O mercado de trabalho está em processo de transformação. No futuro, os relacionamentos interpessoais vão ser mais valorizados do que as habilidades técnicas das pessoas. Essa é uma das conclusões de um estudo do Institute for Business Value (IBV), realizado pela International Business Machines Corporation (IBM) e divulgado no mês de setembro.
A pesquisa também concluiu que enquanto novas competências surgem rapidamente, outras estão em defasagem. Em 2016, no Brasil, uma habilidade em falta era a capacidade de se comunicar efetivamente em um contexto de negócios. Já em 2018, as capacidades mais procuradas eram as comportamentais: gerenciamento de tempo, disposição de ser flexível, ágil e adaptável às mudanças. Diante desse contexto, a reportagem procurou saber como está o cenário em Bento Gonçalves.
Atuando há dez anos como consultora de gestão de pessoas na Mundi Desenvolvimento Pessoal e Organizacional, Bárbara Marçal percebeu que geralmente as demissões não acontecem pela falta de experiência para desempenhar as funções exigidas, mas devido as atitudes das pessoas. “O próprio Peter Drucker, pai da administração, falava que as pessoas eram contratadas pelas técnicas, mas desligas pela maneira como se comportam e isso acontece muito na prática. Vejo que as pessoas são muito boas tecnicamente, mas não conseguem ter um diálogo com o colega, com o cliente ”, afirma.
Bárbara acredita que as empresas já estão percebendo que o saber é importante, porém é o comportamento que faz com que permaneçam no ambiente de trabalho. “O conhecimento se aprende. A habilidade vai sendo desenvolvida. O grande diferencial está nas atitudes. A pessoa realmente ir lá e fazer, ser dinâmica, poder se adaptar às mudanças, às diferenças. Acredito que daqui para frente isso vai acabar se destacando muito mais”, analisa.
Olhar mais cuidadoso
De acordo com Christiane Berlinck, diretora de RH da IBM Brasil, desenvolver habilidades técnicas e interpessoais é também trabalho das empresas e isso significa criar um ambiente de trabalho mais flexível, colaborativo e empático.
Diante disso, Bárbara acrescenta que os empresários já estão cuidando melhor dos colaboradores e se preocupando com situações que antigamente não davam atenção. “Sabemos que existe um contrato de trabalho, mas por trás existem pessoas e são elas que fazem as coisas acontecerem dentro das empresas, não são as paredes ou as fachadas. Os gestores estão se preocupando em saber como as pessoas e as emoções delas estão”, analisa.
Bárbara também destaca que as pessoas não são iguais e que as empresas precisam se adaptar a essa realidade. “Há muito tempo ouvi uma frase que dizia para as pessoas deixarem os problemas em uma árvore e irem trabalhar. A gente sabe que não funciona desse jeito. As pessoas levam os problemas para o trabalho e o desafio das empresas é ajudar a equilibrar tudo isso para que possam realmente fazer a entrega desejada. Não dá para colocar um uniforme de pinguim em todo mundo porque as pessoas são diferentes”, observa.
O ambiente de trabalho também é um fator que influência nas emoções dos funcionários, aponta Bárbara. Segundo a consultora, não adianta as empresas pagarem um bom salário, se as pessoas não se sentem bem no local. “Nas inúmeras pesquisas que a gente faz, a primeira coisa que aparece é o clima no ambiente de trabalho. Se as pessoas não estão bem ali, não adianta pagar muito bem porque elas não vão gerar o resultado desejado. Então, vejo as empresas pensando muito nisso, em como deixar o clima mais agradável”, alega.
Como consultora, Bárbara vai para dentro das empresas implantar com o setor de recursos humanos (RH) ou com os gestores, novas formas de trabalhos focados no bem-estar dos colabores. Uma das empresas onde elas desenvolvem ações é na Real Assessoria Empresarial, local que já está realizando movimentos visando o conforto dos colaboradores.
