Para comemorar a data, o Semanário traz as perspectivas de poetas da Serra Gaúcha sobre o ramo
O Dia do Poeta, no domingo, 20, foi marcado pela participação destes profissionais na 39ª Feira do Livro de Bento Gonçalves.
Para o poeta bento-gonçalvense Gabriel Josende, formando em Letras e redator publicitário, a poesia é, antes de tudo, uma manifestação estética. Ele acredita que o Dia do Poeta é uma oportunidade de celebrar a “oralidade e a disseminação da palavra escrita”, valorizando não apenas a criação literária, mas também a performance em saraus e declamações. Um profissional que muitas vezes precisa enfrentar a frustração diante da falta de visibilidade e reconhecimento. “A cultura, os hábitos, a falta de políticas de incentivo e de recebimento de originais por grandes editoras, tudo soma a este cenário”, evidencia.
Para Juliana Mattes, escritora natural de Novo Hamburgo, radicada em Bento Gonçalves desde 2017, a poesia é um estilo de vida. “Escrevo poemas desde a infância, vejo a vida de uma forma poética e isso se traduz no papel ou na tela. Alguns pintam, tocam, dançam, eu poetizo. Vejo a poesia como a arte de acariciar a realidade, dar graça ao cotidiano e esperançar ideias. É a modalidade que aceita tudo, é quando a moçada pode brincar sem regra, na inocência, sem se preocupar com a retidão de uma escrita séria. Gosto de convidar as pessoas a pensar, e a poesia faz esse convite encantando, não impondo”, afirma.
Por outro lado, Douglas Ceccagno, poeta natural de Farroupilha, enxerga o Dia do Poeta como uma chance de resgatar a poesia de seu lugar “marginal” na sociedade. “É um momento de lembrar da poesia, que ocupa um lugar periférico em uma sociedade tão racionalista. É uma oportunidade para olharmos para a imaginação, algo que valorizamos tão pouco”, reflete.
Ambos os poetas destacam os desafios que a profissão enfrenta no Brasil contemporâneo. Juliana ressalta a dificuldade com direitos autorais no ambiente digital, onde é comum ver poemas compartilhados sem os devidos créditos. “Já vi poesias minhas em perfis aleatórios sem autoria. Infelizmente é um risco que se corre. Mas eu gosto de pensar que, no fundo, o mais importante é entregar a mensagem”, comenta.
A escritora Iza Pedron, natural de Protásio Alves, que vive há 40 anos em Bento Gonçalves e veio para cá em busca de trabalho e estudo, enxerga o poeta como alguém que, por meio de suas palavras, traz ao mundo mais amor e tolerância, além de ampliar as possibilidades de compreensão do outro. O ato de escrever é, para ela, um exercício de enfrentamento: “Nós precisamos acumular outras funções laborais para o sustento, uma vez que a poesia não costuma ser vista como uma profissão”, destaca, relembrando da vida sofrida no interior e que acabou se transformando em poesia sobre sua mãe e a vida trabalhosa na colônia.
Guilherme Krema, poeta alegretense radicado em Bento Gonçalves há 12 anos, reflete sobre a relação simbólica entre a poesia e sua trajetória de vida. Para ele, o Dia do Poeta relembra a importância de autores e autoras que impactaram sua visão de mundo, especialmente em um cenário onde “a falta de leitores e o alto custo de publicação e distribuição são barreiras que dificultam o trabalho de quem escolhe essa arte como profissão”, frisa.
Arte para gerações mais novas
Um dos principais desafios que os poetas enfrentam hoje, é a comunicação com as gerações mais jovens, especialmente diante do avanço das redes sociais e da tecnologia. Josende acredita que a internet democratizou o acesso à poesia, mas também ampliou a competição pelo espaço, dificultando a visibilidade de poetas de cidades pequenas.
Krema complementa essa análise ao indicar que a poesia contemporânea, especialmente voltada para o público jovem, encontra nas redes sociais um espaço de sucesso relativo, mas que também enfrenta limitações por depender da dinâmica de gostos e engajamento superficial, o que contraria a natureza mais introspectiva da poesia.
