As coisas que uma quarentena ao cubo está promovendo! Têm idosos dando escapadinhas, crianças cozinhando, homens surtando e mulheres discutindo até com as paredes. E eu, por influência de “El señor de los cielos”, “hablando español”.
Mas bizarros mesmo são os diálogos que nascem em meio à pandemia, onde móveis, eletrodomésticos e utensílios diversos debatem questões capciosas com muito humor. Felizmente a Internet está deixando de ser uma terra sem lei – para tudo há consequências – e se tornando um local onde ideias criativas são compartilhadas.
Eu não poderia deixar por menos, até porque há horas que desconfio da isenção de minha cozinha. Ela é muito dissimulada. Suspeito que esteja oferecendo aos meus colaboradores elétricos espaço para fofoca. Então vou tentar descobrir o que há por trás dos murmurinhos, barulhinhos e estalos de toda noite… Fui.
Shhhhh! Silêncio! Estou me movendo pé ante pé, assim como faço quando não quero ser pega em flagrante delito. Me oculto nas sombras… Opa! Este ronronar asmático não é do meu gato, até porque não tenho gato. Peludo. Só pode ser do esquentadinho de cinco bocas que andou me queimando os lábios. Tudo bem, não foi uma ação direta, que não sou tão maluca a ponto de beijar essas bocas sujas! Mas sua chama aqueceu tanto o óleo da fritura, que o garfo fez “tssssss” quando encostou distraidamente no meu lábio inferior. O tridente ficou tatuado nele por um mês.
Uau! Alguma coisa aqui não está me cheirando bem… Putz! São os gases fedidos do lixo orgânico! A boca aberta da lixeira sempre emanando maus fluidos… Indecente! Ela não deve conhecer o ditado “Em boca fechada, não entra mosca”!
Que zona! Não me lembro de ter liberado a pia para o Cirque du Soleil fazer malabarismo… Haja fôlego para manter o equilíbrio. Se voar um pernilongo por aqui, é capaz de derrubar a tralha toda…
Epa! Cochichos… A geladeira está sussurrando por uma fresta… Otária! Se enche de estalactites e estalagmites e fica xeretando a minha dieta… Então, o que acontece: vapores quentes e frios se chocam e os azulejos acabam numa choradeira descompensada. Um nojo.
Mas ainda não descobri a origem do pandemônio diário. É “creck” a toda hora, “pam”, “splech”, “tum”, “plaf”… tipo briga de super-heróis das histórias em quadrinhos.
Super-heróis?! Pois sim! Se há alguma heroína por aqui, sou eu.
(cont. no sábado que vem)