Quando eu era criança, lá em “Barbacena”, nos idos de mil e…, enfim, há algum tempo atrás, não se podia comungar sem a cabeça estar coberta pelo véu. Branco para as solteiras, e preto para as casadas, indicando de forma explícita se eram virgens ou não. Já os homens recebiam a hóstia sagrada sem precisarem se identificar. E olha que, muitas vezes, eles saíam da casa das “tias” direto para a casa de Deus, sem fazer nem um pit stop na própria casa.
Eram outros tempos, eu sei. E a gente mal tinha consciência disso. Considerava-se tudo natural e normal, inclusive a separação do povo no templo, em lados distintos: eles, à direita, e elas, à esquerda, conforme mandava a hierarquia católica.
Se não fossem por alguns pequenos vexames em meio àquelas tradições arcaicas, o machismo impregnado na religião talvez passasse despercebido por mais tempo, já que prédicas moralizantes funcionavam ao contrário, acabando por despertar questionamentos. Ao menos para mim.
Teve uma vez, por exemplo, em que, com oito anos (fiz a primeira comunhão com seis e meio), fui receber a hóstia em frente ao altar. Eu e a mulherada toda que sabia tudo de todo mundo o tempo todo. Um véu branco cobria minha cabeça, meus ombros e braços, mas não impediu de o padre ver, através da sua transparência, que o vestido não tinha mangas. E ele, feito um inquisidor medieval, vociferou:
-Vestiti sensa mánegue! Falta de rispéto! (Vestido sem mangas! Falta de respeito!)
Que escândalo! Receber uma carraspana do representante de Deus, em plena liturgia alimentou as fofocas das beatas por algum tempo.
Abrindo um parêntese, acho bem pior o que aconteceu com um menino de dez anos, hoje homem pra lá de feito, que recebeu uma bandejada nos dedos, porque suas mãos postas na frente da boca dificultavam a comunhão. Diz ele que engoliu uma blasfêmia que já estava regurgitando e ainda conseguiu dizer “amém” – o medo de levar outra bandejada foi maior do que a raiva.
Me lembrei dessas histórias no dia do casamento de Meghan com o príncipe ruivinho. E nem foi por causa do véu de tule ricamente bordado, que, diga-se de passagem, deixou-a luminosa, mas pelos chapéus das convidadas. Assim como as mulheres católicas eram obrigadas a cobrir a cabeça para entrar na igreja e comungar, a ala feminina do casamento mais badalado da atualidade se submeteu à exigência real de usar o acessório para entrar na capela de Windsor. E a diversidade dos “headpieces”, “casquetes” e “fascinators” roubou a cena dos looks. Emplumados, enlaçados, rendados, plissados, bordados, retos, redondos, retorcidos, floridos, pequenos, grandes, com abas e com asas, só faltou eles voarem.