A tradição de honrar os mortos por meio de túmulos e jazigos bem elaborados existe há milhares de anos. Gisela Ferrari, arquiteta e pesquisadora da arquitetura cemiterial, compartilha suas perspectivas sobre a história e as transformações na arquitetura funerária, evidenciando como os estilos atuais refletem mudanças culturais.

Gisela explica que o ato de enterrar os mortos existe desde a pré-história, evoluindo com as mudanças sociais ao longo dos séculos. “Foi no século 19 que se iniciou o processo de destinar um espaço da cidade para os mortos, a chamada necrópole. Anteriormente, os corpos eram sepultados dentro ou no entorno das Igrejas – um exemplo é a Igreja e Convento de São Francisco em Salvador – mas por questões de saúde da população foi necessário criar espaços específicos para esse fim”, pontua.

Ela evidencia o que significa essa cultura na sociedade. “Os túmulos e jazigos são práticas que decorrem de crenças, em geral da vida após a morte. O ser humano tem a necessidade de fazê-los para preservar a memória de quem já partiu. Portanto essas construções trazem recordações, não só desses indivíduos que ali descansam, mas a história de toda uma sociedade”, reflete.

Essas práticas, compartilhadas de simbolismo, tornaram-se verdadeiros monumentos históricos. “No momento em que essas construções são afastadas dos limites da Igreja, a população toma maior liberdade de expressão, o que permitiu, com toda certeza, representar as condições socioeconômicas de cada família. Essa representação já era feita intramuros, quanto maior poder aquisitivo, mais perto do altar seria sepultado, já nos cemitérios isso se mostrou através dos monumentos, maiores, mais rebuscados e com materiais nobres. Podemos notar esses aspectos no cemitério municipal de Bento Gonçalves, além de perceber que eles estão dispostos ao longo do principal acesso”, frisa.

Ascensão do minimalismo

Segundo Gisela, com o tempo, a arquitetura funerária também se ajustou ao minimalismo moderno, movimento que, após a Segunda Guerra Mundial, valorizou formas geométricas simples e poucos adornos. “O que se destaca hoje em nossa cidade e região, é o minimalismo, os novos túmulos apenas cumprem sua função, sem adornos, são apenas gavetas cimentadas. O lema ‘menos é mais’ molda essa arquitetura, valorizando a pureza das formas geométricas e o emprego de poucos elementos, rejeitando os estilos que privilegiam a ornamentação. Acredito que esse movimento tenha sido um grande influenciador para os novos pensamentos, e a sociedade hoje em dia quer praticidade. Se pararmos para observar, estamos em um mundo tão acelerado, em meio a tantas tecnologias e inovações, as facilidades fazem com que a arte cemiterial sofra um declínio”, explica Gisela.

No Cemitério São Roque, podem ser observadas essas mudanças. Foto: Augusto Arcari

Além disso, a tendência da cremação cresce em popularidade. “Diferente da sociedade do passado, hoje os corpos são direcionados para esses túmulos minimalistas, em cemitérios-parque ou acabam sendo cremados. Esse último caso vem crescendo cada vez mais e as cinzas muitas vezes não são deixadas nos cemitérios, mas levadas pelas famílias para serem despejadas em locais desejados ou até mesmo mantidos em casa, podendo até serem transformadas em diamantes. A tendência da cremação está e continuará crescendo pelo benefício que traz em relação a menor ocupação de espaço, já que enfrentamos uma superlotação dos cemitérios”, pontua.

Tendências da arquitetura funerária

Gisela, que pesquisa não só a arquitetura de sepulturas em si, mas também todos os locais que envolvem os rituais em torno da morte, como capelas, salas mortuárias e ambientes especiais, reflete como essas construções devem ser. “Precisam passar um sentimento acolhedor a quem está passando por esse momento doloroso, que é a perda de alguém”, reitera.

Sobre as novas tendências da arquitetura cemiterial, Gisela vê um futuro de avanços, mas também de perdas de significado. “Perda cultural da sociedade, assim identificaria o momento que estamos passando, perdendo muitas características que remetem a significados, histórias e memórias e com os cemitérios não é diferente. Acredito que no futuro surgirão maiores reflexões acerca do assunto, havendo uma necessidade de ressignificar a forma como estamos construindo a imagem da nossa sociedade. O mundo avançou tão rápido que muita coisa ficou para trás”, diz. Ela continua: “Juntamente com essa ressignificação deverão surgir avanços que impliquem na preservação do meio ambiente, na gestão de espaços ocupados e na utilização de tecnologia, e consigo imaginar espaços que sejam agradáveis ao convívio, convidativos para permitir uma frequência das pessoas além de datas específicas”, finaliza.

Foto capa: Ranieri Moriggi