Mulheres relatam dificuldades e felicidades na rotina de separar lixo e contam sobre seus objetivos para o futuro

As recicladoras começam o dia cedo, antes das 7 da manhã. A rotina de separar o lixo segue por várias horas interruptas, exceto pelas pausas esporádicas do lanche. Junto com isso, vem também a precaridade e a ausência de direitos trabalhistas. Elas não têm 13º, carteira assinada, seguro desemprego ou FGTS. Algumas gostam do que fazem e pretendem ficar na reciclagem, enquanto outras enxergam o trabalho como temporário e buscam emprego com carteira assinada.
Além da ausência dos direitos, as principais dificuldades apontadas é a mistura do lixo orgânico no meio do reciclável e o perigo de se machucar com cacos de vidro. O salário varia de R$ 40,00 a R$ 50,00 ao dia.
Lisiane Bandeira Baptista, 28 anos, largou seu emprego no hotel, com carteira assinada, para trabalhar na reciclagem. De acordo com ela, essa é a forma que encontrou para ficar mais próxima do seu filho, de 8 anos. “É muito puxado. Eu não tinha feriado, não tinha dias para passar com a família. Assim eu perdi muito do crescimento do meu filho. Aí resolvi vir para cá para ter mais tempo com ele”, conta.
Para Lisiane, a pior parte do trabalho é o lixo orgânico ou hospitalar, que muitas vezes pode colocar a vida dos recicladores em risco. “ O orgânico é muito ruim de trabalhar. Às vezes vem um cheiro insuportável e tem seringas de hospital misturadas no meio das coisas. Esse é o medo da gente, de pegar uma doença”, desabafa.

 

Mais de uma década com o lixo

Teresinha Borges (e), 55 anos, trabalha há 14 anos na recicladora do bairro Glória. Antes disso, ela era empregada em uma casa de família. Ela não sabe explicar como, mas conta que adora lidar com lixo. “Isso é que mais me motiva de levantar da cama e vir para cá”, relata. Com o tempo, Teresinha passou a perceber que a quantidade de resíduos em Bento Gonçalves aumentou, já que o número de caminhões diário é maior do que costumava ser. “Uma vez vinha no máximo dois, agora às vezes eles vêm até três vezes ao dia”, comenta. A recicladora é casada há 14 anos e tem três filhos, a mais nova com 26 anos.
Já Vanderleia Araldi, 41 anos, está há 16 no mesmo trabalho. Ela foi uma das fundadora da Associação. “Além de limpar a cidade e melhorar o meio ambiente, é uma coisa que a gente gosta de fazer”, relata. Mesmo assim, a perspectiva de Vanderleia é buscar outro trabalho. “Ter emprego não está fácil. Se a gente arrumasse alguma outra coisa pra fazer, pelo menos em uma firma tu tem os direitos. A gente quer mudar, quer ganhar mais e assinar a carteira”, afirma.

 

“Tenho saudades da época em que eu cozinhava”

Ângela Maria Bandeira, 45 anos, trabalha na reciclagem há 11 anos. Como não pode trabalhar com carteira assinada e precisa ajudar a sustentar seus oito filhos, ela se vê obrigada a isso. “Eu gosto de cozinhar, gosto da cozinha, tenho saudades do tempo que eu cozinhava. Aqui é diferente, trabalhar no lixo já muda bastante”, relembra.
Embora lembre com nostalgia dos tempos na cozinha, Ângela conta que gosta de trabalhar com reciclagem e que acostumou com as tarefas. “ É bom porque a gente trabalha com todo tipo de material”, avalia. A pior parte, segundo ela, é quando vem lixo orgânico misturado com o material reciclável. “Porque vem sobra de comida, restos de animais, papeis de banheiro, etc. Isso não seria material para nós, o pessoal deveria ter sensibilidade, ter essa responsabilidade. Assim como a gente recicla em casa, todo mundo poderia reciclar também”, enfatiza. Sua ideia é procurar outro serviço quando for possível assinar a carteira. “Eu fico aqui até que o advogado consiga os papéis para mim, aí vou poder trabalhar em casa, fazer doces e pães. Por enquanto, vou ficar aqui”, projeta.

fotos: Fábio Becker