A informalidade ainda é um dos maiores entraves para o desenvolvimento econômico sustentável do Brasil — e essa realidade também se reflete na Serra Gaúcha. Em entrevista, a professora Lodonha Maria Portela Coimbra Soares, coordenadora do Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul (UCS), traça um panorama preocupante: mesmo com avanços, grande parte da população economicamente ativa no país segue trabalhando fora das normas formais do mercado. “No Observatório, usamos principalmente bases de dados como o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) e a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), que registram apenas o emprego formal. A informalidade, por definição, escapa das estatísticas oficiais em relação a estados e municípios. Temos esses dados nacionais, mas apenas estimativas para as regiões, em torno de 20 a 30%”, explica a professora.

Os dados

O percentual de pessoas trabalhando na informalidade no país caiu para 38,3% no trimestre encerrado em janeiro deste ano. Isto significa que 39,5 milhões do total de 103 milhões de trabalhadores no país trabalhavam sem carteira assinada ou sem CNPJ, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A taxa de informalidade recuou nas comparações com o trimestre anterior, encerrado em outubro de 2024 (38,9% ou 40,3 milhões), e com o trimestre encerrado em janeiro de 2024 (39%, ou 39,2 milhões).
De acordo com o IBGE, o número de empregados sem carteira no setor privado (13,9 milhões) caiu na comparação trimestral (menos 553 mil pessoas) e cresceu 3,2% na comparação anual (mais 436 mil pessoas).

Ao mesmo tempo, o número de empregados com carteira assinada no setor privado, sem contar os trabalhadores domésticos (39,3 milhões), ficou estável na comparação com o trimestre anterior e cresceu 3,6% (mais 1,4 milhão de pessoas) na comparação anual.

O percentual de pessoas trabalhando na informalidade no país caiu para 38,3% no trimestre encerrado em janeiro deste ano

A população ocupada (103 milhões) ficou 0,6% abaixo da observada no trimestre anterior (menos 641 mil pessoas) e 2,4% acima do resultado apurado em janeiro de 2024 (mais 2,4 milhões de pessoas). O nível de ocupação ficou em 58,2%, abaixo do trimestre anterior (58,7%) mas acima do trimestre encerrado em janeiro de 2024 (57,3%). “A queda dos trabalhadores informais [-2%] foi maior do que a queda da população ocupada [-0,6%]”, afirma o pesquisador do IBGE William Kratochwill. “A desocupação aumentou basicamente nos empregos sem carteira”, diz.

Desemprego

A taxa de desemprego ficou em 6,5% no trimestre, acima dos 6,2% do trimestre anterior, mas abaixo da observada no trimestre encerrado em janeiro de 2024 (7,4%). A população desocupada (7,2 milhões) cresceu 5,3% em relação ao trimestre anterior mas caiu 13,1% na comparação anual.

Kratochwill diz que um dos motivos para a alta da taxa, na comparação trimestral, foi a troca de governos municipais, que gerou perda de postos de trabalho na área de administração pública. Isso porque a troca dos gestores envolve, geralmente, demissões de trabalhadores de gestões anteriores. “Nesse último ano, tivemos as eleições municipais, então há uma nova administração pública e esse movimento (de aumento da taxa de desemprego) se repete a cada ciclo de quatro anos”, explica.

Segundo o IBGE, a alta trimestral na taxa de desemprego, de 0,3 ponto percentual (de 6,2% para 6,5%) é a maior para um trimestre encerrado em janeiro desde 2017 (0,7 ponto percentual).
Apesar disso, a taxa de desemprego de 6,5% é a menor para um trimestre encerrado em janeiro desde o início da série histórica, em 2012, igualando-se à taxa de janeiro de 2014.

Atividades

Na comparação trimestral, nenhum grupamento de atividade teve crescimento na população ocupada, mas houve quedas em agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura (2,1%, ou menos 170 mil pessoas) e administração pública, defesa, seguridade social, educação, saúde humana e serviços sociais (2,5%, ou menos 469 mil pessoas).

Já na comparação anual, houve crescimento em cinco áreas: indústria geral (2,7%, ou mais 355 mil pessoas), construção (3,3%, ou mais 246 mil pessoas), comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas (3,4%, ou mais 654 mil pessoas), informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas (2,9%, ou mais 373 mil pessoas) e administração pública, defesa, seguridade social, educação, saúde humana e serviços sociais (2,9%, ou mais 523 mil pessoas). Nenhum grupamento teve perda significativa de postos de trabalho.

