Parece replay, mas não é. Passou mais um ano e a cena se repete — famílias desabrigadas, casas destruídas, memórias levadas pela correnteza. A maior tragédia climática do Rio Grande do Sul completou um ciclo e, mais uma vez, estamos debaixo d’água. Não é apenas sobre a chuva. É sobre a negligência coletiva, o descaso político, a falta de consciência ambiental.
A temperatura média da Terra aumentou, os eventos extremos se intensificaram — e o que temos feito para mudar isso? Muito pouco. Ou quase nada. Seguimos com padrões de consumo desenfreados: produtos industrializados que geram montanhas de lixo, moda barata e descartável que alimenta toneladas de resíduos têxteis, ausência de políticas públicas ambientais, falta de educação ecológica desde a base.
Enquanto isso, decisões políticas priorizam o lucro, não a vida. A natureza grita, mas seguimos alheios — reclamando do calor, do frio, mas presos ao conforto do ar-condicionado. Não separamos o lixo, não repensamos o transporte, não adotamos práticas sustentáveis. Esperamos a próxima tragédia para nos indignar momentaneamente.
Como disse José Cláudio Machado: “A enchente anda danada, molestando o pasto ao passo que descampa a pampa dos mil réis.” E, de fato, o que vemos são campos alagados que agora obrigam à reza, não pela fé, mas pelo desespero de quem perdeu tudo. As tragédias não são naturais — a chuva é. O que não é natural é a ausência de planejamento urbano, o desmatamento, a ocupação desordenada, a especulação imobiliária sem controle, a falta de consciência social coletiva que acha que os recursos são infinitos. O que não é natural é ignorar a ciência, silenciar o debate, acreditar que não precisamos fazer nada, que esse é um ciclo da Terra.
A conta chegou. E ela cobra em vidas, em lares, em traumas. Ainda assim, seguimos discutindo se foi “azar” ou “excesso de chuva”, enquanto o verdadeiro azar é não prevenir as catástrofes, se importar com o lucro e não com o planeta, reza sem ação, procrastinando a salvação do planeta, culpabilizando o outro, se isentando de pensar no agora.
A mudança começa por nós. Mesmo pequena, ela importa. Reflorestar, reutilizar, reduzir. Ensinar, aprender, transformar. Cuidar do planeta não é um ato de bondade — é um compromisso com a sobrevivência. O barulho da chuva não acalma porque representa tantos lutos. Mas ainda dá tempo de fazer diferente. Que o som da água volte a ser esperança, não medo. Que a próxima chuva irrigue o futuro — e não enterre o passado. Que Deus nos ajude e que façamos algo, ainda hoje, pela nossa Mãe Natureza.