A cooperação global para a proteção do meio ambiente alcança um marco significativo, com a camada de ozônio demonstrando uma recuperação consistente, uma das maiores vitórias da ciência e da política ambiental do século XXI
Dados recentes da National Aeronautics and Space Administration (NASA) e da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) confirmam que o fenômeno, notório pela sua formação sazonal sobre a Antártida, apresenta uma diminuição significativa. O tamanho médio do buraco na camada de ozônio em 2024 foi de 20 milhões de quilômetros quadrados, o que representa quase 2,5 vezes o território brasileiro, mas ainda é o sétimo menor já registrado desde 1992, quando teve início a sua recuperação.

Essa lenta, mas progressiva, diminuição é resultado direto do esforço internacional para a eliminação das substâncias que destroem o ozônio, regulamentadas pelo Protocolo de Montreal. O professor Tiago Cassol Severo, mestre em Engenharia e Tecnologia de Materiais e graduado em Física pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), destaca a importância do tratado e explica mais sobre o fenômeno. “O Protocolo de Montreal, assinado em 1987, representa um exemplo de cooperação internacional para a proteção ambiental e é amplamente reconhecido como o tratado ambiental mais bem-sucedido de todos os tempos. Seu papel na recuperação da camada de ozônio mostra a força da comunidade global quando se une em torno de um problema comum e como evidências científicas sólidas podem levar a sociedade a uma empreitada de sucesso”, afirma Severo.
O principal responsável pela destruição da camada de ozônio são os clorofluorcarbonos (CFCs), compostos químicos que foram largamente utilizados em produtos como aparelhos de ar-condicionado e sprays aerossóis. De acordo com o professor, a destruição ocorre quando esses gases atingem a estratosfera e são decompostos pela radiação ultravioleta do sol, liberando átomos de cloro que reagem e destroem as moléculas de ozônio. Análises indicam que um único átomo de cloro pode destruir milhares de moléculas de ozônio antes de perder seu efeito. “Outros compostos também contribuem para o problema, incluindo os halons (hidrocarbonetos utilizados por extintores de incêndio), o tetracloreto de carbono, os hidroclorofluorcarbonos (HCFCs) e o brometo de metila. O bromo, presente em alguns desses compostos, tem um efeito mais destrutivo que o próprio cloro para a camada de ozônio”, complementa.
O professor explica que o Protocolo de Montreal, assinado em 1987, estabeleceu a eliminação gradual da produção das substâncias nocivas. “Medidas implementadas incluíram não só a proibição da produção de CFCs, mas também programas de recuperação e reciclagem de gases, incentivos para o desenvolvimento de tecnologias alternativas e sistemas rigorosos de monitoramento e fiscalização internacional da emissão dos gases mais nocivos”, explica.
Um longo caminho para a recuperação total

A recuperação da camada de ozônio é um processo lento. Mesmo com a proibição da produção de CFCs e outras substâncias similares, aquelas que já foram emitidas permanecem na atmosfera por um longo tempo, com vida útil que pode variar de 50 a 100 anos. “Esta vida mais longa explica por que a recuperação completa é lenta e projetada para ocorrer apenas entre 2060 e 2070, mesmo que a eliminação da produção já tenha ocorrido há mais de uma década”, explica o especialista. As projeções atuais são otimistas e refletem o sucesso das medidas adotadas. “Além disso, pesquisas recentes identificaram novas ameaças potenciais à camada de ozônio, como o impacto da crescente atividade espacial. A reentrada dos satélites na atmosfera libera partículas que podem afetar a composição atmosférica e contribuir para o esgotamento da camada de ozônio. Com o aumento do número de lançamentos de satélites e a proliferação de constelações de satélites comerciais, o problema do buraco da camada de ozônio pode voltar a se intensificar. Outro desafio é o manejo adequado das substâncias de transição, como os HCFCs, que foram introduzidos como alternativas temporárias aos CFCs. Embora menos nocivos ao ozônio, os HCFCs ainda têm algum potencial de destruição da camada de ozônio e são potentes gases de efeito estufa”, complementa o professor, que ressalta também a necessidade de monitoramento constante, já que há casos de produção ilegal da substância.
As previsões mais recentes estabelecem cronogramas diferenciados para diferentes regiões do planeta, refletindo as variações nas condições atmosféricas e na intensidade dos danos causados. “Para o mundo, excluindo as regiões polares, a recuperação aos níveis pré-1980 é esperada até 2040. No Ártico, a recuperação completa é projetada para ocorrer até 2045. Para a Antártida, onde o buraco de ozônio é mais persistente, a recuperação completa é esperada por volta de 2066”, detalha o professor. A persistência do buraco, especialmente na Antártida, é atribuída às condições climáticas da região. Severo explica que as temperaturas extremamente baixas na estratosfera polar criam as condições ideais para as reações químicas que destroem o ozônio. A massa de ar frio que se forma durante o inverno antártico isola essa região e intensifica os processos destrutivos. Além disso, a recuperação não é linear e pode ser afetada por fatores naturais, como erupções vulcânicas. Severo ressalta que a erupção do vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha’apai em 2022, por exemplo, injetou vapor de água e outras substâncias na atmosfera, o que pode alterar temporariamente a química atmosférica e afetar a formação ou a destruição do ozônio.
Riscos persistentes e novos desafios

