Salários parcelados. Data indefinida para receber o pagamento. Falta de reajuste salarial. Déficit de profissionais. Há quatro anos, essa realidade é enfrentada por todos os professores que fazem parte do quadro de funcionalismo estadual. Agora, os servidores da área da educação têm um motivo a mais para se preocupar: o risco de perder direitos conquistados caso o governo realize mudanças no plano de carreira.
Em um ranking comparativo, o Rio Grande do Sul ocupa a posição de Estado que paga o menor salário do Brasil para os professores. O pagamento dos educadores vária de acordo com o nível de categoria de cada profissional, mas o valor base de um professor estadual com a graduação completa, para trabalhar em regime de 20 horas semanais é de R$ 1278.
Terça-feira, dia 15 de outubro, é comemorado o Dia do Professor. É justamente nessa data que os educadores que ganham líquido até R$ 2,5 mil devem receber o pagamento do salário referente ao mês de setembro. A partir do dia 16, os servidores que ganham acima desse valor, vão receber o salário dividido em parcelas. O primeiro depósito será no valor de R$ 1 mil. O próximo pagamento deverá sair somente na metade do mês de novembro.
Luta diária
Diante desse cenário de incertezas, dona Iara Maria da Costa Strapazzon, professora de Educação Especial da Escola Estadual General Bento Gonçalves da Silva, assim como tantos outros colegas de profissão, precisou mudar o estilo de vida. Iara relata que não consegue mais pagar as contas em dia e que até a alimentação mudou. “Tenho que estar sempre dentro do limite e ainda é complicado porque estou devendo para o banco ou tenho que pagar contas com juros. Mudei as datas dos vencimentos das contas, mas da mesma forma não consigo pagar em dia, porque o salário nunca vem quando o governo anuncia que vai pagar”, afirma.
Viúva há 12 anos, Iara ajuda a pagar a mensalidade da faculdade de jornalismo que a filha de 21 anos cursa na Universidade de Caxias do Sul (UCS). Fora esse gasto fixo, tem a água e luz, além de outras contas que não permite sequer que possa sair para se divertir. “Tenho a pensão do marido, mas também não dá para contar muito porque na realidade é um salário mínimo que recebo, mas nem isso ajuda. É angustiante porque não posso me propor de sair com amigos porque aquele dinheiro de alguma forma vai fazer falta. Nem nos meus piores sonhos imaginei uma situação assim”, revela.
Com rotina apertada, Iara se divide entre dois colégios. De manhã, leciona na Escola Estadual de Ensino Fundamental José Farina, onde trabalha das 7h30min até às 11h30min. De tarde, trabalha das 13h15mim às 17h15min na Escola Bento Gonçalves, horário que muitas vezes se estende quando precisa organizar o material para o dia seguinte. Ainda assim, Iara encontra motivos para agradecer pela profissão que escolheu. “Quando chego em casa tem momentos que estou exausta, mas lembro de algumas situações e agradeço por estar nessa profissão. É a área da educação que realmente faz a diferença em todos os sentidos”, diz.
Quando questionada se a situação atual a fez deixar os sonhos de lado, a professora diz que sim, vários, mas não deixa de acreditar em uma mudança de cenário. “Todos os sonhos estão guardadinhos e em algum momento vou conseguir executa-los. Detesto saber que devo para alguém e que não vou conseguir cumprir naquele momento. Já não me permito mais esse tipo de coisa. Com o fim do parcelamento, pelo menos vou poder pagar as contas, ir tomar um sorvete com as amigas, ou fazer alguma viagem, porque vou dar conta de pagar”, afirma.
Atuando há 16 anos na Escola Bento Gonçalves, o atual diretor, Leonildo de Moura, conta que nos últimos anos os funcionários da escola estão sobrecarregados, trabalhando com acúmulo de funções devido a carência de profissionais que o Estado não consegue dar conta de suprir. Atualmente a escola está com déficit de um supervisor no turno da tarde.
O diretor destaca que essas condições fizeram com que muitos profissionais concursados optassem pela exoneração. Só na escola Bento, nos últimos anos, foram cerca de dez funcionários que se desligaram dos cargos exercidos. “Inclusive nomeados que fizeram concurso sonhando com uma carreira, que trabalhariam nessa área porque realmente gostam, mas não foi possível se manter em virtude do salário. O trabalho é bem exaustivo e as pessoas não aguentam devido à falta de suporte que não é ofertada pelo Estado”, revela.
