Prontas a embarcar em uma aventura de sete meses pelo Brasil, a sommelier Deisi da Costa e a técnica em enologia Michele Zanella Cordeiro pretendem cruzar 11 estados e visitar 140 vinícolas nacionais para fortalecer e enaltecer a cultura do vinho no país; a expedição será documentada pelas redes sociais do projeto nomeado “Vou de Vinho”

O gosto pela aventura e, acima de tudo, o amor pelo vinho. As características identitárias que fizeram com que os caminhos da sommelier Deisi da Costa, 30 anos, e a técnica em enologia Michele Zanella Cordeiro, 28 anos, se cruzassem e alinhassem, são as mesmas que irão direcioná-las e guiá-las por uma longa jornada de descoberta pelas estradas que cortam o Brasil, do Sul ao Nordeste. A bordo de um Jeep e na companhia de Fabrício Krug, 27 anos, quem ficará responsável por captar a aventura em vídeo e foto, elas pretendem visitar 140 vinícolas, espalhadas em 11 estados, em uma rota de aproximadamente 15 mil km, a serem percorridos em sete meses. Documentada, quase que diariamente, no Instagram e no Youtube, a experiência será o ponto de partida do projeto “Vou de Vinho”, o qual contará ainda com um documentário, um livro, e outras ramificações.

Do coração para o papel

Sincronicidade. Essa é a palavra-chave que parece introduzir a história do “Vou de Vinho”, mesmo que essa esteja ainda em seus primeiros capítulos. Ousada, como ela mesma se define, Deisi está sempre na estrada, aliando sua paixão por viagens e pelo vinho. Com o intuito de enriquecer seu currículo, ela já estudou na Inglaterra, na Irlanda e na Nova Zelândia, e, no último ano, trabalhou como safrista na Hungria. Imparável, recém-chegada, em Bento Gonçalves, já se preparava para uma nova viagem para a Espanha ou França, quando recebeu o conselho de direcionar seus olhos em algum projeto nacional, como uma forma de valorizar o prêmio de “Melhor Sommelier do Rio Grande do Sul”, recebido pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-RS), em novembro.

Michele e Deisi no Jeep com o qual vão cruzar o Brasil


Ao pensar no que poderia fazer nesse sentido, surgiu a ideia embrionária do projeto: uma viagem pelo Brasil, registrando visitas por vinícolas de diferentes estados. Após convidar algumas amigas próximas e receber negativas de todas, em um encontro de amigos, ouviu de Michele, com quem conversava pela primeira vez, uma fala, que embora mera exclamação, seria levada a sério, a ponto de se anunciar como profecia. “A gente estava falando sobre vinhos, e ela comentou que sonhava em pegar o carro e sair pelo país visitando vinícolas. Foi um choque. Perguntei se era sério. Ela confirmou e já marcamos um café para colocar essa ideia no papel”, lembra Deisi.

“O cenário do vinho está crescendo muito no país, as pessoas querem falar sobre, comentar, entender. Só que além da Serra Gaúcha temos o país todo. Pernambuco tem vinho, Bahia, Minas Gerais… E alguém tem que mostrar isso tudo. Esse Brasil de vinhos” Deise da Costa

Como que dispostas a oficializar a ideia em comum, antes que essa enfraquecesse com o tempo, tudo tomou corpo do modo mais rápido possível. No café, surgiu o nome e conceito de todo o projeto. No terceiro encontro, ao fim de uma reunião de 11 horas, onde foram definidos os detalhes iniciais da expedição, o brinde selou o começo da aventura.
Definidos os objetivos gerais, faltava, entretanto, a parte mais cuidadosa: o planejamento. Enquanto Deisi, por seu conhecimento, ficou a cargo de definir o mapa e os pontos de visita, Michele, que apesar de ter feito seu curso técnico de Enologia no ensino médio, acabou se graduando em Ciências Contábeis, começou o processo de desligamento da empresa de contabilidade onde trabalhava para se reencontrar com o vinho. Necessitando juntar fundos para a expedição, as duas, que até poucos meses atrás eram completas desconhecidas, deixaram os apartamentos onde vivam e passaram a morar juntas com a mãe de Michele.


