Batata e Passoca formam uma bela dupla. O primeiro, peludo e branquinho, com um canino sobressalente feito um vampiro; o segundo, peludo e cinzento, com todos os dentes dentro da boca. Batata é mais fitness, Passoca tem uma “pançoca”, que é uma pança subjacente às entranhas, tipo canguru, ou típica de obeso que emagrece.

Apesar de terem nome, eles só erguem as orelhas quando ouvem “mimi, mimi…”. Coisa da ancestralidade, eu acho, do tempo em que todos os gatos eram apenas mimis. Já Shakira não só aceitou o nome como atende em qualquer circunstância. É muito esperta a cachorrinha. E egoísta: quer todas as atenções para si. Se a gente chama os mimis, ela pula em cima deles para afastá-los.

Na verdade, os gatos não estão nem aí pra carinho. Gostam mesmo de sua independência e circulam nas alturas, inclusive pelo vão das janelas de vidro do quarto andar. Se eles têm equilíbrio? Nenhum ainda caiu! Mas não se preocupem porque a tela de segurança continua firme.

Dia desses, os donos da casa viajaram, levando Shakira junto. Para não deixar os bichanos sozinhos, me mudei para lá, sem que os peludos se abalassem com minha presença.

E a noite “chegou chegando”. Na hora de deitar, ergui uma persiana pra não deixar o quarto tão escuro. E dormi.

De madrugada, algo me fez abrir os olhos. Assim, de supetão, que nem nos filmes de terror. E então vi! Alto e claro! Na verdade, na penumbra mesmo. A poltrona de veludo vermelho estilo Luís XV amparava uma figura alongada, oblíqua e imóvel feito uma estátua, com duas pupilas de fogo apontadas para mim. Seria o rei da França em carne e osso – mais osso que carne – vigiando meu sono? Teria me confundido com a marquesa de Pompadour?

A descarga de adrenalina quase me fez cuspir o coração. Com o hormônio percorrendo as veias, meu corpo ganhou elasticidade e se arremessou para fora da cama. Já o fantasma passou voando por cima de minha cabeça e disparou pelo corredor que dá para a sala, onde se juntou ao outro.
-Gatos safados! Sumam! – gritei – fechando a porta.

E eles sumiram. Por meia hora. Quando eu estava a ponto de “pegar no sono” outra vez, escutei “pec, pec, pec…” pelo corredor…