Criado pelo Circolo Trentino di Bento Gonçalves, por meio de Edital da Secretaria de Cultura do Estado, a iniciativa oferece mais de 83 oficinas gratuitas como vime, dressa, mora, dialeto italiano, entre outras
Ano de 1976. Acossados pela miséria, pela fome que se alastravam pelo norte da Itália no conflituoso período de anexação da região de Vêneto e Lombardia, a única riqueza que os imigrantes trentinos traziam consigo ao cruzar o Oceano Atlântico, em busca de uma nova vida nas terras que hoje conhecemos como Vale dos Vinhedos, era de ordem imaterial: a cultura e os saberes.
Apesar da evolução econômica do vale e de seus arredores e mesmo do reconhecimento do destino como patrimônio histórico e cultural do Rio Grande do Sul, essa riqueza foi se esmiuçando à cada nova geração. E é com o objetivo de resgatar, manter e multiplicar essas riquezas que quase se perderam ao longo de mais de 140 anos de história, que foi criado o Ponto Cultural Vale dos Vinhedos.
O projeto foi contemplado por meio de Edital 05/2014 da Secretaria da Cultura do Estado (Sedac) e após cinco anos de espera, iniciou na última semana, os trabalhos para implantar as oficinas. Além do Ponto Cultural do Vale dos Vinhedos, o Edital que buscava selecionar entidades para o desenvolvimento do projeto “Rede RS de Pontos de Cultura” contemplou outras 91 entidades de 61 cidades gaúchas. Ao todo, cerca de R$18 milhões foram liberados pela Sedac em duas etapas. A última, em maio deste ano, foi de R$6 milhões, dos quais R$64 mil foram destinados a proposta bento-gonçalvense.
Antiga reivindicação do Vale dos Vinhedos, a iniciativa do Circolo Trentino di Bento oferecerá 83 oficinas à comunidade. Entre as principais atividades, todas gratuitas, estão: canto, culinária , vime, dressa, jogo da mora, dialeto italiano, entre outros. “A escolha das oficinas foi baseada no que eu via quando criança nas antigas festas de famílias italianas aqui da região”, sublinha o vice-presidente do Circolo Trentino e coordenador do Ponto de Cultura Vale dos Vinhedos, Sandro Giordani.
Nascido no Vale dos Vinhedos há 44 anos, Giordani acompanhou de perto o desaparecimento gradual dos jogos, dialetos e das atividades que faziam parte da vida das famílias mais antigas do vale. “As oficinas são uma necessidade para preservar esses costumes. São coisas que foram se perdendo. Ainda se joga mora nas comunidades mais afastadas e escutamos o dialeto em salões onde há encontros, mas é cada vez mais escasso. As gerações mais novas, muitas vezes, nem sabem que isso existe”, assinala.
Sem contar com uma sede fixa, a ideia é que, inicialmente, as oficinas ocorram na Igreja do Vinho e nas duas escolas do Vale dos Vinhedos, mas há a expectativa que, com o tempo, se espalhem também por outras localidades do distrito.
“As primeiras pessoas que chegaram aqui nos deixaram um legado. Saíram da Itália para enfrentar um cenário selvagem, começaram tudo do zero, morando em casebres, enfrentando doenças, abrindo espaço. Foi um trabalho muito grande que fizeram, e temos que tentar preservar essa história e cultura”
Embora o edital só tenha vigência de um ano, Giordani já adianta, que a expectativa é prosseguir, por meio de patrocínios e voluntários, com algumas das oficinas para que o Ponto Cultural Vale dos Vinhedos siga em atividade.
Sempre abertas para novos participantes, as oficinas de coral adulto e coral infantil iniciam já em outubro, mas a maioria acontecerá a partir de novembro. A divulgação do cronograma será atualizada pela página do facebook “Circolo Trentino Bento Gonçalves”. Para participar das oficinas basta entrar em contato pelo e-mail circolotrentinobento@gmail.com.
Circolo Trentino, 30 anos preservando a história
Em 24 de dezembro de 1875 os primeiros imigrantes italianos chegaram na Capital do Vinho. Simbolicamente, na mesma data, no ano de 1989, foi criado o Circolo Trentino di Bento Gonçalves, associação italiana que busca valorizar as origens e tradições dos primeiros colonizadores.
Com o objetivo de arrecadar fundos para o Coral do Vale, após ficar parada por alguns anos, em 2011, a associação voltou à atividade. “Por ter nascido no Vale, tinha muitos conhecidos no coral e como ele estava passando dificuldades, resolvemos ajudar. Foi então que abriu o edital e resolvemos nos inscrever”, lembra Giordani.
Entre os anos que se seguiram até a recente contemplação do ponto de cultura, no entanto, o Circolo se manteve atuante, desenvolvendo atividades culturais.Uma das mais marcantes, conforme recorda Giordani, foi a retomada das ações do Dia dos Reis Magos, data comemorada em 6 de janeiro. Conforme conta, era uma tradição que se estendeu desde o primeiro ano da imigração até meados dos anos 1970. “É uma caminhada pelo 40, com o coral que canta músicas antigas em italiano, enquanto visita as famílias, que os recebem com algum tipo de prato. É algo que o pai e a nona falavam, e que conseguimos resgatar”, comemora.
Entre outras atividades recentes, o Circolo também esteve à frente da Corrida de Barricas e da abertura de uma biblioteca com acervo em italiano, localizada na Casa de Memória Merlin no Roteiro Caminhos de Pedra.
Algumas das tradições mantidas pelo Ponto Cultural Vale dos Vinhedos
Mora: Popular em diferentes regiões da Europa, a mora surge na Itália no século 14, provavelmente, como um passatempo entre os pastores.
Tradicionalmente jogado em língua vêneta, o jogo se resume em acertar o número do conjunto de dedos da mão que os participantes sucessivamente apresentam sobre uma mesa, batendo os dedos sobre ela.
Dressa: Trata-se do artesanato com palha de trigo, uma tradição que, na Itália, remete a Idade Média, onde a palha era usada para confeccionar chapéus. Bastante popular na Toscana, a trança de palha foi mantida pelos imigrantes que chegaram a Serra, que a empregavam na confecção de utensílios pessoais e domésticos em geral.
Dialeto Vêneto: Reconhecido como “Referência Cultural Brasileira” pelo Ministério da Cultura (MinC) e como patrimônio cultural pelo estado do Rio Grande do Sul, o dialeto vêneto é uma das principais heranças deixadas pelos imigrantes italianos.
Estima-se que cerca de 500 mil pessoas, ainda, falem o dialeto, ou alguma de suas variações, no Brasil.