Apesar de Juliana ressaltar as questões de plágio facilitadas pela internet, ela acredita que a poesia tenha virado tendência. “Há um hype no Tiktok e no Instagram há alguns anos. Mas a poesia rebuscada, chata ou sem nexo que se aprendeu na escola deu espaço para poemas curtíssimos e dinâmicos. Acaba sendo enviada como indireta para alguém ou como uma forma de dizer a sua verdade sem se comprometer tanto. O poeta diz o que muitos pensam. A poesia contemporânea está tatuada no corpo das pessoas, impressa em azulejos, em murais nas ruas da cidade, nas camisetas. A tecnologia vem para ajudar a trazer mais dinamismo nesses tempos em que a sociedade quer tudo para ontem”, enfatiza.
A função transformadora da poesia
A poesia, mesmo considerada por alguns como uma arte menos comercial, tem um poder transformador que não pode ser ignorado. Josende relembra o papel de escritores históricos, como Castro Alves e sua poesia abolicionista, e autores modernistas como Manuel Bandeira e Oswald de Andrade, que desafiaram normas sociais. Para ele, a poesia, somada a outras formas de expressão, pode influenciar mudanças sociais e políticas, como já aconteceu em diversas épocas da história.
Iza vai além e sugere que os poemas são uma arte quase “divinatória”, que tem a capacidade de ver o mundo sem filtros e, por isso, exerce um papel crucial nas mudanças sociais e políticas.
Krema acrescenta que, nos dias de hoje, movimentos como o slam, o rap e a poesia periférica têm sido potentes ferramentas de questionamento social, combatendo preconceitos e se comunicando com a juventude de maneira efetiva.
A singularidade da poesia da região
A poesia da Serra Gaúcha reflete uma diversidade de temas e estilos. Josende usa mitologia para abordar problemas como bullying, depressão, ansiedade, solidão e síndrome do pânico. Iza escreve sobre as relações humanas e o cotidiano. Krema foca em paixão, envelhecimento e existencialismo. “Minha poesia é sobre vivências e pessoas que nos atravessam e nos moldam como indivíduos e seres sociais e políticos, o que é indissociável do que vivemos cotidianamente”, revela o autor.
Já Juliana é inspirada pela natureza e pelo cotidiano, conectando-os aos ciclos da vida. Por fim, Douglas Ceccagno vê a poesia como um jogo de palavras, destacando a musicalidade e a universalidade em suas composições. “Às vezes estou brincando com a minha filha de inventar palavras, e sai alguma coisa interessante”, reitera.
Superando bloqueios criativos
Quando se trata de lidar com bloqueios criativos, tanto Josende quanto Krema têm uma abordagem semelhante: é preciso dar tempo ao tempo. Josende sugere que o melhor remédio é não insistir. “Descanse! Leia algo, assista a um filme, vá ao cinema, caminhe no parque, mas areje sua cabeça. Escrever não precisa ser um castigo e você não precisa se forçar. Parece papo de coach, é verdade, mas deixe sua mente fluir para outros lugares”, indica.
Krema, por sua vez, afirma que a vida cotidiana, com suas interações e experiências, é a maior fonte de inspiração para qualquer escritor.
Iza acredita que a poesia é algo que “precisa ser vivida”, não apenas escrita. Ela sugere que quem deseja começar a escrever poesia deve conhecer a si próprio e estudar muito, especialmente filosofia. “Dada a fórmula, você não irá copiar o que já foi escrito e estudado, será único e autêntico e terá sua marca pessoal. Obterá conhecimento e mais suas vivências. Penso que não há regras para a poesia contemporânea, você deve criá-las”, aponta.
Por fim, a pergunta que ressoa é se a poesia pode transformar a sociedade. Ceccagno acredita que a poesia não precisa, necessariamente, ser um agente de mudança social. “Na verdade a poesia expressa mudanças na imaginação coletiva. Se trata da mudança na percepção das coisas, no modo como nós imaginamos, nas expressões que nós damos ao inconsciente coletivo, é isso que a poesia vai trazer”, afirma.
Juliana, por outro lado, vê a poesia como uma forma de questionar e sensibilizar. “Poetas são pessoas comuns que enxergam as coisas de uma forma extraordinária. A poesia nos deixa mais sensíveis, nos faz pensar, relaxar, questionar. Por vezes, é a poesia que diz o que ninguém tem coragem de dizer. Isso é revolucionário”, conclui.