O aumento no uso de medicamentos para dormir, como o Zolpidem, levanta preocupações sobre a dependência e os riscos do uso prolongado. Alternativas surgem para combater a insônia e evitar o vício
Em meio à crescente crise de insônia que afeta mais de 70% dos brasileiros, conforme estudos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o uso de medicamentos para dormir, como o Zolpidem, tem registrado um aumento alarmante. Esse fenômeno, intensificado após a pandemia de Covid-19, traz à tona questões preocupantes sobre a dependência e os riscos do uso prolongado desses remédios.
Para a maioria das pessoas, a solução não está nos medicamentos, mas na “higiene do sono”, um conjunto de práticas saudáveis que inclui evitar telas antes de dormir, desacelerar à noite e evitar alimentos pesados. No entanto, o aumento no consumo de remédios para insônia sugere que muitas pessoas têm recorrido a soluções mais rápidas e arriscadas. Esse aumento foi tão expressivo que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) agora exige uma receita especial, a “receita azul”, para a venda de Zolpidem.
O perigo da automedicação e da dependência
De acordo com a farmacêutica e professora universitária Ariane Schiavenin, mestre e doutoranda em Ciências da Saúde pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), a insônia crônica é uma condição de saúde séria, que exige diagnóstico e tratamento especializado. “A dependência pode ser química ou emocional. A pessoa passa a acreditar que só conseguirá dormir com a ajuda do remédio”, explica. Ela destaca que, sem a orientação adequada, muitos usuários desenvolvem tolerância ao medicamento, precisando de doses cada vez maiores para alcançar o efeito desejado.
Os principais sintomas de dependência incluem o aumento gradual da dosagem e o medo de não conseguir dormir sem o remédio. “Há uma série de efeitos colaterais perigosos, como sonolência excessiva, dor de cabeça, tontura e até problemas cognitivos, como amnésia”, alerta a farmacêutica. Ela também comenta que alguns pacientes, sob efeito do Zolpidem, relatam comportamentos inusitados, como fazer compras impulsivas, falar coisas desconexas e, em alguns casos, agir de maneira confusa ou até agressiva.
Impactos do uso prolongado
O uso prolongado destes medicamentos pode afetar profundamente a saúde física e mental dos indivíduos. Segundo Ariane, “o consumo prolongado pode causar surtos de alucinações, sonambulismo e até dependência severa”, diz. Além disso, a necessidade crescente de dosagens maiores pode gerar uma espiral de dependência difícil de reverter.
A especialista ressalta que o uso abusivo não apenas compromete a qualidade de vida, mas também pode afetar as relações sociais e profissionais. Comportamentos impulsivos e a irritabilidade resultante da falta de sono ou do efeito do medicamento tornam difícil para muitos pacientes manterem uma vida equilibrada e saudável.
Para aqueles que desejam abandonar o uso de medicamentos para dormir, Ariane enfatiza a importância da “higiene do sono”, um conjunto de hábitos para melhorar a qualidade do sono naturalmente. Entre as recomendações estão manter horários regulares para dormir e acordar, evitar cafeína e alimentos pesados antes de dormir, praticar exercícios com regularidade, e reduzir a exposição a telas pelo menos uma hora antes de deitar. “Manter um ambiente propício ao sono, como um quarto escuro e silencioso, também é fundamental”, complementa.
Estratégias de prevenção e papel da sociedade
Para a farmacêutica, a sociedade e os profissionais de saúde precisam incentivar práticas de prevenção, promovendo a educação em saúde e o uso de métodos não farmacológicos. Ariane acredita que o estresse e a sobrecarga de trabalho são fatores que contribuem para a procura por esses remédios, especialmente entre mulheres, que representam a maioria dos casos de dependência. Ela observa que a faixa etária de maior risco está entre 35 e 50 anos, grupo também associado a quadros de ansiedade e depressão. “O fato de mulheres sofrerem mais com insônia pode estar relacionado à prevalência delas entre quem faz uso abusivo do medicamento. Um estudo da Fundação Nacional do Sono dos Estados Unidos de 2023 aponta que pessoas do sexo feminino apresentam mais distúrbios do sono do que os homens por causa dos hormônios. Sobrecarga gerada pelo excesso de trabalho, atividades domésticas e cuidados familiares também pode estar associada ao problema”, destaca.
O uso de benzodiazepínicos, como Alprazolam, Bromazepam e Diazepam, continua a ser controlado pela Anvisa e prescrito com moderação, mas o aumento da demanda exige um olhar mais atento das instituições de saúde. “O uso de remédios para dormir pode ser seguro quando supervisionado adequadamente, mas a automedicação é perigosa e pode levar a consequências graves”, alerta.
Caminhos para um sono saudável
Para combater a epidemia de insônia e dependência de remédios para dormir, especialistas como Ariane defendem uma abordagem integrada, que inclui tanto práticas de higiene do sono quanto acompanhamento médico para casos mais graves. Com o aumento da conscientização sobre os riscos do uso abusivo de medicamentos, é possível que mais pessoas encontrem alternativas seguras e eficazes para garantir uma boa noite de sono sem os perigos do vício. “Através de ações de educação em saúde e também incentivando o uso de medidas não farmacológicas. A medida não farmacológica mais importante seria a adoção de medidas conhecidas como higiene do sono, que são hábitos relacionados a atividade do indivíduo antes de ir para cama. Lembrando que, alteração na rotina, eventos traumáticos e níveis de estresse alteram o padrão do sono”, conclui.