Marcos Fracalossi, diretor e fundador da Real, que surgiu em 2001, relembra que naquela época eram cerca de quatro pessoas que faziam parte da empresa. Atualmente são 55 colaboradores. Como a empresa cresceu, Fracalossi conta que percebeu a necessidade de cuidar das pessoas. “Quando éramos poucos, a gente tomava café todos os dias juntos, brincávamos, ríamos. Depois, percebemos que estávamos ficando distantes uns dos outros e foi aí que começou a surgir ideias”, conta.
Uma delas foi a criação de um conselho consultivo com cinco integrantes. A missão deles era olhar para os colegas, ouvir, fazer sugestões e críticas. “Durou cinco anos e teve duas equipes. Durante um tempo foi uma formatação, depois foi outra “, conta.
Porém, uma das grandes mudanças começou a surgir há pouco mais de dois anos, quando a contadora Camila Veronese decidiu fazer o trabalho de conclusão do curso da faculdade focado na gestão de pessoas. Quando ficou pronto, Camila apresentou o trabalho primeiro na empresa, depois para a banca, onde tirou nota 10. “As pesquisas do trabalho foram realizadas com os clientes, colaboradores e os diretores da empresa, para comprovar que são as pessoas que fazem ter o sucesso que tem, que o valor que da empresa vem do humano e não só dos números que a gente apresenta para os clientes, mas da relação que existe entre nós”, conta Camila.
Foi a partir daí que a empresa criou o departamento de gestão de pessoas. Camila continuou atuando como contadora em um turno e no outro atua como coordenadora do Setor de Felicidade. “Eu falei para ela que esse trabalho não podia ficar só no papel e que a gente ia começar a aplicar na empresa”, relembra Fracalossi.
O departamento foi criado para cuidar de todas as tarefas e atividades que envolvam o bem-estar dos colaborares. De acordo com Fracalossi, todos os dias uma pessoa prepara um café da manhã para os funcionários, além de diversas outras ações que visam a integração e união das pessoas. “No dia que alguém está de aniversário tem os parabéns com confete, balão, música específica para a pessoa. Todo final de ano temos um dia para celebrar tudo que aconteceu. Tem premiação por tempo de empresa. Tem o projeto de conhecimento em destaque, que é para quem estuda e faz no mínimo três matérias. Esses colaboradores entregam o boletim no final de cada semestre e os três primeiros colocados ganham prêmio em dinheiro. Tem o dia do amigo, onde aquele que foi o amigo do mês anterior ganha um livro. São coisas assim que motivam”, relata.
Fracalossi destaca que quando uma pessoa é contratada para trabalhar na empresa, as questões comportamentais são fundamentais. “Não estamos muito preocupados com a questão técnica, mas com o ser humano, em saber se é uma pessoa de valores, que carrega o bem no coração, na mente, se é uma pessoa que tem empatia, que se relaciona, que está aberta ao feedback, porque a técnica a gente ensina”, frisa.
“A gente precisa do técnico, ele deve ser bem feito e melhor a cada dia, mas tem que ser feito por um ser humano que precisa ter suporte e estar leve”
Apesar de todas as atividades motivadoras para os funcionários, Fracalossi esclarece que há muito trabalho dentro da empresa. “Aqui não é uma festa, não é tudo tranquilo, é tudo muito intenso e é por isso que a gente tem que tornar o ambiente leve. O funcionário tem que estar bem aqui, precisa ter seu cuidado. Tem gente que vem com questões pessoais, familiares desestruturadas e a gente precisa dar uma mão para elas”, conclui.
Economia de Bento
O Secretário de Desenvolvimento Econômico, Silvio Bertolini Pasin, afirma que todo esse cenário influencia positivamente na economia da cidade. “Hoje estamos mais felizes e isso está impactando. Impacta na produtividade, no aumento da rentabilidade de cada um, da própria empresa. Isso gera mais impostos e com isso melhores serviços prestados pelo órgão público e automaticamente a população tem melhor qualidade de vida”, analisa.
De acordo com Pasin, por mais que as indústrias da cidade já estejam automatizadas, algumas inclusive em um nível 4.0, os empresários já perceberam que o maior bem deles são os funcionários. “Uma máquina vai ser mais rápida, mas não substituí o ser humano. Em um determinado momento vai precisar de uma pessoa, até para comandar essa máquina”, conclui.