Subutilização

A população subutilizada, ou seja, a parcela dos desempregados e daqueles que poderiam trabalhar mais do que trabalham atualmente, ficou em 18,1 milhões, mantendo estabilidade na comparação trimestral e recuando 11% na comparação anual.

Já a população desalentada, que inclui aqueles que gostariam de trabalhar e estavam disponíveis, mas que não buscaram trabalho por vários motivos ficou em 3,2 milhões, um crescimento de 4,8% no trimestre (mais 147 mil pessoas) e uma redução de 10,9% (menos 389 mil pessoas) no ano.

Rendimento

O rendimento médio real habitualmente recebido pelo trabalhador atingiu R$ 3.343, ficando acima do trimestre anterior (1,4%) e do ano anterior (3,7%). “Esse é o maior valor da série”, afirmou Kratochwill. O recorde anterior era de julho de 2020 (R$ 3.335).

A massa de rendimento real habitual (R$ 339,5 bilhões) ficou estável no trimestre e aumentou 6,2% (mais R$ 19,9 bilhões) no ano.

A geografia da informalidade

Segundo Lodonha, o índice de informalidade é mais elevado nas regiões economicamente mais frágeis. Em contrapartida, áreas como Bento Gonçalves e Caxias do Sul, onde a economia é mais desenvolvida, apresentam uma taxa inferior à média nacional, ainda que significativa. “Mesmo em regiões com maior atividade econômica, a informalidade gira entre 20% e 25%, conforme pesquisa mais recente. Isso é ainda preocupante, já que em regiões mais pobres o índice gira em torno de 30 a 25%”, afirma.

A informalidade pode assumir diferentes formas. A professora diferencia dois tipos principais: a informalidade “nociva”, ligada a atividades ilegais como tráfico e prostituição, e o trabalho informal “por necessidade”, onde o trabalhador recorre a atividades autônomas como venda de produtos ou prestação de pequenos serviços para garantir o sustento.

Lodonha Portela Coimbra Soares é professora na UCS

Pandemia e os reflexos na estrutura do trabalho

Durante a pandemia de COVID-19, o mercado informal teve um crescimento abrupto. Com o fechamento do comércio e a paralisação de setores como entretenimento, bares e restaurantes, muitos trabalhadores buscaram alternativas informais. “Foi um impacto brutal. Profissionais diversos, como garçons e cozinheiras, com seus setores fechados, passaram a vender de casa, prestar serviços informais ou buscar bicos”, relata Lodonha.

A recuperação começou a partir de 2022, com uma forte retomada do setor de serviços. Contudo, muitos dos trabalhadores que migraram para a informalidade ainda não conseguiram retornar ao mercado formal, apesar do aumento do setor de serviços.

Os setores com MEI em Bento são serviços, comércio, indústria, construção civil e agropecuária

Comércio e serviços: os epicentros da informalidade

Os setores com maior incidência de trabalho informal são, segundo Lodonha, o comércio de rua, pequenos serviços e atividades de baixa complexidade. “Eletricistas, encanadores, diaristas. Muitos deles operam sem vínculo formal, apesar de o Microempreendedor Individual (MEI) ser uma alternativa viável para sair da informalidade enquanto número. Ainda que muitos acabam esquecendo de arcar com os impostos, ficando inadimplentes. Muitos MEIs são abertos, mas não significa que estão contribuindo economicamente”, informa.

Os principais setores de MEI em Bento Gonçalves, segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), até 24 de março deste ano são: serviços, com 6.073 estabelecimentos; comércio com 2.251; indústria com 1.535; construção civil com 1.197; e agropecuária com 52 micro empreendimentos.

A indústria, por outro lado, mantém altos níveis de formalização, especialmente nos segmentos mais organizados e exigentes, ressalta a professora.

No município, conforme dados do Sebrae, 36,99% dos MEIs estavam inadimplentes em 2023. Não há dados mais atualizados.

Consequências da informalidade

A informalidade representa perdas consideráveis tanto para os trabalhadores quanto para a sociedade. “Ela gira dinheiro, mas entra na economia pela porta dos fundos. É uma economia invisível, que não contribui com tributos, o que compromete investimentos em áreas essenciais como saúde, educação e segurança”, analisa.

