Em 1998, Andrea Poletto Sonza teve contato com a primeira aluna cega. Professora de curso técnico de informática, ela não sabia como poderia ajudar a estudante. Inquieta, a docente foi procurar uma solução. “Os softwares não eram acessíveis e não sabíamos nada sobre tecnologia assistiva. Foi um desafio muito grande para nós. Enfrentamos muitas barreiras, até mesmo dos servidores, que acreditavam que a jovem deveria ter escolhido outro curso”, lembra.
Mas isso não a fez desistir. Andrea conta que começou a pesquisar. Ela queria entender como as pessoas cegas aprendem. A professora foi até a Associação dos Deficientes Visuais de Bento Gonçalves para descobrir o que essas pessoas utilizavam na aprendizagem, o que é o braile e como ele é feito. Depois disso, a vontade de tornar a educação mais acessível para pessoas com deficiência só cresceu. Outros professores também se uniram à causa. Através de projetos financiados pelo Ministério da Educação (MEC), em 2004, eles conseguiram comprar equipamentos para trabalhar com tecnologia de inclusão.
Dois anos depois, o MEC criou um programa para desenvolver sistemas, sites e projetos de aprendizagem para os alunos da rede. Eles souberam do trabalho desenvolvido pelo IFRS e convidaram o Instituto para criar um projeto de acessibilidade virtual. “Começamos com uma assessoria para um grupo específico. Então nos disseram que a acessibilidade era muito mais do que aquilo. Decidimos criar um grupo de pesquisa”, recorda Andrea. A partir daí começou a tomar corpo o que hoje é o Centro Tecnológico de Acessibilidade (CTA), que desenvolve tecnologias e objetos que tornam as salas de aulas dos 17 campi do IFRS mais inclusivas.
Mas, para eles, isso não é suficiente. Decidiram ampliar o trabalho. Cinco unidades do Instituto uniram-se. Foi formado, em setembro de 2017, o Centro de Referência para Aquisição, Uso e Desenvolvimento de Tecnologia Assistiva (CRTA) do IFRS, que visa disseminar tecnologias para todas instituições de ensino que compõem a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (EPCT). Como reconhecimento pelo trabalho desenvolvido, eles receberam o Prêmio da Associação Nacional dos Educadores Inclusivos – Anei Brasil da Inclusão 2019, na Categoria Instituição Inclusiva, entregue na Universidade Federal de Ouro Preto, em Minas Gerais, durante o Simpósio sobre Inclusão.
Além do IFRS, Andrea também recebeu a honraria, intitulada “Cidadão Inclusivo”. Ele é destinado para pessoas físicas que se dedicam a projetos de acessibilidade. Para o IFRS, o prêmio já era esperado, mas para a docente foi uma surpresa. Mesmo com tantos anos doados para tornar a vida de outras pessoas mais fácil, ela não deseja leva todo crédito. Chama toda equipe do CTA para mostrar o que fazem e como cada um contribui para o trabalho realizado.
Cada objeto, uma história
Tudo que é desenvolvido no local tem uma história. Quando um aluno de uma das 17 unidades do IFRS tem uma necessidade especial, a demanda é enviada ao CTA. A partir disso, é feita pesquisa e pensado em soluções para resolver o problema. Se não funciona, é repensado e adaptado novamente. Um exemplo é um acionador, que funciona como um mouse. Ele tem vários módulos separados, cada um representa uma função do hardware. Por causa de necessidades especiais, ele foi feito em diversos formatos, sempre adaptado ao aluno que precisa do equipamento.
Rodrigo Cainelli, servidor do IFRS, ainda se emociona com a primeira tecnologia assistiva que desenvolveu. Ele conta que havia uma aluna com deficiência cognitiva no campus de Bento. Apesar de ser adulta, ela tinha o desenvolvimento de uma criança de 4 anos. Duas vezes por semana, ela ia ao IFRS para utilizar um computador que possuía um mouse adaptado. Ele é uma espécie de caixa de acrílico, onde tem botões e rolos que simulam a função do equipamento tradicional. Mas esse objeto não possui um preço tão acessível, então ele pensou na possibilidade de produzir um semelhante para ela poder utilizar em casa.
“Foi muito bonito, a professora que a acompanhava percebeu que ela tinha capacidade de se desenvolver cognitivamente. Ela não conseguia antes porque não tinha como se comunicar. Com acompanhamento e o objeto em mãos, ela conseguiu aprender e se desenvolver. Com o tempo, a estudante conseguiu até utilizar o mouse normal. Toda vez que ia dar uma palestra e falava dela, chorava. Durante o desenvolvimento, ela vinha, sentava do meu lado. Foi o trabalho que mais me marcou”, relata.
Disponível para todos
Como todo projeto é financiado com recursos públicos, o que é desenvolvido pelo CTA não é patenteado ou exclusivo. Segundo Andrea, o objetivo é disseminar o conhecimento e poder tornar o mundo um lugar mais acolhedor. Tudo que é feito no Centro é documentado e a receita é disponibilizada no site cta.ifrs.edu.br.
Para o pró-reitor de Ensino do IFRS, Lucas Coradini, esse é o diferencial do programa, porque foge da lógica do mercado, que é desenvolver um produto e patentear, o que acaba deixando essas tecnologias assistivas com um valor alto e inacessível para muita gente. “O CTA faz projetos que são abertos, para que, em qualquer lugar do mundo, se possa, em um laboratório semelhante ao que temos, reproduzir essas tecnologias”, destaca.
Foto: Elisa Kemmer