Ao menos 1.445 haitianos e 468 venezuelanos moram na Capital Nacional do Vinho. Além deles, competem no mercado de trabalho local, cubanos, senegaleses e paraguaios
Bento Gonçalves tornou-se o lar de milhares de imigrantes nos últimos anos, atraídos pela promessa de trabalho e qualidade de vida. Entre haitianos, venezuelanos e cubanos, o município acolhe diferentes histórias de superação, que enfrentam desafios relacionados ao idioma, integração cultural e discriminação. Apesar disso, essas comunidades estão se inserindo cada vez mais no mercado de trabalho local.
De acordo com a base de dados da Prefeitura, em agosto de 2024, havia 1.445 haitianos (806 grupos familiares) e 468 venezuelanos (159 grupos familiares) cadastrados nos programas sociais do município. O Balcão de Oportunidades e Balcão do Primeiro Emprego, organizados pela Prefeitura, são iniciativas para ajudar imigrantes e moradores locais.
Vanderlei Alves de Mesquita, coordenador do Sistema Nacional de Emprego (Sine) de Bento Gonçalves, destaca que os imigrantes têm sido fundamentais para preencher vagas em setores com déficit de mão de obra, como produção e serviços. “Eles atuam principalmente em cozinhas e frigoríficos, ajudando a suprir as demandas locais”, afirma.
O Sine também oferece orientação e encaminhamento para cursos de qualificação, embora o idioma continue sendo o maior desafio enfrentado pelos estrangeiros. “Nós orientamos para que procurem meios de aprimorar o conhecimento, para que possam galgar vagas em todas as áreas de trabalho”, frisa.
Dificuldades com o idioma e discriminação
Rosalba Mújica, venezuelana que trabalha em uma indústria de produção de alimentos em Bento Gonçalves, compartilha sua jornada no mercado de trabalho. “Minha experiência inicial de trabalho não foi o que esperava. Trabalhei como auxiliar de limpeza em uma empresa de design gráfico e marketing em Garibaldi, mas sempre agradeci pela oportunidade”, diz.
Rosalba destaca as dificuldades com o idioma e um episódio de discriminação. “Fui discriminada por falar espanhol por uma supervisora. Minha chefe a reeprendeu, mas me senti horrível e chorei por isso. Naquele momento pensei em voltar ao meu país e não tolerar humilhações desse tipo. Mas as oportunidades são boas. Quanto mais você fala a língua, mais oportunidades tem. Facilita quando os chefes estão dispostos a aprender o idioma ou já entendem, que é o meu caso”, ressalta.
Rosalba destaca as diferenças culturais no ambiente de trabalho. “O venezuelano é mais alegre e engraçado, faz piada de tudo para te fazer rir. Aqui as pessoas são mais sérias em seu trabalho, mas claro que depende da área”, afirma.
Ela relembra a vida em seu país natal. “A vida em Aya era tranquilidade, segurança e felicidade. Até que o atual regime destruiu todas as empresas e nos fez viver da forma mais humilhante que poderíamos imaginar, com salários miseráveis. Nos davam mensalmente uma sacola de comida e uma caixa de ovos. Assim, as famílias passam fome, roubando nossa dignidade como famílias trabalhadoras”, revela.
Por fim, ela destaca o papel do Sine em sua busca por emprego. “Fui lá em busca de emprego e gostei que existisse um lugar assim. Na Venezuela não existe isso”, evidencia.
Já Wootpha Noncent, haitiana que trabalha no comércio do município, relatou enfrentar o racismo. “Isso ainda é um problema sério, muito racismo com as pessoas pretas”, afirma.
Histórias de luta e superação
Claudia Perez Guerrero, empreendedora de um bar na Fenavinho e cuidadora de idosos é cubana e teve diversos desafios ao se mudar para o Brasil. “Vim morar em Bento Gonçalves há quase seis anos, porque meu esposo e meu irmão já estavam aqui. Estudava o ensino médio e a vida lá estava ficando difícil, já que a economia é muito baixa. Hoje, já tenho quase toda minha família perto, filhas, meus pais, dois irmãos, três sobrinhos, seis primos e uma tia”, declara.
Ela comenta sobre as dificuldades do primeiro emprego. “Meu maior desafio foi começar em um serviço diferente ao meu e ter que lidar com a dona da empresa que não gostava de estrangeiros. Depois disso não senti mais dificuldade. Não me sinto discriminada por ser de fora, ao contrário, por ser imigrante todo mundo quer me ajudar”, acrescenta.
Hoje, Claudia comemora o sucesso de seu negócio. “O motivo de ter meu próprio bar é que sempre quis crescer e empreender sendo minha própria chefe. A receptividade dos moradores superou minhas expectativas. Meus clientes são parceiros e nos apoiam muito”, conta.
Claudia acredita que a chave para imigrantes atingirem o sucesso no município é perseverar e sonhar alto: “Nunca desistam de seus sonhos”, conclui.
Embora ainda enfrentem obstáculos, os imigrantes encontraram em Bento Gonçalves um lugar para reconstruir suas vidas. Histórias como a de Alfredo Borges Rodrigues, soldador cubano e marido de Claudia, refletem esse sentimento: “Cheguei aqui em busca de uma vida melhor. Um amigo morava aqui e me falou que tinha trabalho. No começo foi difícil, mas hoje tenho estabilidade e vejo que os imigrantes têm as mesmas oportunidades que os brasileiros. Nestes seis anos, não fui discriminado”, pondera.
Impactos no mercado e perspectivas
A presença dos imigrantes tem impulsionado a economia local, preenchendo lacunas em setores essenciais. Apesar disso, Mesquita reforça a necessidade de políticas que ampliem o acesso aos cursos de qualificação e ensino de português. “O idioma é a principal barreira, mas iniciativas da prefeitura e de empresas privadas ajudam na integração”, ressalta. Segundo ele, os imigrantes seguem contribuindo para o desenvolvimento de Bento Gonçalves, trazendo diversidade cultural e econômica para a região.