O sol se prepara para cair mansamente atrás das grandes dunas de areia.

Com o filho pela mão, o pai caminha em direção às ondas do mar. A criança é um tiquinho de gente, um nadica de nada. Ainda precisará crescer muito para ser o homem que um dia será.

Tão logo entram na faixa de areia, o pai põe o filho no chão e procede a todo um ritual. Com uma calma quase irritante, tira a sandália surrada do pezinho direito. Depois, repete tudo, com a sandália do pé esquerdo e arruma o boné na testa do filho.

Findo o ritual, a criança atira sua mãozinha contra a mão do pai, como se fosse o cais de um porto. Avançam alguns passos e o menino estanca de sopetão. A beleza do mar não é capaz de vencer o medo no coração dele. Aperta com mais força a mão do pai, como a pedir: “Pai, ajude-me a enfrentar o mar”.

Por um segundo, recolhem os pés.

Após um longo silêncio, o pai aponta o dedo para um punhado de pequenas manchas acizentadas no céu azul e ensina que aquilo é um bando de gaivotas. Acriança estende os bracinhos para o alto.

Em seguida, andam mais meia dúzia de passos. Logo alcançam o bigode de espuma. O pequerrucho torna a hesitar. Não tem certeza se topa o desafio de enfrentar as ondas. Estuda cada movimento das outras crianças maiores do que ele que promovem um festival de brincadeiras na água.

De repente, o menino tem ímpetos de sair correndo ao encontro das ondas que vem morrer bem pertinho de onde se encontra. Solta-se da mão do pai. Dá três passos. Vacila mais uma vez. Volta-se para conferir se o pai-guarda-vidas está a postos para o caso de uma emergência. Fica feliz ao saber que o pai permanece plantado na areia, pronto para ajudá-lo a enfrentar as pequeninas ondas, mas que para ele são cavalos gigantes que vem galopando lá de longe, na imensidão azul.

O pai chuta uma bola imaginária na areia, talvez para incentivar o filho a levar adiante o projeto de banhar os pezinhos na água. O menino hesita mais uma vez. Ameaça entrar, porém retrocede correndo. Estanca. Dá uma risada, carregada de alegria e dúvida.

Uma menina, pouco maior do que ele, brinca na areia, com baldinho plástico e acessórios multicoloridos. O pequerrucho pensa em juntar-se a ela. A menina não estende nenhum tipo de convite. Ele recolhe os olhos. Desiste da ideia.

Volta-se uma vez mais para o mar. Encarar o mar é o seu objetivo imediato. Vê, mais ao longe, algumas pessoas caminhando sobre a água, usando um chinelão nos pés. Fica intrigado com aquilo. Coça a cabeça. Agora, o boné está nas mãos do pai. Estranho alguém andar sobre a água. Ninguém nunca lhe falara sobre o milagre do Mar Vermelho.

O pai nada comenta sobre os surfistas. Deseja apenas que o filho vença o mar sozinho. Por isso, empurra-o com gestos de incentivo e palavras de ordem. Mas o tiquinho de gente precisa de mais tempo para buscar coragem em algum cantinho do seu coração.

Por fim, arrisca-se. Anda quatro passinhos. Estuda o momento certo de enfrentar o mar com todo o seu pequenino ser. A onda vem se aproximando, atropelando o mar pelo caminho. O pequerrucho pensa novamente em dar às costas e fugir. Todavia é forte. Fica ali plantado sólido como uma igreja, esperando a pequena onda banhar seus pés.

Ele abre um sorriso do tamanho do mundo, levanta os bracinhos e grita:

– Oba!

É a melhor forma que encontra para comemorar sua vitória espetacular.

 

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