecimento da dívida até a impossibilidade financeira de quitá-la, pela perda ou queda de renda da família. “Esse tipo de fator externo desestabiliza o planejamento financeiro e implica no não pagamento de dívidas contraídas. É sempre importante lembrar que existem alternativas para lidar com um débito, mesmo diante da impossibilidade de quitá-lo. No caso do comércio, a recomendação é que o devedor procure o estabelecimento e renegocie sua condição, com diálogo e flexibilidade, lojista e cliente podem chegar a um acordo favorável para ambos, especialmente em momentos atípicos como esse”, destaca.

Futuro do município

Questionado sobre o resgate da economia, Carbone afirma que esse movimento passa, necessariamente, pelo fator ‘previsibilidade’. “O comércio foi muito prejudicado pela inconstância das disposições do modelo de Distanciamento Controlado imposto pelo Governo do Estado e pelo excesso de rigor nas medidas. À proporção que esse fator está sendo controlado pela cogestão, o comércio recuperará sua estabilidade e, consequentemente, terá início a retomada dos negócios. Vamos nos aproximando do último trimestre do ano, período tradicionalmente favorável para as vendas, acreditando e trabalhando para que o período permita recuperar as perdas acumuladas neste ano”, observa.

Vamos nos aproximando do último trimestre do ano, período tradicionalmente favorável para as vendas, acreditando e trabalhando para que o período permita recuperar as perdas acumuladas neste ano. Marcos Carbone, presidente da CDL-BG

Contudo, o presidente do CDL aponta ainda que a preocupação com o futuro da atividade está relacionada à saúde das empresas e que a estabilidade deve demorar. “É preciso entender que uma loja de portas fechadas não vende, ou seja, não tem entradas e, consequentemente, não tem receita para pagar as contas e os colaboradores. Muitos empreendedores viram-se obrigados a fazer verdadeiros malabarismos para manter os estabelecimentos ativos, e levará tempo até que retornem a uma condição de estabilidade. Outro ponto que preocupa são as demissões. Diversas empresas precisaram demitir funcionários treinados e, agora, terão que iniciar novamente todo o trabalho de formação de suas equipes”, completa.

Quais as implicações às quais estão sujeitos os devedores?

Carbone explica que quando a pessoa tem o nome negativo, ou seja, consta como devedor, fica sujeita a uma série de restrições, dentre elas a concessão de crédito em instituições bancárias ou em estabelecimentos comerciais para compras a prazo/crediário. “Essas são as consequências mais comuns para as dívidas adquiridas e inadimplentes junto ao comércio. Porém, existem outras situações, com penalidades diferentes, conforme negociação e contratos assumidos pela pessoa”, expõe.

Impacto nas dívidas

A economista Mônica Beatriz Mattia afirma que “de modo geral, o trabalhador brasileiro não sabe lidar com dinheiro”. “Isso se justifica por diversos fatores: a inexistência de educação financeira nas escolas; o incentivo ao consumo por parte do governo como estratégia para elevar o PIB; as espetaculares campanhas de marketing realizadas pelas empresas. Adicionado a isso, uma remuneração abaixo do patamar que garanta uma condição de vida que supra todas as necessidades das famílias. Este período da pandemia, e por uma condição incentivada pelo Governo, torna-se muito apropriado para ‘negociar’ as dívidas”, reitera.

Mônica Mattia, professora da UCS e economista

Economista orienta:

– Priorize os gastos realmente necessários;

– Não se motive para um consumo acima da capacidade de pagamento;

– Cuide com o uso do cartão de crédito;

– Evite compras parceladas que tenham taxas de juros muito elevadas;

– Faça uma gestão consciente de suas finanças.

Entenda:

– Taxa de Famílias Endividadas: refere-se ao número de famílias que possuem contas ou dívidas contraídas com cheques pré-datados, cartões de crédito, carnês de lojas, empréstimo pessoal, compra de imóvel e prestações de carro e de seguros.

– Taxa de Famílias com Contas ou Dívidas em Atrasos: refere-se ao número de famílias que possuem contas ou dívidas em atrasos com relação a cheques pré-datados, cartões de crédito, carnês de lojas, empréstimo pessoal, compra de imóvel e prestações de carro e de seguros.

– Taxa de Famílias que não terão condições de pagar: diz respeito à parcela das famílias endividadas que não terão condições de honrar seus compromissos com contas ou dívidas tais como cheques pré-datados, cartões de crédito, carnês de lojas, empréstimo pessoal, compra de imóvel e prestações de carro e de seguros.

Foto: Franciele Zanon