Desemprego, falta de alimentos e atraso no pagamento das contas de água e luz são os principais fatores adversos. A escassez de produtos de higienização, como álcool em gel, coloca população em risco
A rotina de todos mudou por causa do coronavírus. A parcela da população que mora na periferia de Bento Gonçalves, já passava por privações antes mesmo da pandemia. Entretanto, devido à crise, as necessidades se multiplicaram e os problemas cresceram ainda mais para essas pessoas.
Um dos exemplos é o da família de Terezinha da Silva Costa, 75 anos. Após constituir família e ter seus filhos, netos e bisnetos, a aposentada divide o terreno onde mora com mais cinco famílias, todos entes queridos da “bisavó”. As casas ficam localizadas no bairro Tancredo Neves, e abrigam 14 pessoas.
Uma das filhas, Ivanete Costa Ramos, 52 anos, explica que após a pandemia ficou desempregada e não está conseguindo realizar a compra de alimentos básicos. “Desde o começo disso, nossa situação está muito pior em tudo, principalmente em relação ao meu serviço, que perdi e não estou conseguindo receber a rescisão. Em maio ganhei meu último salário. O que vou fazer agora sem trabalho?”, indaga.
Ivanete vive com o marido, que está impossibilitado de trabalhar por problemas de saúde, além de um adolescente. “Fico em casa o dia todo pensando no que vou fazer. Lavando roupas, arrumando a casa e tentando alimentar o meu filho. Ele fica deitado, mexendo no celular”, afirma.
Terezinha explica que a conta de luz, que é dividida entre as cinco famílias, está sendo prioridade de pagamento, por ser uma necessidade essencial. “A luz, nós estamos nos virando e pagando, porque o pior é ficar sem. As meninas dão um pouquinho de dinheiro cada uma, mas a água vai ficando para trás”, conta.
A soma total de contas de água em atraso das casas, desde maio, fica em torno de mais de três mil reais. Para quem não tem como comprar nem mesmo alimentos, o valor excede a possibilidade de pagamento. Outras prestações de itens pessoais estão em atraso. “Ontem tive que encher minha garrafinha de álcool em gel na máquina gratuita do centro, porque não tenho dinheiro para comprar. Também aproveitei para tentar negociar o valor dos meus óculos, que parcelei e não estou conseguindo pagar”, relata Ivanete.
As famílias residentes no local são inscritas no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e recebem mensalmente a doação de uma cesta com alimentos básicos para o dia a dia. “Tem comida, porque eles trazem para a gente, mas não dá para o mês inteiro. Costumamos comer arroz, massa e também usamos farinha para fazer algumas coisas. Sou sozinha, como o que dá. Faço o que tenho aqui, ou como na casa dos filhos. O pior é para eles, que têm crianças”, explica Terezinha.
Ivanete, porém, diz que o auxílio do CRAS é de grande importância para alimentar as 14 pessoas que moram ali, mas que sente falta dos acompanhamentos dos alimentos, como carne, por exemplo. “Não posso mentir. Sim, esses alimentos faltam aqui. O que está nos ajudando um pouco é o Auxílio Emergencial”, relata.
Hábitos precisam mudar na crise
Outro impacto da pandemia para a família está na saúde emocional. Devido aos novos desafios, há risco de desenvolvimento de problemas psicológicos. “É muito estresse. Estou com tanta ansiedade que meu peito de noite começa a apertar, já estava tomando remédio para isso, mas agora ele acabou e preciso ir no médico de novo. Tenho medo de morrer. Estou muito preocupada comigo”, confessa Ivanete.
A dona de casa Bruna Ramos, 29 anos, também mora no local com o marido e dois filhos pequenos. A pandemia afetou o emprego do cônjuge, que atua como pintor e desde março teve a demanda de atividades reduzida. “Em março ele parou, ficou um tempo em casa e agora voltou. Só que o trabalho reduziu muito, depois de ficar quase um mês parado. Se a situação piorar, acho que vai faltar serviço de novo”, lamenta.
A rotina em casa com as crianças vem piorando. A dona de casa afirma não saber como ensinar seus filhos sobre as tarefas da escola, principalmente agora que as atividades são realizadas apenas online. “É muito estressante, fica ruim segurar eles. Minha filha ia no Ceacri (Centro de Atendimento à Criança e ao Adolescente) de manhã e de tarde para a escola. Não estou fazendo as atividades que mandam. A gente não tem computador, nem celular bom, então fica difícil. No começo fazia algumas coisas, mas agora não consigo mais”, declara.
Sobre as últimas semanas, nas quais a temperatura baixou com mais intensidade, Bruna diz que ninguém passou frio, porque eles não estão saindo de casa. “Enquanto estamos aqui, vamos usando as roupas que temos”, aponta.
A respeito dos cuidados de higiene da família para a proteção contra o vírus, as mulheres afirmam que não estão sendo totalmente tomados. “A única coisa que a gente usa é máscara quando saímos, e também passamos álcool em gel. Mas quando chegamos em casa não costumamos trocar de roupas, nem tirar o calçado na entrada. Sei que isso é errado, já vi na televisão o que deveria fazer, mas não tenho esse costume”, admite Ivanete.
Foto: Thamires Bispo