Todo ano a cena se repete. Quando chove por muitos dias seguidos, o Arroio Pedrinho transborda e invade as residências, que foram construídas ilegalmente às suas margens. As casas estão localizadas no bairro Municipal, na junção das ruas Nunciante Antinolfi e Balduíno Alegrete. Nem todas têm acesso às vias, pois foram sendo erguidas ao longo de becos. Algumas famílias moram no local há mais de 30 anos. Durante esse tempo, convivem com ameaças e promessas do poder municipal, que quer retirar as habitações daquele espaço, considerado área de risco.
Um terreno, na rua Lajeandense, no próprio Municipal, foi prometido para as famílias que seriam removidas do local. O projeto, intitulado Reurbanização e Saneamento Integrado do Bairro Municipal e Recanto Aurora, não foi levado adiante. No local, pode-se ver uma placa já deteriorada que mostra a data do início das obras: abril de 2012. Estruturas de concreto, que seriam a base para as construções, foram feitas e abandonadas. A vegetação tomou conta do espaço. O terreno também virou local de depósito de lixo.
Conforme relato dos moradores, a construtora iniciou a obra, até que um dia tudo parou, as máquinas foram embora e não houve explicação ou destino para quem iria receber casa no local. Marinês Moreira da Silva é uma dessas pessoas. Ela reside em uma das últimas casas perto do arroio. Atrás da residência dela, há um terreno baldio, que virou um depósito de lixo. Quando começa a chover, alaga todo corredor do beco que dá acesso à sua casa. A construção foi feita com a entrada há alguns metros do chão para evitar a inundação.
“Comprei a casa, mas a prefeitura queria tomar de mim, porque é área de risco. Como a vida inteira paguei aluguel e não consegui apartamento do Minha Casa Minha Vida, vim para cá”, relata. Ela diz que a prefeitura já ameaçou derrubar a residência, mas como sua casa fica no final de um beco, as máquinas não teriam acesso sem demolir também as da frente, então Marinês continuou no local com os dois filhos.
Quando chove muito, o filho menor precisa ser carregado nas costas para poder ir para a escola, entretanto, muitas vezes, acaba perdendo aulas. Depois de muitas ameaças, ela chegou a um acordo com a prefeitura. “Vieram aqui, bateram foto, e disseram que, quando saísse daqui, não pode vender para ninguém. Então fomos inscritos no projeto ali do terraço (na rua Lajeadense), mas até agora não saiu nada”, diz. Mesmo com a invasão da água, ficar ali é a melhor solução para Marinês, que não consegue emprego há mais de quatro anos. “Vou pegar as coisas e ir para onde? Vou pagar aluguel desempregada? Pelo menos aqui é meu”, pontua.
“Todo ano perco tudo”
Bryan Ferreira mora há três anos na área de risco. Sempre, na época de chuva, sua casa alaga e perde todos móveis e eletrodomésticos. Para ele, a pior época é nos meses de setembro e outubro, quando as chuvas se intensificam e o rio transborda. Recebendo somente auxilio doença do INSS, ele não consegue repor o que perde, então pede doações. Como tem uma irmã que reside em Farroupilha, quando sua casa alaga, ele vai para lá.
“Quando começa a chover eu nem durmo em casa. Todo ano perco todas coisas, dá vontade de sumir”, relata. Caso fosse contemplado com uma casa pelo poder público, ele não pensa duas vezes em dizer que sairia dali. Agora, Ferreira enfrenta outra dificuldade, devido a fiação antiga utilizada em sua residência, ela pegou fogo. Sem ter outro local para ir, ele decidiu reconstruir no mesmo local, mesmo com as enchentes.
“Não quero sair daqui”
Osnar Correa de Oliveira vive com a mãe às margens do arroio. A casa está ali há quase 30 anos e nunca foi invadida pela água, mas está no perímetro de risco. “A vida inteira que estão prometendo tirar as casas. Começaram as obras e, de uma hora para outra, tiraram as máquinas e tudo parou”, lembra o filho. Mas eles não pensam em sair do local depois de tanto tempo residindo ali.
O caso de Eloir Silva é parecido. A sua casa está há 17 metros do arroio, a área de risco elencada incialmente, é de 30 metros, o que resultaria na retirada de 80 casas. Mas ela não pensa em sair, somente se vier uma comunicação com prazo definido. “Moro aqui há 22 anos, a água não chega aqui. A casa que queriam dar não é do tamanho da nossa. Algumas daqui foram chamados para o Novo Futuro, algumas foram, mas outras não querem ir, quem está aqui é para ficar no Municipal”, diz.
Mesmo com o perigo de serem removidos, moradores continuam erguendo casas. Eloir aponta para algumas que são novas. “Pessoal acaba construindo, aquela ali foi desmanchada e feita novamente, ali foi construído. Aqui em casa era para ter arrumado, mas a gente fica na espera, não sabe se faz e vai perder o dinheiro ou se arruma e fica aqui”, relata. E ela ainda deixa um pedido de esperança ao Executivo: “se não vão mexer aqui, então que legalizem”, finaliza.
Obras não poderão ser reaproveitadas
De acordo com o Secretário de Habitação e Assistência Social, Eduardo Virissimo, as novas construções devem ser a uma distância de 30 metros das margens do rio. Como este é um caso de regularização, pode ser reduzida a 15 metros. Assim, cerca de 35 casas necessitam de realocação. Referente às obras abandonadas, o projeto previa a construção de 80 unidades habitacionais.
Segundo Virissimo, devido à paralisação das obras, em 2012, a empresa rescindiu o contrato. Quanto ao aproveitamento das fundações existentes, a legislação do Programa Minha Casa Minha Vida não aceita sobrados. Mas o município está trabalhando na criação de novos loteamentos que vão beneficiar estes moradores.
Fotos: Fábio Becker