Uma vez criadas as redes sociais e a identidade visual, e apadrinhadas com um Jeep, lançaram então a data para o começo oficial do projeto. No dia 2 de março, antes da pandemia do coronavírus interromper os planejamentos, pegaram a estrada para visitar as vinícolas da Serra Gaúcha, ponto de partida — e de chegada — da expedição. Em duas semanas, passaram por 19 estabelecimentos de Bento Gonçalves, Pinto Bandeira e Farroupilha. Os próximos destinos, ainda no estado, são a Campanha e os Campos de Cima da Serra.

Histórias entre brindes

A exemplo do que já foi feito em março, antes da viagem ser interrompida, toda a aventura será documentada pelas redes sociais do “Vou de Vinho”. Cada vinícola será apresentada por meio de três posts no Instagram e vídeos com entrevistas e apresentações mais longas pelo Youtube. O diferencial, conforme explica Deisi, será apresentar o mundo de vinho com a experiência de quem trabalha na área, mas com uma linguagem acessível para qualquer pessoa. “Hoje tem muito enófilo falando sobre vinho, e isso é muito bom, pois ajuda a popularizar a bebida. Mas ainda somos carentes de um conteúdo com mais corpo e técnica. Por isso, enquanto profissionais, queremos apresentar o mundo do vinho de um modo que todos entendam”, diz.

Registro de uma das primeiras visitas da expedição, na Serra Gaúcha


Segundo a sommelier, entre os objetivos da expedição e da comunicação, está o empenho em popularizar o consumo do vinho entre os brasileiros, bem como enaltecer os rótulos nacionais, uma vez que, na sua visão, a bebida ainda não é tão presente na mesa dos brasileiros no restante do país, como o é na Serra Gaúcha. Um levantamento de 2018 do portal Cuponation traduz em números essa impressão. Segundo os dados, o consumo per capta é de 1,7 litros anuais, ou seja, mais ou menos duas garrafas por pessoa. A título de exemplo, o consumo de cerveja é aproximadamente 35 vezes maior, com uma média de 60,4 litros. “Na América do Sul se criou uma cultura muito forte sobre a elegância e charme do vinho, o enaltecendo como uma bebida que não é para qualquer um. Ainda há o conceito de que o vinho é pra o rei, e temos que desconstruir isso”, sublinha.

“Ter duas mulheres fazendo uma viagem assim e falando de vinhos quebra muitos paradigmas. Então, nesse sentido, a junção da expedição e do mundo feminino é muito legal, pois mostra a força da mulher e comprova que ela pode ser o que quiser”, Michele Zanella Cordeiro

Uma das estratégias para tal já está em andamento, conforme explica Michele. “Dentro das sequências de posts de apresentações das vinícolas nas redes sociais, o Projeto reservou um espaço onde pedimos para que as vinícolas façam uma coleção de cinco rótulos para que se atendam todos os paladares, custos e gostos, mostrando que na mesma vinícola há vinhos para qualquer público”, destaca. Com o intuito de promover a cultura do vinho, a técnica em enologia destaca ainda a importância de se estar levando o nome de Bento Gonçalves para todo o país. “É muito simbólico uma ideia assim partir da Capital do Vinho. Levaremos nossa identidade para todos os destinos enoturísticos do país. Somos apaixonadas por essa cidade. Deisi, por exemplo, já viajou o mundo, mas sempre volta para cá”, diz.


Uma vez retomada a estrada, a expedição seguirá pelos demais estados brasileiros. Embaixadoras da Wine South America, as amigas pretendem estar de volta a Capital do Vinho, onde tudo começou, em setembro, para apresentar, de forma pioneira, sua experiência no festival.

O projeto, no entanto, não se resume a expedição. Junto a Krug, o trio pretende captar imagens e históricas para o que consideram o “primeiro documentário nacional de enoturismo”, material para um atlas e, o mais importante, consolidar o nome do projeto como referência. “A viagem é apenas o pontapé do Vou de Vinho. Começaremos pela expedição e depois, enquanto empresa, seguiremos trabalhando para comunicar e levar a cultura do vinho para as pessoas. Estamos plantando, nossa safra virá a partir de 2021”, finaliza Michele.