De Moura acrescenta que os educadores que ainda se mantem na área precisaram buscar outras formas de renda para ajudar na sobrevivência. “O que a gente viu durante esses últimos anos, são muitas pessoas procurando outras fontes de trabalho, largando o Estado em virtude dessa desvalorização, de não conseguir sobreviver nessas condições. Quem consegue ainda resistir é porque tem um regime de trabalho de 60 horas ou porque tem um segundo emprego e que não dependa totalmente do Estado”, aponta.
É o caso da Neidiane Debona, que atua na Escola Estadual de Ensino Fundamental José Farina. De acordo com a professora, quando assumiu o cargo de funcionária do Estado, foi para completar a renda que já ganhava trabalhando na rede particular, no Colégio Sagrado Coração. Com dois filhos pequenos, a Manoela de 1 ano e 7 meses e o Pedro Henrique de 6 anos, a professora afirma que se dependesse só do salário do Estado para sobreviver, a vida seria muito mais difícil. “Para mim não afetou tanto porque tenho o salário da tarde que é muito maior, mas o dinheiro do Estado faz falta sim, porque a gente sempre conta com ele e se estamos trabalhando é porque precisamos”, relata.
Cursando psicologia na Faculdade da Serra Gaúcha (FGS), Neidiane afirma que o pagamento do boleto da instituição vai ser pago em atraso. “Vence no dia 10 e me organizei para pagar com o salário do Estado, então vou atrasar porque o governo só vai pagar dia 15 e provavelmente vai ter juros”, diz.
Embora o cenário não seja positivo para os educadores, a professora afirma que o amor pela profissão e pelas crianças é a motivação diária para continuar trabalhando. “Não me vejo trabalhando com outra coisa. Por mais que eu esteja estudando psicologia, ainda não me vejo como psicóloga e sim como professora, dando aula. Quando olho para alguma criança e vejo ela rendendo, aprendendo, isso dá ânimo e me faz acreditar que a situação vai mudar”, destaca.
Para um futuro não muito distante, Neidiane confessa que cogita a possibilidade de solicitar exoneração do Estado. “Estou pensando até o final do ano em me exonerar e ficar só na escola particular, onde o salário é quase três vezes maior que do Estado e para trabalhar quatro horas também”, afirma.
O que diz o CPERS
A diretora geral do Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers) de Bento Gonçalves, Juçara de Fátima Borges, afirma que educação não é prioridade na gestão dos políticos. “O governo veio todo pomposo para Bento inaugurar o novo presidio, mas quanto menos se valoriza a educação, mais presídios vão precisar abrir no futuro”, analisa.
Sobre as possíveis alterações no plano de carreira dos educadores, Juçara afirma que governo ainda não deixou claro quais mudanças pretende fazer, entretanto, acredita que não sejam alterações positivas para a categoria. “Não temos o projeto em mãos para discutir e ver juridicamente, mas pelo que se desenha é para tirar o pouco que os professores recebem”, alega.
Caso o governo encaminhe o projeto de modificações no plano de carreira, a categoria decidiu em assembleia que 72 horas após vai entrar em greve. Também está previsto para o dia 15 de outubro, o início de um acampamento em frente ao Palácio Piratini, em Porto Alegre. “Vamos até o final de dezembro, porque o governo demonstra que se não encaminhar o projeto agora, vai fazer uma sessão extraordinária em dezembro para votar o plano, então vamos estar presente todos os dias lá na frente”, antecipa.
É por todo esse contexto, que Juçara afirma que o dia do professor não será um dia de comemoração para a categoria, mas de luta, “para não se perder o mínimo que se tem hoje”, conclui.
Professores municipais
A luta dos professores do município de Bento Gonçalves, segundo a presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais (Sindiserp), Neilene Lunelli, é pelo reajuste trimestral dos salários, prevista na Lei N° 5926. “O nosso prefeito fez em 2015 essa lei, aonde a cada três meses passaria a inflação, mas faz um ano agora em outubro que ele não repassa”, diz.
A assessoria de comunicação da prefeitura alega que a lei tem o objetivo de recompor perdas salarias verificadas em 2012, mas não obriga, podendo ser concedida em qualquer período. “Durante a atual administração, os salários dos servidores foram corrigidos em quase 50%. Os objetivos propostos pela Lei da Trimestralidade foram atingidos, inclusive com ganho real aos servidores. Qualquer pico de inflação que porventura venha a ocorrer pode ser corrigido com o atual projeto de Lei”, afirma.
Entretanto, Neilene afirma que o Prefeito Guilherme Pasin se comprometeu em campanha com a lei e acredita que deveria cumprir. “Realmente, a lei diz que autoriza, mas acredito que ele teria que cumprir e honrar o compromisso e ele não está cumprindo há um ano. A gente tenta dialogar, mas não está conseguindo”, finaliza.