Proposta da reforma foi entregue dia 20 de fevereiro
O Brasil vive um momento de incerteza e preocupação em relação ao futuro. O motivo é a proposta de emenda constitucional que prevê a nova Reforma da Previdência (PEC 6/19), elaborada pela equipe econômica do Presidente Jair Bolsonaro, sob o comando do Ministro da Economia, Paulo Guedes. A proposta foi entregue para o Congresso Nacional no dia 20 de fevereiro. Se aprovada, afetará todos os trabalhadores e pessoas que pretendem se aposentar.
Para o advogado e especialista em direito previdenciário, Cezar Gabardo, havia sim a necessidade de uma reforma da previdência, mas em questões bem pontuais. “A reforma é radical e muito abrangente. Ela envolve desde servidores públicos até o regime geral da previdência social, muda benefícios assistenciais, aumenta alíquotas de contribuição. O governo apresentou uma alteração muito complexa”, opina.
Uma das principais mudanças é a implantação do regime de capitalização, ou seja, cada pessoa se torna responsável por sua aposentadoria, diferente do modelo atual, de repartição simples, onde quem entra para o mercado de trabalho, contribui para quem está se aposentando.
Gabardo enxerga o regime de capitalização como necessário para corrigir determinadas situações, entretanto, acredita que pode ser perigoso. “Esse sistema afasta totalmente o mínimo de segurança que as pessoas devem ter em relação ao futuro, pois leva em conta que elas têm uma cultura de poupança para quando ficarem velhas e isso não acontece. Nesse sistema, a tua contribuição é para o teu benefício, ou seja, é cada um por si e Deus por todos. É uma mudança de paradigma que a gente não sabe onde vai terminar. Para o futuro, é um problema muito sério”, explica Gabardo.
Ainda de acordo com ele, a sociedade não está preparada para um regime de capitalização e o governo deveria pensar a longo prazo. “Se perguntar para um jovem hoje, ainda mais para um jovem carente, se ele está preocupado com a aposentadoria dele, ele vai responder que não, mas pelo sistema de capitalização, os jovens necessariamente deveriam estar se preparando para quando chegarem aos 60 anos. Essas pessoas não vão se preparar, porque o sistema conduz a isso e quando chegarem na idade, vão sentir os problemas dessa situação”, afirma.
Trabalhadores Rurais
Dentre as mudanças propostas na Reforma, a categoria dos trabalhadores rurais é uma das mais afetadas. Atualmente, a idade mínima para mulheres se aposentarem é de 55 anos e para os homens é de 60 anos, ambos com 15 anos de atividades rurais. A proposta exige que para ganharem direito ao benefício da aposentadoria, a idade mínima será de 60 anos, tanto para os homens quanto para as mulheres, com 20 anos de contribuição.
Cedenir Postal, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bento Gonçalves, acredita que a reforma é necessária, mas que não deve penalizar os mais humildes e, principalmente, as trabalhadoras rurais.
Outra mudança prevista para os trabalhadores do meio rural é a criação do valor mínimo de contribuição, de R$600 ao ano. Atualmente, de acordo com Postal, a contribuição do produtor rural é de 1.3% da venda bruta. “O valor da contribuição, pelo menos aqui na região da Serra, não é um grande problema, mas têm regiões, como no nordeste brasileiro, onde o agricultor faz tudo direitinho e muitas vezes sofre com frustrações de safra, seca, granizo, chuva em excesso, enfim, situações que dependem do tempo, e se não conseguirem colher nada, além de não terem a renda da venda, ainda vão ter que pagar o valor da contribuição, que para eles se torna muito pesado”, diz Postal.
Gabardo concorda que essa mudança não afeta o agricultor daqui. “Os agricultores da Serra são muito organizados, mas em nível de Brasil, onde o trabalho na agricultura é muito informal, as pessoas trabalham a vida inteira, produzem riquezas, mas não tiram a sua nota do talão de produtor, então, essa contribuição de R$600 por ano vai gerar um problema muito sério em algumas regiões do país e vai acabar afastando pessoas do benefício previdenciário”, explica.
Idade mínima de contribuição para aposentadoria
Outro ponto polêmico da Reforma da Previdência diz respeito ao aumento na idade da aposentadoria. Hoje, não existe uma idade mínima na aposentadoria por tempo de contribuição, basta ter 60 anos no caso das mulheres e 65 anos no caso dos homens. A proposta da reforma prevê 62 anos para mulheres e 65 anos para os homens, com 20 anos de atividades.
