Temática definida pela Igreja convida a sociedade a refletir sobre as dores alheias e comprometer-se com os que mais sofrem
Para os católicos, os 40 dias que antecederão a Páscoa de 2020 terão os olhos voltados ao cuidado com a vida nas suas diversas dimensões: pessoal, comunitária, social, ecológica e política. A Campanha da Fraternidade (CF), que inicia nesta quarta-feira de Cinzas, 26, convida os fieis à reflexão sobre os compromissos do cristão. Neste ano, o enfoque é voltado à discussão e enfrentamento dos problemas que afetam os mais necessitados. precariedade da saúde, do trabalho, educação, moradia, políticas públicas, entre outros. A CF, que segue até o domingo de Ramos, 5 de abril, é realizada anualmente, há cinco décadas, sendo coordenada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Com a temática “Fraternidade e vida: dom e compromisso!”, a CF convida os cristãos, independente de doutrina, a cuidar da vida e voltar o olhar aos que mais precisam, de modo especial, os menos favorecidos, que sofrem com as injustiças da sociedade atual. A reflexão também aponta questionamentos sobre o crescimento de tantas formas de violência, agressividade e destruição, seja entre seres humanos, seja na natureza.
De acordo com o pároco da paróquia Santo Antônio, Ricardo Fontana, a CF 2020 toma como referência a parábola do bom samaritano, um dos trechos bíblicos mais famosos que conta a história de um sacerdote e um levita que acabaram desviando-se de um homem ferido em uma estrada. Segundo a história, ambos não pararam para socorrê-lo. Mas o Samaritano aproxima-se da vítima dos salteadores e, movido pela compaixão, gasta seu tempo e dinheiro, ficando com o homem ferido nuna hospedaria. Paga todas as despesas e promete retribuir ao dono da hospedaria tudo o que gastasse para cuidar do homem ferido.
Segundo Fontana, esse é o espírito que a CF quer fomentar na comunidade: a preservação da vida desde a sua concepção até o seu final natural. “Qual é dom maior numa escala de valores? A nossa existência, a natureza. O Papa Francisco tem nos convocado a este cuidado do meio ambiente, da criação e da vida”, explica. O religioso ressalta ainda que a campanha pretende buscar aquelas pessoas que por inúmeros motivos abandonaram a sua fé e, consequentemente, perderam a vontade de viver. “Hoje, vemos que muitos dos nossos irmãos perderam o sentido da vida. Quantas pessoas estão num vazio existencial? Este também é um cuidado que precisamos ter nos dias de hoje”, observa.
Fontana aponta que a postura do samaritano contém o centro do ensinamento de Jesus: sentir compaixão é a chave, segundo o padre, para fazer a vontade de Deus, que ama toda a criação. “A gente quer ir ao encontro dos que mais sofrem e entregar uma palavra de apoio, conforto. Encorajar estes irmãos dizendo que Ele vive, e é Cristo quem vai te confortar. Este ano, a Campanha da Fraternidade aborda várias facetas em defesa da vida, da criação, do meio ambiente, assim como fez o bom samaritano, que viu a dor do irmão caído, teve compaixão e cuidou”, revela.
Dados apontam para mudanças urgentes na sociedade
Nos materiais preparatórios para os grupos de família, a CNBB apresenta dados importantes sobre a situação econômica brasileira, onde 41 milhões de pessoas encontram precariedade no trabalho, além dos números de desempregados. Atualmente, a Igreja estima que no Brasil existam cerca de 15 milhões de pessoas excluídas. O suicídio, quarta causa de morte entre jovens, é outro ponto que deverá ser trabalhado neste período. Temas como a violência no trânsito, feminicídio, penas de morte, individualismo, fundamentalismo religioso, consumismo doentio, chacinas, criminalização dos pobres, racismo, homofobia, ódio, são pontos a serem abordados.
Segundo o pároco Ricardo Fontana, a Quaresma é tempo para descoberta da ternura que revela o rosto materno do Deus apaixonado pelo ser humano. “É um tempo que nos estimula a amar, cuidar e a aceitar os outros. A quaresma deve estimular a Igreja em saída, aquela que vai as periferias sem medo de sujar as sandálias. Servir, ver, sentir. Sentir compaixão e cuidar da vida é o autêntico programa quaresmal, finaliza.
Cartaz da CF 2020 é inspirado em Irmã Dulce
A primeira santa católica do Brasil, Irmã Dulce, ou Santa Dulce dos Pobres serviu de inspiração para a elaboração do Cartaz da CF 2020. A arte apresenta também, ao fundo, o Pelourinho, lugar conhecido de Salvador, na Bahia, estado onde a santa trabalhou no cuidado dos mais necessitados. Em nota, a CNBB ressaltou a importância do trabalho da religiosa baiana na construção de um mundo melhor e igualitário. “Irmã Dulce cuida. E seu modo de cuidar sinaliza uma Igreja em saída. Então, é cuidar das pessoas que estão próximas a nós. Onde estou é lugar de cuidado da pessoa, do mundo, da ecologia. Depois, o cenário faz menção à questão do mundo urbano. Amar é fazer o bem! Daí a beleza do cartaz, que está sintonizado com as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora no que diz respeito ao pilar da caridade”, explica o documento.
Significado da Quaresma
Dentre todas as solenidades cristãs, a Quaresma é um tempo de 40 dias de preparação antes da Páscoa. Ela foi instituída como prática obrigatória no século IV, mas, desde sempre, os cristãos se preparavam para o período com oração intensa, jejum e penitência. O número de 40 tem um significado simbólico-bíblico: quarenta são os dias do dilúvio, da permanência de Moisés no Monte Sinai, das tentações de Jesus.
Este tempo foi inspirado numa grande catequese que a Igreja primitiva realizava. Ela durava 40 dias, tempo em que os pagãos (catecúmenos) se preparavam para receber o batismo no Sábado Santo, dentro da Solenidade da Vigília Pascal. Acompanhavam também os irmãos que tinham cometido pecados graves para retornarem à fé. Esse tempo era marcado pela penitência e oração, pelo jejum e escuta da Palavra de Deus. Eles eram os “penitentes”, os quais renovavam a fé e recebiam o batismo ou eram reintegrados à comunidade no Sábado Santo.
O período inicia na quarta-feira de Cinzas, e é considerado pelos católicos, tempo privilegiado de conversão e combate espiritual, de jejum medicinal e caritativo. A Quaresma ainda é, segundo a Igreja, um período de escuta da Palavra de Deus, de uma catequese mais profunda, que recorda aos cristãos os grandes temas batismais em preparação para a Páscoa.