Porcentagem de tributação sobre o produto ainda é incerta, mas a nomeação de “produto nocivo à saúde” inquieta as entidades sobre diminuição no consumo

A proposta de reforma tributária, que inclui o vinho na categoria de “produtos nocivos à saúde”, sujeitando-o ao chamado “Imposto do Pecado”, tem gerado grande preocupação entre os produtores de vinho de Bento Gonçalves e outras regiões vitivinícolas do Brasil. O projeto visa aumentar a carga tributária sobre bebidas alcoólicas, sob a justificativa de que são nocivos para a saúde. No entanto, os representantes do setor argumentam que essa classificação é equivocada e pode ter consequências desastrosas para a vitivinicultura, que sustenta economicamente grande parte da região.

Na reforma tributária, que ainda está em curso, ficou decidido que seriam extintos cinco impostos: Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto Sobre Serviços (ISS), com a criação de três novos: Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo (IS). O IBS é uma contribuição compartilhada por estados e municípios, substituindo ICMS e ISS. CBS entra no lugar de PIS, Cofins e IPI. Já o IS pretende sobretaxar produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, com o vinho se enquadrando neste tipo de imposto, junto com cigarros, bebidas açucaradas, jogos de azar, entre outros.

Tributação final vai depender do volume e do teor alcoólico da bebida. Foto: Reprodução

Segundo o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), a lista de produtos taxados será revista a cada cinco anos. A expectativa é de que todo o processo seja concluído ainda este ano. A nova legislação entrará em vigor em etapas, entre 2025 e 2033. Agora, o texto está em análise no Senado Federal.

Opinião das entidades ligadas ao setor

Enquanto isso, produtores de vinho e organizações ligadas à produção de bebidas alcoólicas da região mostram preocupação.

Daniel Panizzi, presidente da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra) e vice-presidente do Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado do Rio Grande do Sul (Consevitis-RS), expressa a discordância do setor em relação à classificação do vinho como “produto nocivo”.

Segundo Panizzi, o aumento da tributação seria devastador para pequenos e médios vitivinicultores, que compõem uma grande parte da indústria no Brasil. Ele ressalta que a carga tributária atual já é elevada, chegando a ser o dobro aplicado em outros países produtores de vinho. O temor é que o aumento de impostos torne o vinho brasileiro ainda menos competitivo, tanto no mercado interno quanto no externo, especialmente frente aos vinhos importados, que muitas vezes recebem subsídios. “Hoje, não discutimos mais qualidade de produto, mas lutamos para que tenhamos competitividade na gôndola – aumento de custo ao consumidor – frente aos produtos importados. Estes que recebem subsídios nos seus países de origem e, em alguns casos, subsídios na importação. Ou seja, nossos produtos, produzidos dentro do país, acabam tendo um custo final maior que produtos que vêm de fora”, pontua Panizzi.

Além disso, Panizzi destaca que essa medida pode incentivar o contrabando e a falsificação de produtos, criando um cenário ainda mais preocupante para o setor. Ele estima que aproximadamente 20.000 famílias de agricultores, responsáveis ​​pela produção de uva, sejam diretamente afetadas pela medida. “Essas famílias dependem da produção de uva e vinho para sua sustentabilidade, são a base de toda a cadeia vitivinícola. O aumento das alíquotas pode aumentar o contrabando, causando assim, prejuízos econômicos e prejuízos sociais, como a perda de postos de trabalhos e problemas de saúde pública”, afirma.

A mobilização das entidades

A Uvibra, junto a outras entidades do setor, têm se mobilizado intensamente contra essa proposta, buscando sensibilizar o governo e parlamentares sobre os impactos negativos que ela traria. “Já foram realizadas inúmeras reuniões com deputados e senadores, com estudos e propostas de emendas indicando alternativas para evitar o aumento da carga tributária”, relata Panizzi.

Outro ponto de preocupação é o enoturismo, atividade que gera empregos e movimenta a economia de regiões como a Serra Gaúcha. Panizzi alerta que o aumento de impostos não afetará apenas as vinícolas, mas também setores como gastronomia, hotelaria e transporte, que dependem diretamente da cadeia produtiva do vinho.

Alternativas para a reforma tributária

O deputado estadual Guilherme Pasin é um dos defensores de uma reclassificação do vinho dentro da legislação tributária brasileira. Ele argumenta que o Brasil é um dos poucos países produtores de vinho que ainda classifica a bebida como alcoólica, enquanto em outros lugares ela é considerada um complemento alimentar, devido às suas propriedades funcionais. Pasin defende que o vinho deveria ser tratado como um alimento, o que resultaria em uma menor carga tributária. “Tenho o projeto de lei (PL), na Assembleia Legislativa, que reclassifica o vinho como alimento complementar. O PL tem uma articulação na Câmara dos Deputados pelo deputado Afonso Hamm e no Senado Federal pelo senador Luis Carlos Heinze. O Brasil é um dos únicos países produtores de vinho no mundo que considera a bebida como bebida alcoólica e não como alimento em razão das suas qualidades funcionais”, atesta.

