Reportagem especial: Elisa Kemmer e Fábio Becker

Em visita a bairros periféricos de Bento, notamos diversos pontos de convergência, isso é, que se destacam em todos locais. Entre eles estão a ocupação das pessoas no mercado informal, a falta de estudos e a inexistência de atividades culturais. Em uma cidade tão diversa, essas pessoas passam despercebidas. Lutando para sobreviver, elas acabam não tendo acesso a direitos humanos básicos, como uma moradia adequada, alimentação e educação.

Confira abaixo os principais pontos observados:

Subemprego

Grande parte dos entrevistados estão desempregados ou no subemprego, isso é, vivendo de bicos. É uma realidade constatada em todos bairros periféricos pelos quais passamos. São diversos tipos de trabalhos informais, desde faxina a cuidar de carros, mas também se nota que essas ofertas vêm caindo. De acordo com a economista Mônica Mattia, os brasileiros empobreceram nos últimos anos, pois o crescimento da remuneração não cobriu a inflação. Ela ainda diz que muitas empresas pararam de oferecer auxílios aos funcionários, como plano de saúde e universidade. “A classe média, que contratava faxineiras, mais serviços de subempregados, deixou de fazer isso porque ela também teve perda de renda. Isso é nítido”, afirma.

Baixa escolaridade e desemprego

A baixa escolaridade também é um ponto que se destaca nessa população. Conhecemos pessoas que não aprenderam a ler e outras que não concluíram o ensino fundamental. Esse é o outro fator marcante apontado pelos entrevistados para a dificuldade em conseguir emprego. Algumas pessoas estão buscando recolocação no mercado há mais de oito anos. Mônica ressalta que historicamente, os trabalhadores com menor escolaridade são os mais representativos na perda de emprego, especialmente em momentos de crise econômica, uma vez que os mesmos encontram-se em atividades que exigem menor qualificação.

“Outro fato relevante em relação a escolaridade é que o setor produtivo precisa de trabalhadores com maior nível de compreensão das atividades desenvolvidas: precisam ter capacidade de interpretar dados, gráficos, operar com novas tecnologias no processo de produção”, ressalta. Dessa forma, é imprescindível que os trabalhadores empregados ou desempregados tenham escolaridade de ensino médio completo, cursos profissionais e, também, domínio das tecnologias de informação e comunicação.

Lazer

Uma constatação clara está ligada à falta de acesso a lazer. As atividades culturais acontecem, predominantemente, na região central da cidade. Para quem tem a renda familiar de um salário mínimo, como é o caso da jovem Francilene dos Santos Garcia, fica muito oneroso no orçamento gastar passagem para se deslocar até o local e, muitas vezes, ainda pagar o ingresso. A adolescente vai da escola para casa, onde ajuda a mãe a fazer quitutes para vender.

É o que acontece com muitas pessoas que encontramos. A maioria não tem contato com esse tipo de atividade. O acesso à cultura acaba se resumindo ao que passa na televisão ou rádio, prejudicando também a inserção social. No caso de Francilene, ela não tem a oportunidade de sair com os colegas, participar de atividades extracurriculares ou até mesmo ir para uma festa com suas amigas.

Lisiane Pires, coordenadora do grupo Cidadania, diz hoje estão procurando fazer projetos que aproximem o poder público dos moradores. “A comunidade está ficando para trás, quanto mais isso acontece, mais o crime organizado vai estar presente, mais drogas estarão na porta. Temos oficinas em locais mais centralizados. É legal que tenha na Casa das Artes, mas tem que estender e chegar aqui também”, aponta.

Relatos da periferia: a vida com quase nada

Foto: Fábio Becker