Reportagem do Jornal Semanário teve acesso à antiga casa prisional e conta como funcionava a penitenciária e como o local está depois da desocupação

Pratos de comida largados às pressas, roupas jogadas para todo lado. A umidade e o cheiro forte tomam conta do local. Nas camas, ventiladores pendurados, que eram ligados por uma fiação improvisada. Nas paredes, frases escritas e desenhos rabiscados.

Foi esse cenário caótico que encontramos na antiga Penitenciária Estadual de Bento Gonçalves, que está em processo de desativação. Os detentos já estão todos na nova casa prisional, na Linha Palmeiro, mas uma parte dos serviços administrativos ainda funcionam no Centro da cidade. Quem acompanhou a visita da reportagem foi o último administrador do espaço, Volnei Zago, que trabalhou no local por 16 anos, assumindo duas vezes a direção e agora desempenha o mesmo papel no novo presídio.

No início da galeria, ao lado do parlatório (espaço utilizado pelos advogados para conversar com seus clientes), ficava a cela feminina. Zago diz que é o melhor “quarto” da penitenciária. Elas ficavam na entrada por oferecer menos risco. Ali era o único espaço em que ninguém dormia no chão. Ele recorda a época que a realidade da casa penitenciária era outra, bem distante do que se tornou. “Em 2012, Bento era uma das referências em trabalho prisional. Em uma cela, que agora abrigava 60 detentos, a gente tinha, em média, 22 pessoas. Também havia efetivo suficiente para manter o trabalho”, lembra.

Segundo Zago, após a rebelião que ocorreu em 2014, a situação começou a piorar, pois duas celas não puderam ser recuperadas. “Depois, com o crescimento da criminalidade, também foi aumentando o número de detentos”, destaca. Uma das primeiras celas masculinas da galeria, a dois, tinha capacidade para 15 apenados, mas 60 conviviam no mesmo espaço. No local, colchões, roupas, cadernos, potes e diversos objetos jogados pelo chão e camas. Ele diz que, antes da transferência, os presos começaram a quebrar aparelhos celulares que estavam em seus dormitórios.

Fato que constatamos na cela 11, que fica no final da galeria. No local havia baterias jogadas, aparelhos quebrados e carregadores. Com a mesma capacidade da dois, ali também viviam cerca de 60 presos. Encontramos uma faca e um facão abandonados. No concreto das camas, paredes e chão, buracos, que, de acordo com Zago, eram utilizados para esconder os objetos. “Quando tinha necessidade de reparos no prédio, os presos mesmo executavam, então eles utilizavam parte do cimento para fazer uma tampa ou confeccionavam até mesmo com sabão para os agentes não notarem”, diz.

A cela 11 foi adaptada e emendada para comportar mais pessoas. O espaço já chegou até a ser uma cozinha. Um longo corredor, em frente às camas, leva ao fundo da cela. De um lado, o banheiro, do outro, o “beco”, como os presidiários chamavam. Ali há mais camas. Foi nesse espaço que os agentes encontraram 39 celulares durante uma revista. Zago explica que nas celas menores, com capacidade para nove presos, até 30 pessoas compartilhavam o espaço.

E era nas celas mesmo que aconteciam as visitas íntimas. Organizadas pelos próprios presos, eles decidiam quem e quantos casais iriam utilizar o local. “Mas a gente tinha um controle rígido. Caso a companheira testasse positivo para doenças sexualmente transmissíveis, esse tipo de relacionamento não era permitido, para não proliferar mais a doença dentro da penitenciária”, conta o ex-diretor da casa. Os demais familiares eram recebidos no pátio às quartas-feiras e aos domingos.

Em outro ala, as salas para revista, uma cela para presos cíveis e o dormitório para quem estava no regime semiaberto. Apesar das goteiras e a água que se acumula no chão, esses locais estão organizados. Sobre as condições gerais e a superlotação da estrutura e o pouco efetivo que atuava no local, Zago é categórico em afirmar: “não havia mais condição nenhuma de ressocialização aqui”.

Castigo

A sala 5A era o castigo. Com capacidade para abrigar três pessoas, até oito ficavam no pequeno espaço quando transgrediam as regras. Nas paredes, escritos e desenhos. A inscrição “Os Abertos” remete à uma facção que atua na cidade. Zago diz que os muros foram ficando assim mais próximo da transferência, pois antes os presos eram obrigados a limpá-los. Um buraco na parede, tampado por uma folha amassada, denuncia que ali também há objetos escondidos, conforme observa o agente. Ao lado, a inscrição 5B mostra que havia mais uma sala para isolamento, porém o agente ressalta que foi preciso adaptá-la para ser mais uma cela normal pela necessidade de espaço. Em frente, em um “quarto” melhor e sob a proteção de uma pequena porta de madeira ficavam os “plantonistas” (presos que eram responsáveis por cuidar da galera).

Espaços comuns

As salas de aula e a biblioteca eram ambientes com mais vida. Na T4, ao fundo um mapa mundi pintado na parede colore o local. Na frente, em cima do quadro, pinturas feitas a mão com lápis de cor. O espaço nem parece integrar o mesmo presídio. Zago ressalta que 110 presos tinham acesso à educação. Em uma das celas, perdido em meio à bagunça deixada, um caderno, com divisórias improvisadas para cada disciplina, mostrava o cuidado e capricho de um dos detentos com os conteúdos anotados ali.

Na parte administrativa, que ficava no andar superior, as professoras nos recebem com alegria. Elas separam os materiais para que sejam levados ao novo presídio. No mesmo andar há os dormitórios, onde os agentes descansavam, salas administrativas e a enfermaria, onde um dentista voluntário atendia os presos uma vez por semana. Médico nunca existiu no local. Quem precisa de cuidados é levado à Unidade de Pronto Atendimento (UPA).

Na entrada do andar, objetos artesanais confeccionados pelos presos. Mas, conforme Zago, as oficinas não aconteciam mais há algum tempo por falta de estrutura, que foi sendo adaptada para abrigar mais detentos. “Alguns continuavam fazendo por conta própria”, destaca. Outros presidiários tinham a oportunidade de trabalhar no local. Na cozinha geral e na padaria (que fazia as refeições dos presos e as entregava nas celas), eram 12. Havia mais que desempenhavam papeis na limpeza do prédio, com barbearia e que cozinhavam para os agentes penitenciários.

Fotos: Elisa Kemmer