Mais de 1529 ofícios foram encaminhados pelo Conselho Tutelar de Bento Gonçalves em 2018, enquanto, em média 541 casos de violência infantil são atendidos anualmente nos serviços de Saúde na cidade
De acordo com os últimos dados divulgados, correspondentes ao primeiro semestre de 2018, a cada três minutos o Disque 100 recebe uma denúncia de violência infantojuvenil no Brasil. Durante o período analisado, foram 86.493 casos registrados, sendo que 74% das agressões foram cometidas por parentes da vítima. O mais alarmante, contudo, é que 63% dos atos de violência correspondem aos casos intrafamiliares, ou seja, quando as crianças e adolescentes são agredidas por alguém com quem dividem a mesma casa. É por isso, que muitas vezes, as agressões não chegam a ser notificadas.
Em Bento Gonçalves, de acordo com os dados do Serviço da Vigilância Epidemiológica Municipal (SMS) e do Sistema Nacional de Agravos de Situação (Sinan) – serviço alimentado pela comunicação de ocorrências ou agravo à saúde feita por profissionais da saúde -, 20,4% das vítimas de violência são menores de idade. Os números apontam uma média de 541 casos de agressões contra crianças e adolescentes anualmente no município. Já o Conselho Tutelar calcula o total de 1529 ofícios encaminhados no último ano, mas assinala que esse não é o número de pessoas atendidas, afinal cada encaminhamento pode gerar diferentes ofícios como para o ministério Público, e para as áreas da Saúde e Educação. Outro número preocupante, segundo o órgão, é a média de cinco casos de atendimento de violência sexual e suspeita mensais contra crianças e adolescentes apresentados na cidade.
Prevenção e enfrentamento na escola
Se uma grande parte dos agressores são membros da família, a denúncia, normalmente, parte de pessoas que estão fora do convívio familiar. Nesse sentido, o papel dos diretores, professores e orientadores escolares é apontado como essencial pelos representantes das redes de enfrentamento contra a violência, afinal são as pessoas que estão mais tempo com as crianças e jovens quando estes estão longe de casa.
É por isso que as secretarias municipais de Educação, Habitação e Assistência Social e Saúde realizaram nesta semana a “Capacitação para o enfrentamento de todas as formas de violência contra Crianças e Adolescentes” voltada aos profissionais da rede de educação do município. A atividade é a primeira de uma série de ações para 2019 que visam aumentar as denúncias e ampliar a rede de proteção dos jovens e adolescentes na cidade. Em abril, uma nova capacitação terá como públicos-alvo profissionais das áreas da saúde e da assistência social e entidades socioassistenciais. Além disso, está em desenvolvimento um projeto de Leio que obrigue a presença de adesivos do Disque 100 em todos os estabelecimentos públicos e privados do município.
Segundo Adriane Zorzi, secretaria adjunta de Educação, a primeira ação foi pensada para auxiliar a comunidade escolar a perceber sintomas de agressão e saber como encaminhar essas vítimas para a rede de proteção. “Enquanto educadores, ficamos muito tempo junto às crianças e com essa convivência a gente vai conhecendo como é cada uma delas e podemos perceber como mudam suas atitudes, quando ficam mais reservados, quando estão depressivos ou agressivos ou ainda cai o rendimento escolar, enfim, sempre dão algum sinal de que precisam de ajuda. Por isso as escolas precisam estar preparadas para entender esses sinais”, pontua.
Além das capacitações, um próximo passo para o enfrentamento da violência infantil nas escolas será a criação de cartilhas educativas para que as próprias crianças reconheçam o que é violência e se encorajem a conversar com os professores, conforme explica Graciele Nondilo, que trabalha na gestão da secretaria de Assistência Social. “Será uma cartilha com linguagem acessível.Temos que ensiná-las a identificar o que é violência. É a partir do lúdico, da brincadeira e da conversa que o professor pode ensinar a criança, por exemplo, a identificar que aquele toque do tio não é um toque de afeto, mas abuso”, assinala.
Para o conselheiro tutelar Paulo Ricardo de Souza, será preciso, em um segundo momento, levar a discussão para além dos muros da escola para ampliar o número de denúncias e a força do enfrentamento. “Temos que conversar com os líderes de bairro, com a comunidade, com as igrejas. É preciso que se ampliem as notificações para que se vá a Brasília e que se veja a necessidade de se criar, por exemplo, uma delegacia voltada ao combate da violência infantil”, opina.
Quebra de paradigmas culturais
Se os casos mais graves de agressão física e ou sexual acabam sendo os que mais chocam a população, outras formas de violência, contudo, são menos discutidas ou mesmo naturalizadas. São “palmadas” como forma de “educação” ou o trabalho infantil muitas vezes perpetuado culturalmente em nossa região.
De acordo com a assistente social Lisia Darós, para acabar com o ciclo de violência é imprescindível debater também esses paradigmas incrustados em nossa sociedade. “A prevenção também se dá ao dizer aos pais ou às crianças que bater ou apanhar não deve ser normatizado. Tem que botar o dedo nessa ferida, isso não é forma de educação”, destaca.
Outro problema que precisa ser desconstruído diz respeito à naturalização do trabalho infantil, afinal falas como “eu trabalhava quando criança” e “é melhor estar no trabalho do que na rua” são bastante comuns e acabam por criar problemas de ordem social e psicológica, conforme explica a psicóloga Ana Maria Franchi Pincolini. “A brincadeira e a socialização fazem parte do desenvolvimento da criança e adolescente. Brincar é também uma forma de acomodar e lidar com informações novas que a criança não domina”, assinala.
Ana destaca também as implicações sociais do trabalho infantil, destacando que, ao contrário do que se pensa, normalmente são os jovens que são obrigados a trabalhar os que têm mais problemas conflitivos. “A maioria dos adolescentes com problemas com a lei são aqueles que têm experiência de trabalho infantil”, observa. Ela assinala ainda que o adolescente que trabalha desde cedo, muitas vezes, acaba prejudicado no futuro. “Enquanto outros jovens passam o dia estudando, indo num curso, fazendo idiomas, um adolescente em trabalho infantil chega cansado às aulas e muitas vezes tem que decidir entre trabalhar e estudar, e abandona a escola. Depois terá que aceitar os piores trabalhos, com as piores remunerações”, finaliza.
Tipos de violência infantojuvenil
Tortura
Atos intencionalmente praticados para causar lesões físicas, ou mentais com finalidade de obter informação, aplicar castigo, entre outros.
Violência Psicológica
Relação de poder com abuso da autoridade, excesso ou descaso.
Violência Sexual
Situações de abuso ou de exploração sexual. Implica a utilização de crianças e adolescentes para fins sexuais, mediada ou não por força ou vantagem financeira.
Violência Física
Ato de agressão física que se traduz em marcas visíveis ou não.
Negligência e Abandono
Abandono, descuido, desamparo, desresponsabilização e descompromisso do cuidado.
Trabalho Infantil
É todo o trabalho realizado por pessoas que tenham menos da idade mínima permitida para trabalhar. No Brasil, o trabalho não é permitido sob qualquer condição antes dos 14 anos. Adolescentes entre 14 e 16 podem trabalhar, mas na condição de aprendizes. Dos 16 aos 18 anos, as atividades laborais são permitidas, desde que não aconteçam das 22h às 5h e não sejam insalubres ou perigosas.
Tráfico de crianças e adolescentes
Recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de uma crianc¸a ou um adolescente para fins de exploracão.
Fonte: Unicef