Video Assistant Referee ou, simplesmente, VAR. O protocolo de arbitragem que une a tão debatida tecnologia com o futebol foi inserida em algumas das principais ligas do mundo após diversos treinamentos e testes práticos. A inclusão na modalidade da bola redonda surgiu somente após outros esportes adotarem engenharias diversas para controle de arbitragem. Nas partidas das semifinais da Libertadores da América, o árbitro assistente de vídeo foi fundamental para a definição dos finalistas. E como sempre, levantou muita polêmica.
A classificação do Grêmio para decisão do continental foi tranquila em todos os sentidos. O adversário tricolor na final, entretanto, garantiu classificação após polêmicas. O árbitro Wilmar Roldán, em um lance de indecisão, consultou o VAR e, na sequência, assinalou uma penalidade – que foi convertida e garantiu o Lanús na final da Libertadores. O River Plate, eliminado, reprovou o uso da tecnologia durante a partida.
As reclamações são diversas desde o início da implementação do assistente de vídeo. As opiniões divergem sobre inúmeros aspectos. Dentre eles: a sua utilização pode deixar o jogo mais demorado, e momentos em que há validade para consulta podem ser subjetivos. Ainda há muito conservadorismo acerca do uso da tecnologia, mas, para os árbitros, o VAR é visto com bons olhos.
De acordo com o árbitro natural de Bento Gonçalves que integra o quadro da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Eleno Todeschini, se bem utilizado, o vídeo pode ser um trunfo para o esporte. “Eu me posiciono a favor do árbitro de vídeo, desde que utilizado em questões pontuais. Ele deve ser solicitado em situações-limite, ou seja em casos extremos”, explica.
Todeschini acredita que é fundamental para o futebol que haja a preocupação com a diminuição das possibilidades de erros, já que nem todas as ações são visíveis aos responsáveis pela condução disciplinar da partida. “Um árbitro toma, em média, 150 decisões por jogo, sendo que menos de 10% delas são em situações medianamente difíceis. E apenas 2% delas são em situações de alta complexidade. Portanto, a ideia é reduzir erros”, conclui, ao citar casos complexos como hipotética dúvida se a bola cruzou a linha do gol ou se uma falta marcada aconteceu dentro ou fora da área.
A arbitragem no Brasil
Embora haja um departamento de arbitragem da CBF, os atuantes não são profissionalizados. Os salários são pagos de acordo com a atuação, o que torna quase obrigatória a conciliação de outra atividade profissional com o trabalho nos campos de futebol. Mesmo assim, após as consecutivas polêmicas que envolvem a qualidade da arbitragem no Brasileirão, a CBF optou pela formação de árbitros responsáveis pela atuação de vídeo.
Desde setembro, equipes são formadas em Águas de Lindóia, interior de São Paulo. O planejamento da entidade brasileira é de ter um quadro preparado para quando o VAR for ativado de forma definitiva. A capacitação dos responsáveis para esta nova forma de auxiliar na condução da partida iniciou abruptamente, quando houve pressão de dirigentes do Vasco da Gama sobre a CBF, após sucessivos erros de arbitragem.
A Confederação chegou a informar que o VAR seria utilizado ainda nesta edição do Campeonato Brasileiro, o que gerou ainda mais reclamações, já que não haveria testes com maior elaboração. Porém, somente no próximo ano o recurso de vídeo deverá ser adotado no torneio nacional.
A tecnologia nos esportes e o conservadorismo no futebol
Se a resistência acerca da utilização de artifícios tecnológicos no futebol é grande, o mesmo não aconteceu (ou acontece) em outras modalidades esportivas. São inúmeras as que utilizam arbitragem ou recursos eletrônicos.
O voleibol, por exemplo, já possui há anos o sistema de desafio através do Video Check. As melhorias foram feitas e, em 2016, foi utilizado pela primeira vez em Jogos Olímpicos – na edição do Rio de Janeiro. O diretor executivo do Bento Vôlei, Rafael Fantin, o Dentinho, que na reta final de sua carreira como jogador em solo italiano atuou com o sistema, avalia como positiva a ligação do esporte com métodos tecnológicos. “Se passarmos a conceituar a tecnologia como algo necessário, isso jamais será discutido. Se utilizado com critérios bem estabelecidos, sem margens para erros e de forma rígida, o vídeo e demais tecnologias são válidas”, afirma. Ao contrário do futebol, no vôlei o sistema funciona através de desafios. O técnico de cada equipe tem duas tentativas a fazer por set.
Dentinho destaca a necessidade da tecnologia para deixar qualquer esporte o mais justo possível, como aconteceu no voleibol após recorrentes interferências no resultados da partida a partir de erros de arbitragem. “No nosso esporte foi tranquilo porque o vôlei chegou em um estágio que os erros de arbitragem estavam tendo muita influência. A necessidade do auxílio tecnológico era fundamental”, conclui.
Outros dois esportes que possuem auxílio audiovisual são o rugby e o futebol americano – curiosamente, ambos são derivados do futebol. O primeiro teve resistência antes e após a efetivação do uso, justamente por ter uma dinâmica de jogo parecida com o futebol. A interferência do TMO (Television Match Official) tornava o jogo menos intenso e, por conta disso, ainda é contestado. A World Rugby, entidade máxima do esporte, ainda lida com críticas de diversos lados. Entretanto, para os torcedores, a diminuição das chamadas “injustiças” tem sido notada, ainda mais em um esporte que presa pelo respeito ao adversário.
Já o futebol americano soube adaptar-se às condições derivadas da checagem de vídeo. Há anos os métodos são aprimorados pelos comissários da National Football League (NFL). Segundo o comentarista do canal ESPN e árbitro da modalidade no Brasil, Eduardo Zolin, a resistência aos árbitros de vídeo perdeu força com o passar dos anos. “Não existe mais oposição desde que o recurso foi disponibilizado e suas vantagens comprovadas por quem atua e por quem assiste. Com o jogo cada vez mais disputado, não havia espaço para a polêmica gratuita por um erro de arbitragem”, analisa.
Com um sistema semelhante ao do vôlei, no que diz respeito aos desafios, a NFL também realiza a checagem após importantes situações da partida – como lances que resultam em troca de posse de bola ou pontuações. “O jogo está cada vez mais rápido e os atletas alcançam níveis olímpicos de força e velocidade. O uso do vídeo é incentivado principalmente para imprevistos fora da mecânica de posicionamento e movimentação que os árbitros recebem de treinamento”, pontua Zolin.
A tecnologia está cada vez mais presente no esporte. Seja na parte fisiologia e de alimentação, nas práticas médicas, escolha de atletas por estatísticas ou até mesmo no seu uso para diminuir erros de arbitragem. Aos poucos, ela ganha força em todos os esportes. E a partir da ajuda com a aceitação interna, ela quebra as mais conservadoras barreiras que buscam impedir o seu uso. Inclusive no sempre tão tradicional e fechado às mudanças futebol.
Foto de capa: Adriano de Carvalho / Agência RBS