Sofia Sebben, psicóloga e doutoranda pela UFRGS, conquista reconhecimento internacional ao investigar o papel das telas e do ambiente familiar na formação emocional das crianças
Sofia Sebben, psicóloga clínica de 28 anos e doutoranda pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), conquistou o Prêmio Anual de Financiamento de Pesquisa de Tese, concedido pela Sociedade de Pesquisa sobre Desenvolvimento Infantil dos Estados Unidos. A bento-gonçalvense é a primeira receber essa distinção, cujo resultado foi divulgado em 19 de setembro. Seu projeto, intitulado “Função reflexiva dos pais, desenvolvimento socioemocional da criança e uso de telas na primeira infância”, foi escolhido entre centenas de candidaturas internacionais, destacando-se pela relevância no cenário contemporâneo.
Sofia, que trilhou toda sua trajetória acadêmica na UFRGS, sempre se interessou pelo desenvolvimento infantil, especialmente no campo socioemocional. “Na graduação, comecei a me inquietar sobre como algumas crianças desenvolvem problemas de saúde mental e outras não. Esse questionamento me levou a participar de grupos de pesquisa focados no desenvolvimento infantil e nas relações familiares”, explica. O que inicialmente era uma curiosidade científica logo se transformou em um tema central para a sua carreira.
Era de transformação digital
Seu interesse pelo uso de telas na infância surgiu no final de 2018, quando começou a observar o impacto das tecnologias digitais sobre as crianças e a acompanhar o trabalho da professora Giana Frizzo, sua orientadora. “Desde então, mergulhei nesse tema e o aprofundei durante meu doutorado. Estamos vivendo uma era de transformações digitais, e, como alguém que cresceu durante o boom da internet, percebi na prática a importância de um uso responsável dessas ferramentas”, comenta Sofia.
Estudo premiado
A pesquisa da bento-gonçalcvense, orientada por Giana Frizzo e coorientada por Caroline Fitzpatrick, do Canadá, examina como o uso de telas pode influenciar o desenvolvimento socioemocional das crianças, levando em consideração o papel dos pais e o ambiente familiar. “Meu olhar sensível ao desenvolvimento emocional das crianças e a compreensão de que o uso de telas é um fenômeno multifacetado foram aspectos centrais para que o projeto fosse reconhecido”, destaca. O prêmio concedido de US$ 2 mil será utilizado para a conclusão da tese, cobrindo despesas como licenças de softwares, consultorias estatísticas e outros custos relacionados à pesquisa.
Embora o projeto ainda esteja em fase de coleta de dados, Sofia já antecipa algumas de suas descobertas. “A interação entre o uso dos aparelho eletrônicos, a saúde mental dos pais e o clima familiar são fatores cruciais. O tempo de exposição à tela é importante, mas o contexto em que a tecnologia é usada e o conteúdo acessado são determinantes para o desenvolvimento infantil”, enfatiza.
Uso consciente das telas
Sofia defende o uso equilibrado e consciente das telas, tanto para crianças quanto para adolescentes. “Os aparelhos eletrônicos estão presentes em nossa vida, e não podemos ignorar isso. Precisamos garantir que as crianças tenham um uso de qualidade, com conteúdos que possam complementar seu desenvolvimento”, afirma. Ela também alerta para os riscos de utilizar como ferramenta para acalmar ou distrair os pequenos durante birras, destacando que isso pode levar a problemas de regulação emocional.
Desenvolvimento emocional
Com o avanço das tecnologias, as telas se tornaram parte fundamental do cotidiano, não apenas para adultos, mas também para crianças e adolescentes. A pesquisadora brasileira, que atualmente está investigando o uso problemático da mídia e como isso afeta o desenvolvimento emocional das crianças. “E também o fato de eu estar investigando o uso problemático da mídia, que é quando as crianças se tornam viciadas nas tecnologias, por assim dizer. Também entendo que foi um ponto importante assim”, comenta.
Para a especialista, o uso equilibrado envolve, principalmente, a qualidade dos conteúdos que as crianças e adolescentes estão consumindo. Ela ressalta que a tecnologia em si não é boa ou ruim; tudo depende de como é utilizada e do tipo de conteúdo acessado. “É o uso que a gente faz dela e do que tem dentro dela que pode ser prejudicial ou mais positivo”, afirma.
A pesquisadora reforça que o uso positivo das mesmas pode trazer benefícios, desde que haja uma interação ativa dos cuidadores durante esse tempo de uso. Ela menciona, por exemplo, o impacto positivo de alguns desenhos animados, como Daniel Tigre, que ajudam crianças a aprender sobre emoções.
Outro ponto abordado pela pesquisadora é o cuidado necessário ao associar o uso de telas ao comportamento emocional das crianças. Muitos pais acabam usando dispositivos para acalmar os filhos durante momentos de birra, o que, segundo a especialista, pode ser prejudicial a longo prazo. “Não é indicado dar as telas para acalmar a criança durante uma birra, porque a gente sabe que ao longo do tempo, a criança pode ir associando que essa é a forma de regular as emoções”, diz. Esse comportamento pode resultar em um uso excessivo das tecnologias e impactar negativamente no desenvolvimento emocional da criança.
