Depois de um dia bipolar – choveu, esfriou, fez sol, esquentou – a noite veio anunciada pelo Nordestão, sempre presente no litoral gaúcho, que é um “vento com grife e estilo – estilo vendaval” – conforme muito bem caracterizou Geraldo Voltz Lapp, num post tri antigo. Aliás, esse lance de “tri” também está caducando e corre o risco de ser assoprado pra debaixo do tapete linguístico.
Fechamos os janelões de vidro, mas o Coisa Ruim começou a bater furiosamente. Ele esperneou, xingou e borrifou a sacada com jatos de areia. O bicho estava nos perseguindo desde a manhã, quando inutilizou nosso guarda-sol de três dígitos. Obviamente não o deixamos entrar. Ele sossegou. Por um instante, até inflar o peito e despejar sua fúria nas vidraças, feito o Lobo Mau. Felizmente a casa era de tijolos.
Estávamos assistindo às notícias sobre a execução do general do Irã, outro Coisa Ruim, quando o daqui passou a uivar freneticamente. Para quem assim o desejasse, era só fechar os olhos e se imaginar no Morro dos Ventos Uivantes, que lá estaria. Mas eu fui mais longe. Me vi no meio do fogo cruzado do Catarina (versão menos sinistra do Catrina), aquele ciclone tropical que, em 2004, varreu as praias do sul. Não foi difícil fantasiar a ideia, mas para sentir o pavor descrito por uma amiga que ficou a noite inteira encolhida embaixo de uma mesa, não funcionou. O medo sabe quando tem vez.
Depois voltei ao grupo que queria ver “O Guardião Invisível” – filme policial cheio de mistérios – mas as vozes dos personagens estavam inaudíveis. Tudo por causa do capeta urrando na busca insana de uma fresta pra entrar e encher todos os espaços. E nós não queríamos estocar vento, afinal a natureza era pródiga neste sentido.
Aquilo estava nos deixando estressados. Então a dona da casa, enfurecida, resolveu acabar com a “festa”. Levantou, abriu alguns centímetros do janelão e gritou:
-Entra, demônio!
E ele não se fez de rogado. Mas logo se apequenou. Já não era tão maligno e assustador. Mais parecia um saci fazendo travessuras de criança, ora assobiando baixinho, ora se enroscando na folhagem do canto, ora bulindo com os meus cabelos.
Então, assim do nada, tive um insight e li o vento, que sussurrava: “Não se feche aos desafios, abra-se a novas possibilidades apesar dos riscos envolvidos, pois isso é libertador”.
Caraca! Decifrei sua mensagem criptografada.