Segundo Gabardo, muitas pessoas vão encontrar dificuldades de comprovar que trabalharam durante vinte anos. “Deve ser feita sim uma mudança em relação a isso. A gente se depara com situações de aposentadorias muito precoces, de pessoas se aposentando com menos de 45 anos, 50 anos, e isso não é condizente com o sistema, a previdência foi instituída nesses moldes na década de 1960, quando tínhamos uma expectativa de vida diferente, mas houve uma evolução. Eu sou contra essa mudança, acho que 15 anos para aposentadoria por idade é um tempo possível, levando em conta que normalmente quem se aposenta por idade são as pessoas mais pobres”, afirma Gabardo.
Felipe Vieira, 18, acha que a reforma será boa para o país. “Em outros países eles usam essa média de idade mais avançada para se aposentarem. Sobre o modelo de capitalização, eu acho que será melhor, porque eu vou garantir o meu futuro sem depender de outras pessoas”, comenta.
Já o aposentado pelo comércio, Gabriel José Moulon, pensa diferente. “A principal reforma tem que ser feita na política em geral, lá tem muita gente que ganha demais e nós ganhamos um salário mínimo, ninguém sobrevive assim, não é justo”, opina.
O que dizem os Sindicatos:
O Presidente do Sindicado dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Bento Gonçalves (STIMMME), Elvio de Lima, percebe que a previdência precisa de mudanças, mas não nesses moldes. “Essa reforma está tirando muitos direitos dos cidadãos, dos trabalhadores ativos, dos aposentados. Têm pessoas que ficam anos de fora do mercado de trabalho, não têm vagas de emprego, então como vão conseguir se aposentar?”, questiona.
Para Postal, a reforma é injusta. “Diziam que iam fazer uma reforma geral, que ia ser igual para todos, mas no meu ponto de vista é uma reforma que vai afetar principalmente os mais pobres”, afirma.
O Presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Bento Gonçalves (SITRACON), Ivo Vailatti, acredita que essa conta será paga pelos trabalhadores mais humildes. “Pelas alterações que estão sendo propostas pelo governo, os nossos filhos e netos e demais pessoas que estão entrando no mercado de trabalho hoje, dificilmente irão conseguir se aposentar”, declara.
Militares terão uma reforma da Previdência separada
Os militares têm um sistema de previdência diferente, pois quando deixam seus cargos, ficam na reserva. Dessa forma, entende-se que eles não se aposentam, e mesmo sem trabalhar, continuam recebendo o mesmo salário. Essa condição tem gerado discussões.
A princípio, o tempo para que militares possam se aposentar irá passar dos atuais 30 anos para os 35 anos. A alíquota previdenciária também vai ter reajuste, subindo dos atuais 7,5% para 10,5%.
De acordo com o advogado Gabardo, a reforma está sendo muito seletiva e não mexe nos privilégios. “O discurso do governo é de tratar todo mundo igual, mas especificamente em relação aos militares, resolveu encaminhar uma reforma à parte. Sabemos que eles têm peculiaridades, situações diferentes, agora, com todo respeito, o Brasil é um país pacifista, que não envolve tanto desgaste físico e emocional dos militares, como existem em outros países, então não tem uma justificativa plausível para os militares terem uma reforma separada, tanto é verdade que os policiais militares e todos os outros estão dentro dessa reforma da previdência, só os militares que estão de fora, então é justamente aí que governo perde o discurso”, opina.
Elvio de Lima, Presidente do Sindicado dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Bento Gonçalves (STIMMME), também não concorda com uma reforma separada. “Por que não mexeram na situação dos militares? Eu não sei como ela vai vir depois, tinha que estar junto e ser discutido junto”, afirma.
Mobilizações dos Sindicatos de Bento Gonçalves
De acordo com Postal, os produtores rurais da região estão apreensivos com o que pode acontecer. “Estamos mobilizados juntos com todos os sindicatos, a gente já está trabalhando e se reunindo. A reforma vai sair, mas não vamos deixar de lutar para que não tenhamos nenhum direito a menos”, ressalta Postal.
Elvio de Lima, Presidente do Sindicado dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Bento Gonçalves (STIMMME), afirma que já estão se movimentando. “Estamos nos mobilizando para fazer algum ato em protesto contra a reforma. Os trabalhadores confiam muito nas entidades que os representam coletivamente”.