Pastora Paula (c) coordena as comunidades luteranas em três municípios da Serra Gaúcha. Foto: Reprodução

Prestes a completar 500 anos da cisão provocada por Martinho Lutero junto à Igreja Católica, herdeira direta da Reforma Protestante, a Igreja Luterana mostra que mantém vivo o espírito de mudança, o qual inspirou o jovem monge naquele período. Estamos falando da participação de mulheres no âmbito pastoral. Há cerca de 30 anos, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), se abriu a temas mais atuais, entre eles, o ministério sacerdotal para mulheres. Diferentemente da Igreja Católica, que não aceita a possibilidade de ordenação feminina, o grupo dos evangélicos, aquele que mais cresce e faz frente aos católicos no País, anda em sintonia com as transformações na sociedade.

E essas mudanças podem ser encontradas em Bento Gonçalves, por meio de uma jovem pastora, responsável pela liderança da IECLB e atraindo fiéis para os templos cristãos onde prega. Ordenada em 2012, Paula Naegele, 30, natural de Três Passos, afirma que sempre sentiu o desejo em trabalhar para a Igreja. E foi após anos de estudos no curso de Bacharelado em Teologia, que ela confirmou aquilo que sentia por vocação. “Por incrível e diferente que pareça eu sempre quis ser pastora, entendi que assim poderia ajudar pessoas, e sempre estar em meio delas. Formei-me e fui enviada pela IECLB para Florianópolis/SC, no complexo do Morro da Cruz (favelas no alto da Beira Mar Norte). Ali permaneci por quase dois anos, fui ordenada e enviada para Veranópolis/RS, onde atuei integralmente e agora atendo também os municípios de Bento Gonçalves e Farroupilha”, explica.

A necessidade em oportunizar o espaço para a mulher participar na vida da igreja só ganhou força a partir do século XX, com fortes discussões entre teólogos e especialistas da causa. No entanto, ainda hoje, passados anos da inserção no ministério presbiterial, Paula afirma que ainda há episódios em que o preconceito fala mais alto. “Já ocorreram algumas situações, piadas e comentários desnecessários. Sempre tive muita responsabilidade e respeito diante dessas situações, respondo educadamente e com muita clareza. Fazendo com que a pessoa entenda e reflita sobre o comentário e preconceito que carrega consigo”, garante.

“As comunidades têm se integrado com muita tranquilidade”

Celebrações ecumênicas já são realizadas entre as igrejas. Foto: Reprodução

Desde a formação das primeiras comunidades da IECLB, as mulheres sempre contribuíram para o fortalecimento da vida comunitária. Caminhando com as mudanças da sociedade, a igreja também precisa estar em constante atualização, buscando integrar seus fieis e manter a unidade entre todos. E este é o trabalho que a pastora Paula busca realizar dentro do seu ministério ordenado, tradicionalmente exercido por homens, como o pastorado.

Questionada sobre o comportamento dos fieis nas comunidades em que dirige, a pastora afirma que não encontra dificuldade. “O chamado de Deus, de anos atrás, pulsa forte em meu coração! Entendo que Deus tem sido muito bom comigo, e tem me fortalecido para acompanhar as pessoas nas mais diversas situações, felizes ou nem tanto. As comunidades, tem se integrado com muita tranquilidade, se demonstram compreensivas e acolhedoras. Os presbitérios, coordenações, diretoria da Paróquia tem dado muito apoio e se envolvido nas ideias, planos e atividades. Entendo que, sem esta bela “parceria” e partilha, nada do que já foi desenvolvido seria possível”, pontua.

De acordo com Paula, diferentemente de outras denominações cristãs, as mulheres sempre estiveram presentes e desempenharam papeis de destaque desde o surgimento das comunidades luteranas no Brasil. “A experiência de mulheres como pastoras em comunidades da IECLB é uma realidade histórica desde 1976. A Faculdade de Teologia (Faculdades EST, em São Leopoldo) da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil foi fundada em 1946 e foi em 1952 que se recebeu Eve Wysk, a primeira estudante mulher, no curso de teologia. Desde esta época há um crescimento estatístico da participação de mulheres no estudo de teologia e no pastorado. A presença de pastoras tem dado outro rosto à cara de nossas comunidades”, enfatiza.

Presença é fundamental

Segundo o pastor da Igreja Metodista, Márcio Gomes, o ministério feminino deveria ser inquestionável nos dias atuais. Segundo ele, é percebida a importância e os avanços que o ministério feminino tem deixado nas igrejas locais. “Durante muitos séculos o rosto da mulher foi apagado no meio religioso. Infelizmente, isso veio marcado por discriminação e desvalorização da figura feminina no ministério pastoral. Diante de Deus somos todos iguais, dotados de capacidade, potencialidades que precisam ser valorizadas e isso inclui o desenvolvimento do papel da mulher frente sua vocação profética e anúncio da palavra”, garante.

Futuro e mais espaço

Primeira celebração Ecumênica no Templo da IECLB Bom Pastor, em Bento Gonçalves. Pastora Paula (c) e padres Valdir Thums e Álvaro Luiz Pinzetta. Foto: Reprodução

28Questionada sobre se o futuro da igreja é oportunizar mais espaços às mulheres, Paula é enfática ao afirmar que a IECLB já oportuniza a liderança feminina, no entanto, segundo a pastora, é necessário encorajar as integrantes da comunidade a exercerem e estarem em cargos de direção onde vivem e trabalham. “A partir do entendimento do Sacerdócio geral de todos os crentes, as pessoas são chamadas a colocar seus dons e talentos a serviço do Reino de Deus. Assim, servir com respeito e alegria é compromisso de todos, independente de idade, raça ou cor”, garante.

Conforme Gomes, é necessário proporcionar mais espaços para as mulheres dentro da igreja. “Para se ter ideia da dimensão do comprometimento da igreja Metodista frente ao ministério feminino, nossa instituição ordenou a primeira mulher pastora nos anos de 1930”, ressalta.

Gomes afirma que ainda alas mais conservadoras e fundamentalistas de outras denominações cristãs criticam a ordenação de mulheres por parte da igreja, no entanto, segundo ele, é necessário que todos participem desse processo de inclusão.“As críticas não calam a voz da instituição Metodista que reforça a importância e a valorização de cada mulher nos mais variados espaços de atuação eclesial. Durante muitas décadas as igrejas silenciaram diante das histórias de muitas mulheres, hoje é o tempo de resgatar com honra cada memória que foi ocultada por nossas instituições”, enfatiza.