Além disso, a pesquisadora alerta sobre os riscos das redes sociais para os adolescentes. O bullying, a comparação constante e o fácil acesso a conteúdos prejudiciais são fatores que podem causar ansiedade e depressão. Ela acredita que os pais e educadores devem estar atentos ao comportamento dos jovens para intervir quando necessário. “Nós adultos precisamos estar alertas, a gente precisa cuidar da saúde mental dos nossos filhos, porque muitas vezes eles recorrem às telas quando estão ansiosos ou tristes”, explica.
Início dos testes
Sua pesquisa, que está em andamento, busca explorar essas questões de maneira mais aprofundada, e o prêmio que ela recebeu será usado para continuar essa investigação, incluindo a realização de coletas de dados, a contratação de consultorias estatísticas e o acesso a softwares específicos. “Ainda não fiz a coleta dos dados, mas a ideia é justamente poder utilizar esse valor, desse prêmio que eu ganhei, para conseguir conduzir as etapas da pesquisa”, menciona.
O equilíbrio no uso de telas, segundo a pesquisadora, está diretamente relacionado à presença ativa dos pais e responsáveis, que devem orientar as crianças e adolescentes sobre como usar a tecnologia de maneira saudável e produtiva. “Nós adultos aqui somos primordiais nesse processo”, ressalta.
A psicóloga aconselha que os pais estejam sempre atentos e presentes quando os filhos estiverem usando dispositivos eletrônicos, ressaltando que “a interação com os cuidadores durante o uso das telas potencializa os benefícios da tecnologia”. Além disso, Sofia ressalta a importância de monitorar adolescentes nas redes sociais, alertando para os perigos do bullying, comparação social e exposição a conteúdos inapropriados.
Impactos sofridos
Com a crescente presença das telas e da tecnologia na vida das crianças, surge a necessidade de refletir sobre os impactos e a forma como esse contato é mediado. A relação com dispositivos eletrônicos, como celulares e tablets, começa cedo. Muitas crianças pequenas já possuem seus próprios aparelhos, mesmo que não seja recomendado. Isso traz à tona a responsabilidade dos pais, educadores e da sociedade em geral de ensinar um uso equilibrado e saudável dessas ferramentas.
De acordo com Sofia, o papel dos pais vai além de apenas restringir o tempo de tela. “As crianças precisam que nós sejamos um modelo saudável desse uso. A partir disso, elas conseguem ver como utilizar a tecnologia de maneira adequada, observando nosso comportamento”, afirma.
O exemplo familiar se torna crucial na criação de hábitos, mas a escola também desempenha um papel significativo, especialmente porque a partir dos quatro anos a educação formal passa a fazer parte da rotina da maioria das crianças.
Escolas e as tecnologias
Nos ambientes escolares, é comum que os alunos, mesmo que não tenham acesso à tecnologia em casa, se deparem com ela por meio dos colegas. Isso reforça a necessidade de educadores estarem preparados para orientar e detectar sinais de uso excessivo ou inadequado. “É importante que os profissionais da educação tenham mais conhecimento sobre como fazer um bom uso das telas e como identificar quando uma criança não está bem, para que possam alertar os pais e recomendar a busca por ajuda especializada, como psicólogos”, complementa a especialista.
Além da família e da escola, a cultura e a sociedade também influenciam essa relação. A constante exposição às redes sociais, moldadas por algoritmos que promovem o consumo contínuo de conteúdo, pode ser prejudicial. Iniciativas como a proposta da Meta, que promete uma conta mais saudável para adolescentes a partir do próximo ano, indicam que há uma preocupação crescente em equilibrar o uso das plataformas. No entanto, para que essas medidas surtam efeito, é fundamental que pais e professores estejam cientes de como guiar os jovens nesse processo.
Carreiras digitais
Outro ponto relevante é a tendência crescente entre crianças e adolescentes de aspirarem carreiras como influenciadores digitais. O apelo de plataformas como TikTok, que oferecem monetização para criadores de conteúdo, faz com que muitos jovens visualizem essa atividade como uma profissão do futuro. “Vejo isso como uma profissão válida, assim como qualquer outra, mas precisamos cuidar para definir os limites entre o público e o privado. O que compartilhamos. Como equilibramos a vida online com a vida offline”, diz Sofia.
A preocupação é que, na busca pelo sucesso digital, crianças e adolescentes possam deixar de valorizar aspectos importantes de suas vidas fora das telas. Por isso, é crucial que desde cedo seja ensinado o uso consciente da tecnologia, de forma a garantir que ela seja uma ferramenta de apoio e não um substituto para processos essenciais de desenvolvimento social e emocional.