Apesar da expectativa de que a reforma tributária traga uma redução na alíquota básica para 27,5% para a maioria dos produtos, Pasin ressalta que o imposto adicional decorrente da classificação como produto nocivo pode fazer com que a tributação final ainda seja muito elevada. É estimado que a tributação total possa chegar a 45%, o que representaria uma pequena queda em relação à carga atual, mas insuficiente para garantir a competitividade do vinho brasileiro, uma vez que o vinho seria colocado no Imposto Seletivo (IS). “Precisamos reclassificar o vinho para reduzir significativamente a tributação e garantir que o setor continue a se desenvolver. O vinho tem um tributo de cerca de 54% atualmente, com a mudança deverá ter uma base de 27,5% mais o imposto adicional, conhecido por Imposto do Pecado. Portanto, vai ser esses 27,5% mais um percentual que é estimado em 17%, totalizando perto dos 45%, abaixo da tributação em vigência. No entanto, precisamos reduzir mais ainda essa tributação, porque compreendemos que o vinho não é nocivo à saúde”, explica.

Outro ponto que pode reduzir ou aumentar o imposto sobre o produto é o teor alcoólico, sendo que o do vinho é menor em comparação com a vodka, geralmente variando entre 8% e 15%. A nova tributação será calculada com base em duas alíquotas principais: uma alíquota percentual por volume e uma alíquota específica sobre o teor alcoólico, mas calcula-se que o imposto ainda será menor do que o atual.

Impactos da reclassificação

Cedenir Postal, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares (STR-BG) de Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul, Pinto Bandeira e Santa Tereza, compartilha das mesmas preocupações sobre a reclassificação do vinho. Ele afirma que o aumento de impostos será repassado aos consumidores, o que pode reduzir o consumo de vinho no país. Além disso, ele destaca o risco de que os produtores da vitivinicultura recebam menos pelo seu produto em vista dessa nomeação, prejudicando ainda mais os pequenos agricultores.

O presidente da Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale), Ronaldo Zorzi, compartilha as preocupações do setor e discute as possíveis implicações da medida.

Segundo Zorzi, a Aprovale está acompanhando de perto a proposta, embora ainda seja cedo para uma posição definitiva, uma vez que não há confirmação de que o vinho será, de fato, incluído no rol de produtos afetados. “A Aprovale, assim como outras organizações setoriais, está organizada no debate deste tema, discutindo possíveis cenários e articulando ações com nossos representantes no Congresso”, afirma o presidente. A colaboração com deputados gaúchos, tanto na Assembleia Legislativa quanto em Brasília, tem sido uma das estratégias empregadas pelo setor. “Também estamos mantendo conversa com o governo gaúcho para estarmos alinhados, afinal vem do Rio Grande do Sul cerca de 85% da produção de vinhos do país, sendo uma indústria importante para o estado e vital para movimentar o enoturismo, que traz grande receita para os estabelecimentos”, pontua.

Além disso, Zorzi aponta que a Aprovale e outras entidades estão amparadas por assessoria técnica e especialistas em tributação. Esta mobilização visa demonstrar às esferas políticas a importância de manter uma carga tributária que seja compatível com a realidade da produção vitivinícola, especialmente para pequenos produtores que já enfrentam um sistema tributário considerado complexo. “Podemos ter, sim, algum tipo de impacto, principalmente relacionados aos serviços da cadeia turística. Mas como não sabemos, também, como ficará os impostos sobre serviços, não temos ainda um panorama desse segmento. Porém, de forma geral, tem um lado positivo para a cadeia vitivinícola que é a simplificação do sistema tributário. Hoje, ele é muito complexo para nosso setor e dificulta muito, especialmente para empresas menores, lidarem com essa questão, já que elas não têm um departamento específico para tratar desse tema tão importante para o bom andamento dos negócios”, ressalta Zorzi.

Futuro incerto

Sobre o impacto nos consumidores, Zorzi afirma que ainda é difícil prever as mudanças de preço ou a percepção do público em relação ao vinho. “Não temos como avaliar, pois não sabemos qual será o percentual incidente sobre os vinhos e nem como isso vai funcionar de fato”, diz ele. No entanto, há a preocupação de que um possível aumento de preços possa desestimular o consumo, afetando ainda mais a indústria vinícola.

Produto nocivo?

A inclusão do vinho na lista de produtos tributados pelo “Imposto do Pecado” gera uma questão fundamental: o vinho deve ser classificado como um produto nocivo à saúde? Zorzi é categórico ao afirmar que não. “Os benefícios, sabemos, já estão comprovados cientificamente. Talvez o mais notório, sempre a partir de um consumo moderado, seja a redução de riscos de doenças cardiovasculares. Mas temos diversos outros, como o combate ao Alzheimer e a redução do risco de diabetes e de AVC. Sempre tivemos uma posição muito clara para que o vinho, assim como ocorre em outros países, fosse classificado como alimento ou complemento alimentar. Isso traria uma incidência menor de impostos, a exemplo do que ocorre na União Europeia, no Chile e tantos outros lugares do mundo”, evidencia.