Poucas coisas causam mais sensação de desagrado na comunidade que o “prende e solta” que ocorre entre as forças de segurança e a Justiça Criminal. Se por um lado a situação gera revolta, uma vez que o trabalho ostensivo e de investigação parece ser desperdiçado ao final, dando a impressão da velho ato de “enxugar gelo”, por outro, as autoridades judiciais rebatem as críticas afirmando que o que está errado é a própria Carta Magna, assim como alguns pontos que geram permissividade da lei, branda quando não deve e punitiva em casos triviais.
O último exemplo ocorreu na última semana, quando dois dos cinco presos em ação da Brigada Militar, realizada em setembro, no KM2, Distrito de Tuiuty, receberam Alvará de Soltura e deixaram a Penitenciária Estadual de Bento Gonçalves. Os despachos tinham como embasamento “a ausência de justas causas”.
O imaginário da população brasileira e de alguns integrantes das instituições estatais que lidam com o fenômeno da criminalidade crê que existe uma cultura em nosso sistema de justiça criminal em que “a polícia prende e a justiça solta”. Ou seja, consideram que a polícia embora cumpra sua função – de prender os “bandidos” – acaba vendo-a frustrada, pois os magistrados deixam os criminosos soltos nas ruas, fomentando a impunidade dos delinquentes. Em suma: é a crença no discurso de que “a polícia prende os criminosos e o Poder Judiciário libera-os da prisão”.
A melhor forma de ver o chicote é tendo o cabo à mão.
Essa visão usualmente causa atritos entre as polícias e os governos estaduais, de um lado, e o poder judiciário, do outro. Dois episódios retratam bem essa conjuntura: o então governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, criticou publicamente a atuação da Justiça Estadual no caso do ciclista que foi morto a facadas dizendo que “O policial entra por uma porta da delegacia e a pessoa sai por outra. E quando fica preso, infelizmente, o desembargador dá uma liminar soltando todos”, bem como que “não adianta a polícia prender bandidos, ‘se no dia seguinte um desembargador concede liminar para soltá-los”. Já aqui no estado, o ex-chefe de polícia do Estado do Rio Grande do Sul, Guilherme Wondracek, imputou a responsabilidade pela crise na segurança pública estadual ao “prende e solta” dos criminosos realizado pelo judiciário.
Entretanto, é preciso lembrar que vivemos em um país onde a regra é a liberdade, e a prisão exceção, só devendo ser efetivada nos termos da lei. A polícia só pode prender uma pessoa em situação de flagrante delito ou por meio de ordem judicial. Se a prisão não preencher os requisitos legais, deverá ser revogada ou relaxada. É o que diz nossa legislação.
Entendemos que isso é tão revoltante quanto inadmissível. Juízes e tribunais têm o dever de cumprir a legislação, mas casos de negligência e insensibilidade devem ser denunciados com clareza, para que os autores sejam responsabilizados e também para evitar uma generalização danosa à instituição Justiça.
Não é demasia lembrar Machado de Assis – a melhor forma de ver o chicote é tendo o cabo à mão. Já disse o Ministro Marco Aurélio, que “Justiça não é sinônimo de justiçamento”. A sociedade não convive com o atropelo a normas reinantes. O desejável e buscado avanço social pressupõe o respeito irrestrito ao arcabouço normativo. É esse o preço a ser pago e é módico, estando ao alcance de todos, por viver-se em um Estado Democrático de Direito.