Discutir pesquisas – se estão certas ou não – é catar pelo em ovo. Não leva a nada. Por isso, tentar desfazer resultados da recente pesquisa do Ibope sobre o governo Bolsonaro sob o argumento de que este e outros institutos escancararam erros durante a campanha eleitoral, é chover no molhado.
É bem verdade que paradigmas do marketing foram jogados na cesta do lixo na campanha que elegeu Jair Bolsonaro presidente, incluindo as organizações que fazem pesquisas, mas é visível o arrefecimento da imagem presidencial. Não houve, até o momento, fato de relevância que possa sustentar a onda otimista que se formou em torno do capitão reformado do Exército, antes e logo após sua vitória.
Na frente política, a articulação é precária. Não há lideranças de qualidade. Os canais com o Congresso são estreitados em função da estratégia de Bolsonaro de evitar governar com os braços presos ao presidencialismo de coalizão. Deixa espaços curtos para as indicações de cunho político. Paulo Guedes se mexe de um lado para outro. Luta para aprovar uma reforma que expande polêmica. Tem até gosto para ver o pacotão da Previdência aprovado no Congresso.
Depois de agosto, as dificuldades aumentarão. Com força bem menor, o governo enfrentará barreiras não apenas nas oposições como nos próprios aliados. O fato é que a identidade do governo Bolsonaro ainda não se firmou. Tateando na escuridão – é a impressão que passa.
As tragédias deste início de ano – Brumadinho (MG), os assassinatos de jovens em Suzano (SP) – baixaram uma sombra de desalento e medo. Ampliar o acesso às armas – como defendem a bancada da bala e a esfera do agronegócio – é uma discussão que acende a fogueira de alas a favor e contra. O campo educacional vive uma balbúrdia. O ministro Vélez não sabe se fica ou “será convidado a deixar o cargo”.
A prisão do ex-presidente Michel Temer gera nebulosidade no horizonte político. O instinto de sobrevivência dos políticos abre um alerta. Juiz e promotores antecipam julgamento com inferências pesadas. Desfaz-se o clima propício à aprovação da Previdência. A distância entre bolsonaristas e não-bolonaristas se expande. A visão de que o avião governamental começa a perder altura na decolagem parece correta. Rodrigo Maia, peça-chave na engrenagem, recua alguns passos. Acende-se o sinal amarelo.
Gaudêncio Torquato
Jornalista e professor da USP