Pesquisa recente da Fiocruz revela diversas consequências acerca do consumo destes alimentos, gerando debates entre organizações
Na quinta-feira, 21 de novembro, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), divulgou um estudo, da autoria de Eduardo Nilson, encomendado pela ACT Promoção da Saúde, apontando diversas consequências do consumo excessivo de alimentos ultraprocessados. Como por exemplo, que eles são responsáveis por 57.000 óbitos por ano, totalizando 10.5%, ou uma em cada 10 mortes registradas no Brasil, causando, em média, seis óbitos por hora. Além disso, o estudo também revela que o país gasta, por ano, pelo menos R$10,4 bilhões para lidar com os problemas de saúde causados pela alimentação à base de ultraprocessados.
Para realizar a pesquisa, a Fiocruz utilizou dados do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Pesquisa Nacional de Saúde de 2019. De acordo com a pesquisa, o SUS destina anualmente R$ 933,5 milhões ao tratamento de doenças como obesidade, diabetes tipo 2 e hipertensão, além de R$ 263,2 milhões em despesas relacionadas à previdência social e absenteísmo laboral. A perda econômica decorrente de mortes prematuras é estimada em R$ 9,2 bilhões. Em algumas regiões do país, a taxa de mortalidade atribuída ao consumo de alimentos ultraprocessados supera a média nacional, com destaque para os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Os custos associados à perda de vidas são calculados em R$ 6,6 bilhões para homens e R$ 2,6 bilhões para mulheres.
A nutricionista Franciele Valduga alerta para os perigos presentes na composição desses alimentos. “Os ultraprocessados são ricos em carboidratos simples, gorduras saturadas, açúcar, sódio, conservantes e aditivos alimentares. São pobres em vitaminas e minerais, têm um número elevado de ingredientes (cinco ou mais) e contêm elementos pouco conhecidos e que não são utilizados em casa”, destaca.

Por que esses alimentos são tão consumidos
Franciele também cita os motivos que levam os ultraprocessados a serem consumidos em excesso pela população. “Há diversas explicações para isso, como a facilidade de consumo, já que são prontos e embalados; o baixo custo, por serem mais baratos que outros tipos de alimentos; o sabor, formulado para ser hiper palatável com a adição de açúcares, gorduras, sal e outros aditivos; e o desconhecimento, pois muitas pessoas têm dificuldade em interpretar os rótulos dos produtos”, diz. Ela também coloca a falta de consciência como um fator crucial neste processo. “Apesar dos avanços e dos grandes movimentos voltados à nutrição e alimentação, ainda há muito a ser feito para divulgar informações e orientar a população, pois o acesso limitado e a falta de conhecimento continuam predominando, infelizmente”, lamenta.
Como evitar ou mitigar o consumo
A nutricionista cita medidas que a população pode adotar para minimizar a alimentação à base de ultraprocessados. “Para uma vida saudável, é fundamental planejar o uso do tempo para dar à alimentação o espaço que ela merece, aprendendo a cozinhar e priorizando alimentos naturais. Fora de casa, deve-se optar por locais que sirvam refeições preparadas na hora e ser crítico em relação às informações veiculadas em propagandas comerciais sobre alimentação”, reforça. Ela finaliza citando um dos recentes avanços obtidos. “Uma conquista nesse contexto foi a obrigatoriedade da nova rotulagem frontal, que alerta os consumidores sobre o alto teor de açúcar, gordura saturada e sódio nos produtos, ajudando-os a fazer escolhas mais conscientes”, ressalta.

Debates gerados acerca do estudo da Fiocruz
A pesquisa da Fiocruz sobre os riscos dos alimentos ultraprocessados gerou uma intensa discussão entre organizações de saúde e representantes da indústria alimentícia. De um lado, Marília Albiero, coordenadora da ACT Promoção da Saúde, organização que encomendou a pesquisa, defende a necessidade de uma tributação abrangente sobre produtos ultraprocessados, argumentando que essa medida seria eficaz para reduzir o consumo e financiar iniciativas de saúde pública. Ela aponta que a atual reforma tributária, ao focar apenas nos refrigerantes, é insuficiente para enfrentar o impacto negativo do consumo desses alimentos, especialmente considerando que, segundo dados de 2017 e 2018, 19,7% das calorias ingeridas pelos brasileiros provêm de alimentos ultraprocessados. Demandando medidas urgentes para mitigar este cenário.
Por outro lado, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA) expressou repúdio ao relatório da Fiocruz / ACT, classificando-o como “superficial” e argumentando que os dados utilizados são extraídos de estudos de baixa qualidade, muitos dos quais não foram realizados no Brasil e não refletem a realidade local. A associação, também afirma que não se trata de uma pesquisa da Fiocruz, mas sim de um relatório feito por uma ONG a pedido da ACT. A ABIA criticou a definição subjetiva de “alimento ultraprocessado”, afirmando que ela engloba mais de 5.700 produtos fabricados no Brasil, incluindo itens amplamente consumidos, como pão, requeijão e iogurte. Para a associação, essa categorização genérica prejudica a compreensão pública e pode gerar desinformação.
A nota da ABIA ainda destaca a confiabilidade e os rigorosos controles de qualidade a que os alimentos produzidos no Brasil são submetidos, tanto por órgãos nacionais, como a Anvisa e o Ministério da Agricultura, quanto por padrões internacionais que permitem a exportação para mais de 190 países. A entidade critica a alegação do relatório de que “não há consumo seguro” de alimentos ultraprocessados, especialmente considerando que, conforme apontado pela própria ACT, ainda não existem estudos que estimem claramente a relação dose-resposta ou o risco relativo para todos os impactos na saúde associados a esses produtos.