Os riscos da diminuição da camada de ozônio são amplos e afetam tanto a saúde humana quanto os ecossistemas. O ozônio atua como um filtro natural, protegendo a Terra da radiação ultravioleta (UV) nociva do sol. A radiação UV-B, que é parcialmente bloqueada pela camada de ozônio, chega em maior quantidade à superfície quando a proteção é reduzida, causando problemas de saúde como o aumento significativo do risco de câncer de pele, envelhecimento prematuro, catarata e a supressão do sistema imunológico. “Esta radiação ultravioleta é dividida em três tipos principais, cada um com diferentes níveis de periculosidade. A radiação UV-C (100-280 nm) é completamente bloqueada pela camada de ozônio saudável, já a radiação UV-A (315-400 nm) não é bloqueada pela camada de ozônio, mas as maiores consequências são o bronzeamento e eritemas (vermelhidão) quando há exposição excessiva. Entretanto, a radiação UV-B (280-315 nm) é o que causa maior preocupação”, explica.
Além dos seres humanos a radiação é nociva para plantas animais e até mesmo para a agricultura. “Em relação ao meio ambiente, a radiação UV-B afeta gravemente os ecossistemas oceânicos, danificando o fitoplâncton, base da cadeia alimentar marinha e responsável por uma parcela de produção de oxigênio do planeta. Na agricultura, o UV-B prejudica a fotossíntese das plantas, reduzindo a produtividade, podendo afetar os custos de produção ou até a segurança alimentar global”, alerta o físico.
Apesar do progresso, o professor destaca a necessidade de um manejo adequado das substâncias de transição, como os hidroclorofluorcarbonos (HCFCs), que foram introduzidos como alternativas temporárias aos CFCs, pois ainda têm algum potencial de destruição da camada de ozônio e são potentes gases de efeito estufa.
Tecnologia a serviço da ciência

O monitoramento da camada de ozônio evoluiu drasticamente desde a descoberta do buraco na década de 1980. “Esta evolução tecnológica tem sido fundamental não apenas para compreender a extensão do problema, mas também para acompanhar o progresso da recuperação e detectar novas ameaças. Atualmente, é usada uma rede de satélites especializados que fornecem cobertura global contínua das condições de emissão e concentração dos gases e do próprio ozônio. O satélite Aura da NASA, lançado em 2004, continua sendo uma das principais ferramentas de monitoramento e é equipado com instrumentos capazes de medir a concentração total de ozônio e a sua distribuição na atmosfera. Já os satélites NOAA-20 e NOAA-21, juntamente com o Suomi National Polar-orbiting Partnership, garantem observações da camada de ozônio em escala global, baseado em espectrômetros ultravioleta que medem a absorção da radiação solar pelo ozônio e calcular a sua concentração com precisão”, detalha o professor.
Segundo Severo, o avanço na coleta de dados, que combina dados de satélites com o monitoramento via balões meteorológicos, permite aos cientistas criar representações precisas e prever a evolução do buraco na camada de ozônio.