Moradores dos bairros Municipal e Eucaliptos reclamam de pouca atenção do poder público e órgãos assistenciais

Viver na periferia, às margens da sociedade, como marginalizados. As ruas, vielas estreitas, apertadas tal como o orçamento. A água suja que jorra pelas torneiras, o lixo que se acumula- e tem que ser queimado para não haver proliferação de pragas-, a falta de iluminação em postes que só espelham luz durante o dia. Em meio ao verde, as encostas dos morros ganham novas cores, edificações com pigmentos marcados, traços de uma realidade dura, tijolo sobre tijolo, em meios a tábuas, zincos e até lonas. As manchas que rasgam o horizonte e prendem aos olhos tem nome: desigualdade social.

Sem condições de arcarem com os custos de vida em uma cidade que cresce cada vez mais, milhares de pessoas largam o centro e bairros com melhores estruturas para somar-se a conglomerados urbanos. Esta situação é característica em locais como Eucaliptos e o Municipal, bairros considerados em situação de vulnerabilidade em Bento Gonçalves.

A partir deste cenário encontrado sobre desigualdade social e políticas públicas que o Jornal Semanário propôs um diálogo com o poder público municipal, órgãos responsáveis e as familiais que vivem nestas condições. A reportagem visitou ao longo de duas semanas as comunidades para procurar entender as carências e questionar as entidades. Entre as reivindicações dos moradores, em cinco entrevistas em cada localidade, a falta de emprego, a violência, a precariedade a saúde, passando pela falta de acessos, ao tratamento da água, esgoto e saneamento básico foram apontada.

A reportagem traz relatos de moradores nos bairros Municipais e Eucaliptos e o posicionamento da prefeitura, por meio da Secretaria de Secretaria de Habitação e Assistência Social (SEMHAS).

Eucaliptos

Paulo de Miranda vive no Eucaliptos vive há cerca de 20 anos.

Paulo de Miranda, 46 anos
Procurei o bairro no início dos anos 2000. Eu não tinha mais condições de pagar por uma casa em um outro lugar. Vim para cá. Os terrenos eram baratos, havia perspectiva de que aqui seria um bom local para criar os filhos e família.

Infraestrutura
Aqui falta tudo. A começar pela saúde. Não há posto próximo. Tem na Fenavinho, que fica a mais de 40 minutos a pé. Até sair daqui e ir lá a situação já piorou. Entre ficar com dor e passar trabalho de ir até lá, eu prefiro ficar em casa.
Não há ruas aqui. Há vielas, vãos que os moradores procuraram deixar para poderem passar, mas é tudo complicado. Um carro por vez. Quando passa o ônibus da prefeitura escolar é um problema, uma agonia. As pessoas nas ruas, os carros, tudo fica apertado. Não há condições.
O sistema elétrico do bairro é muito ruim. Os postes não tem luz. As ruas são muito escuras.

Saneamento básico
No fim do morro, no beco, onde moro com meus dois filhos há uma promessa da prefeitura e da Corsan. Um esgoto a céu aberto. Todo o lixo do bairro para ali. As pessoas não tem noção do risco. Eu tenho medo. Há dias que não consigo abrir as portas e as janelas. O odor é muito forte. Já consegui uma retroescavadeira emprestada com uma empresa que trabalhei para tentar abrir mais, diminuir o acúmulo, mas pouco adiantou. Há uma promessa de que eles vão vir fechar. Eu não acredito mais. Em dias com sol o cheiro é horrível.

Programas municipais
Nunca ouvi falar de programas de habitação. Se eu soubesse, ou se já tivessem se interessado em nos tirar daqui, já teriam me oferecido. Sou um dos moradores mais antigos. Mas nunca chegou nada.
Também nunca ouvi falar desses programas de educação, primeiro emprego. Aqui no bairro ninguém conhece. Até interessa, pois há muitos jovens procurando um emprego, uma formação técnica. Boa parte é peão ou faz biscates. Ter algo que acrescente na vida seria crucial.

 

O morador reclama da falta da cuidados por parte do poder municipal com as ruas do bairro. Foto: Lorenzo Franchi.

