Invejo essa gana das donas de casa fazendo limpeza de final de ano. É água rolando em cima, embaixo, por dentro, por fora, no telhado, na cerca, no muro, na calçada, no varal… Mai Gódi! Exclamo com meu inglês de araque. Só de olhar me dá uma grande preguiça existencial. E, deitada até o ângulo que as vertigens me permitem, fico relembrando o tempo mais feliz da vida: a infância. Bom, há controvérsias…
Enfim, lá estava eu perguntando pela centésima vez, quantos dias faltavam para o Natal, enquanto minha mãe ordenhava a Violeta, que era uma flor de vaquinha. (Naquela época, a gente sabia de onde vinha o leite nosso de cada dia).
Com uma paciência de Jó, aquela mulher guerreira me confirmou o que eu já sabia, pois fazia as contas diariamente, apesar da pouca idade.
-Semana que vem! Faz teus servicinhos senão o Papai Noel passa direto.
Ah! Os servicinhos. Um deles era catar gravetos para acender o fogo (fogão a gás, nem nos sonhos). Varrer o pátio, que parecia tão imenso, na época, era do que menos eu gostava. Consumia uma boa parte da manhã de sábado. (Se fosse hoje, será que meus pais seriam processados por me submeterem a trabalho infantil?)
De qualquer forma, eu precisava levar a sério as responsabilidades que me foram impostas ou correria o risco de ter outra surpresa, como a da última Páscoa, quando o Senhor Coelho pulou a minha casa. Safado! Como pode? Nunca o perdoei.
Então vinte e quatro de dezembro chegou. O dia inteiro foi de preparativos. Com barba-de-pau, que arranquei do alto das árvores, compus meu ninho – não tínhamos o costume de usar pé de meia. Cortei pasto e o arrumei numa manjedoura improvisada para a mula do Papai Noel. Naquelas bandas, o Bom Velhinho não voava com renas; ele galopava na jumenta, que só empacou três anos depois, me sinalizando que era tempo de crescer.
No dia vinte e cinco, acordei cedo, mal contendo a ansiedade. Lá estava meu prato de porcelana enfeitado com as barbas-de-pau repleto de doces de açúcar “candy”! Epicamente lindo! Maravilhosamente branco! O mundo todo cabia naquela visão. Emoção que se repetiu até os meus nove anos, quando a mula empacou de vez, e o Papai Noel desistiu de mim. Na verdade, ele já estava de saco cheio, e eu também.