Além disso, contribui para a perpetuação da desigualdade social. “Quanto maior a taxa de informalidade, mais vulnerável tende a ser a população. Esses trabalhadores não têm acesso a direitos básicos, nem a uma rede de proteção social porque o governo acaba com pouco dinheiro arrecadado para investir”, frisa.

Desafios e possíveis caminhos

Combater a informalidade não é tarefa simples. “A principal dificuldade é que muitos trabalhadores até querem formalizar seus serviços, mas esbarram na carga tributária e na burocracia”, observa Lodonha. Políticas como o MEI são positivas, mas ainda insuficientes. “Cerca de 40% dos que abrem MEI deixam de pagar os tributos com o tempo. Isso mostra que a política existe, mas falta acompanhamento, incentivo e talvez uma revisão para torná-la mais aderente à realidade desses trabalhadores”, pondera.

Futuro do trabalho

O avanço da tecnologia e da inteligência artificial representa uma nova fronteira para o mercado de trabalho. “Empregos simples e muito técnicos serão os primeiros a desaparecer. Precisamos investir em qualificação, em educação tecnológica, senão o número de informais podem aumentar ainda mais”, alerta.

Recomendações

Para os trabalhadores, a recomendação da professora é buscar conhecimento sobre as alternativas de formalização e entender os benefícios que isso traz a longo prazo. Para as empresas, o conselho é seguir os caminhos legais: “Contratar de forma regularizada evita problemas futuros e fortalece a economia local”, reforça.

Por fim, ela destaca a necessidade de políticas públicas consistentes, desburocratizar a formalização: “É preciso ver o que pode ser feito para melhorar diante do que já temos, como a formalização através do MEI e a pejotização”, finaliza.

Segundo Ipea, aumento do trabalho informal está ligado à baixa fiscalização

O estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicada em 4 de abril deste ano, relaciona a taxa elevada de trabalho informal no país com a queda da capacidade do Estado de garantir o cumprimento da legislação trabalhista. A nota técnica se chama “Crescimento sem formalização do trabalho: déficit de capacidade fiscalizatória e necessidade de recomposição da burocracia especializada”.
Antes de 2022, o padrão era de que a redução do desemprego fosse acompanhada pelo aumento da taxa de formalização do trabalho. Ou seja, mais pessoas com a Carteira de Trabalho assinada. A exceção foi o período da pandemia de covid-19.

O Ipea destaca o número insuficiente de auditores fiscais do trabalho, ligados ao Ministério do Trabalho e Emprego (MET), para garantir que empregadores respeitem os direitos trabalhistas dos funcionários. Entre 2012 e 2024, o número de trabalhadores assalariados cresceu 11,4%. No mesmo período, o número de auditores do trabalho caiu 34,1%.

Em números absolutos, em 2012 eram 19.038 trabalhadores assalariados por auditor. Em 2024, a proporção cresceu 79,95%, passando a ser de 34.260 trabalhadores por auditor, número superior ao recomendado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que é de 10 ou 15 mil trabalhadores por auditor.

O técnico de planejamento e pesquisa do Ipea Felipe Pateo, autor do estudo, diz que a fiscalização dos auditores tem dois efeitos. Um direto, de fazer com que trabalhadores sem carteira assinada passem a ter o registro depois de uma ação fiscal, e um indireto, em que o risco de ser fiscalizado faça com que empregadores não cometam irregularidades. “Esse risco, no entanto, caiu ao longo dos anos. A chance de um estabelecimento com empregados ser fiscalizado caiu de 11,3% para 3,8% entre 2017 e 2023, de forma que o receio em ser fiscalizado passa a ser um terço do que foi no período anterior”, diz.

Segundo o estudo do Ipea, se forem contratados 1.800 novos auditores fiscais do trabalho, que é todo o cadastro de aprovados do Concurso Público Nacional Unificado, a arrecadação previdenciária e de multas administrativas aumentará para R$ 879 milhões. O valor é superior ao custo anual com as contratações de funcionários, calculado em R$ 560 milhões.

O concurso para auditor fiscal do trabalho 2024-2025 convocou até agora 900 pessoas aprovadas nas vagas previstas em edital. Outros 900 estão no cadastro de reserva. “Potenciais restrições orçamentárias não deveriam ser argumentos dominantes quando se considera a necessidade de recomposição da capacidade do Estado brasileiro de garantir a correta regulação do mercado de trabalho e a proteção do trabalhador em sintonia com a legislação trabalhista vigente no país e os critérios técnicos internacionais”, afirma o estudo.