Municipal

José Simão, 39 anos
Trabalha em açougue
Vive no Bairro há 7 anos.

Chegada
Eu vim parar no bairro porque não há condições em locais como no centro ou em outros bairros melhores. São muito caros. O aluguel é muito pesado. E se a gente paga aluguel alto vai viver como? Não dá. Aqui eu tenho uma casa simples, mas vivo bem, como bem.

Infraestrutura
Há um esgoto a céu aberto. A prefeitura volta e meio vem, busca uma alternativa, mas não resolve a situação. Cada chuva é uma preocupação. O cheiro é muito forte, a situação é desconfortável. Eu penso nos idosos, nas crianças que ficam expostas a essa situação.
Um dos maiores problemas do bairro é a infraestrutura, o acesso. As ruas são muito ruins. Além de pequenas, estreitas, há muitos buracos. Semana passada, um vizinho ficou exposto às condições do clima. Chovia forte, mas ele tomou a iniciativa e tapou os buracos que a Corsan e prefeitura tinham abertos. Se ele não faz isso, mais carros estariam estragados—disse ele, complementando que um vizinho teve que trocar o amortecedor do seu automóvel.
Falta luz. A iluminação pública é precária. Há dias em que os postes ficam a tarde toda com a luz acesa e quando chega de noite se desligam. Está tudo trocado.

Habitação
Nunca fiquei sabendo de nenhum programa da prefeitura de moradia. Uma vizinha tentou fazer o cadastro em um beneficio deste tipo do governo, mas não conseguiu porque não tinha condições. Desmotiva. A gente nem pensa muito para não criar falsas esperanças. Enquanto isso vou ficando na minha casinha até que ela caia. Se ela cair eu junto o que sobrou e tento fazer outra.

Oportunidades
Há preconceito com quem não vem do centro, ou de bons bairros. Conseguir um bom emprego é difícil. Antes de conversarem contigo, já pesquisaram e sabem que tu vens do municipal.

 

Moradores do Municipal reivindicam por melhores ruas. Foto: Lorenzo Franchi.

O que diz a prefeitura sobre o cenário encontrado nos bairros

Na tarde de quinta-feira, 1º de março, a reportagem conversou com a Secretaria de Habitação e Assistência Social (SEMHAS), in loco. Por cerca de uma hora, ouvimos a secretária adjunta Milena Bassani e o secretário da pasta, Márcio Pilotti.

Segundo Milena, não “há situação de desigualdade”, embora ela reconheça a situação das comunidades. A secretária explica, “dificilmente essas famílias ganham mal, menos de R$1,5mil, R$1,8mil. Eles têm boas condições”, disse ela ao relatar das condições irregulares e de moradia de parte dos moradores dos Eucaliptos e Municipal.

Questionada sobre a divulgação dos programas habitacionais, ela é enfática. “Tem que se informar, ir atrás. Eu não tenho como bater na porta dos mais de 115 mil habitantes e ver se eles estão precisando. Eles têm acessos as informações”, ressalta.

Milena Bassani ainda relata que o município desenvolve iniciativas para combater a desigualdade social. “Há o Minha Casa Minha Vida, por exemplo, que atende todas as faixas”.

O secretário, Márcio Pilotti, afirma estar ciente das condições encontradas em Bento, mas pontua a atuação dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) nos bairros. “Nós temos 3 Cras que atendem a todo o município- Cras 2 atende a região do Tancredo e do Municipal, o Cras 3 atende a bairros como o Eucaliptos e o Vila Nova. Há uma equipe que faz a catalogação e acompanhamento das famílias. As pessoas procuram muito os Cras”, observa.

Pensando em pais e jovens, Pilotti ressalta as iniciativas do Acessuas e Pronatec. “ Eles trabalham na inserção ao mundo do trabalho. Visa orientar como se portar na entrevista, currículo e nas oportunidades de cursos”.

Indagado sobre a dificuldade de empregos, o administrativo revela que “a maior dificuldade é a baixa escolaridade. A grande maioria tem o ensino fundamental incompleto”.

Por fim o secretário afirma que “as politicas estão sendo voltadas cada vez mais para a população que necessita. Pouco a pouco vamos melhor atender a todos”, enfatiza.