Seca histórica e queimadas intensificam a propagação de poluentes, impactando a qualidade do ar e revelando a necessidade de ações urgentes

Desde o sábado, 7 de setembro, os moradores de Bento Gonçalves e outras cidades do Rio Grande do Sul têm enfrentado uma densa nuvem de fumaça, resultante das queimadas que ocorrem na Amazônia. O fenômeno, que afeta a qualidade do ar e traz preocupações ambientais e de saúde, vem se intensificando devido à combinação de fatores climáticos e à devastação florestal no norte do país.

Bento Gonçalves, registrou na quinta e sexta-feira, 12 e 13, os piores resultados de qualidade do ar. Na quinta-feira, 12, o município atingiu 152 IQA, 11 vezes superior ao habitual, considerando o ar insalubre. Já na sexta-feira, 13, os índices pioraram e foi registrado um índice de 172 IQA, superando lugares como São Paulo.

De acordo com o professor Dr. Tiago Panizzon, engenheiro ambiental e professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS), a chegada da fumaça à região sul do Brasil está diretamente ligada à circulação atmosférica, que normalmente transporta a umidade da Amazônia para o Rio Grande do Sul. “A Amazônia é uma das grandes fontes de umidade do sul do Brasil, responsável por alimentar as chuvas. O que estamos vendo agora é essa umidade ser substituída por fumaça, que viaja pelo país devido às condições meteorológicas”, explica o engenheiro ambiental.

A falta de umidade e o clima seco também contribuem para a propagação das queimadas. “Estamos passando por um dos períodos de seca mais intensos das últimas décadas, especialmente no centro e norte do Brasil, o que potencializa as queimadas”, destaca. Cidades chegaram a registrar umidade do ar em níveis perigosamente baixos, em torno de 10% a 15%, o que cria condições favoráveis para a propagação do fogo.

Embora o fenômeno das nuvens de fumaça não seja novo, Panizzon ressalta que, desta vez, a situação é mais grave. “Tivemos eventos similares, como em 2019, quando grandes queimadas ocorreram no Pantanal, mas a seca atual é histórica. A situação é mais crítica agora, pois as queimadas estão mais intensas e frequentes”, afirma.

Outro fator que contribui para a gravidade é a grilagem de terras, que muitas vezes resulta em queimadas ilegais. “Há muita discussão sobre a contribuição das queimadas ilegais, especialmente no norte, mas é difícil medir exatamente o impacto de cada uma, porque muitas dessas ações são clandestinas”, explica o professor.

Os impactos das queimadas vão além da perda de biodiversidade na Amazônia. A redução da floresta também significa a diminuição de umidade, o que pode agravar crises de seca no futuro. “Além de ser uma grande fonte de biodiversidade, a Amazônia é essencial para o equilíbrio hídrico do Brasil. Sua destruição nos coloca em risco de secas mais severas, especialmente no sudeste e centro-oeste, que dependem fortemente da umidade proveniente da floresta”, destaca Panizzon.

No que diz respeito à saúde, a poluição do ar é uma grande preocupação. O material particulado fino (menor que 2,5 micrômetros), proveniente das queimadas, é capaz de penetrar profundamente nos pulmões e até mesmo entrar na corrente sanguínea. “Esse tipo de poluente não é filtrado pelos alvéolos pulmonares, o que aumenta o risco de doenças respiratórias, como crises de asma, e pode até potencializar problemas cardiovasculares, como ataques cardíacos e derrames”, alerta.

Os efeitos na saúde são sentidos tanto no curto quanto no longo prazo. “Estudos mostram que a poluição do ar pode reduzir a expectativa de vida, comparável até ao número de mortes causadas por acidentes de trânsito”, completa.

Perguntado sobre o que pode ser feito para evitar queimadas dessa magnitude, Panizzon destaca que as soluções passam por políticas de longo prazo e ações preventivas. “Para enfrentar esse problema, é fundamental reduzir as emissões de gases de efeito estufa e aumentar o monitoramento e a capacidade de resposta às queimadas”, afirma.

Além disso, o monitoramento via satélite tem se mostrado uma ferramenta eficaz, mas também possui limitações. “O satélite não consegue monitorar todas as áreas em tempo real, por isso é importante investir em tecnologias complementares, como câmeras e brigadas locais”, acrescenta o professor.
Panizzon também ressalta que as mudanças climáticas estão contribuindo para o aumento da frequência e intensidade desses eventos. “Não podemos afirmar com 100% de certeza, mas os modelos climáticos indicam uma tendência de aquecimento e secas mais prolongadas no norte e centro do Brasil, o que pode tornar esses eventos mais comuns no futuro”, alerta.

Embora as opções para a população sejam limitadas, especialmente em relação à fumaça, Panizzon sugere algumas medidas preventivas para minimizar os impactos na saúde. “Para quem vive em áreas afetadas pela fumaça, é recomendável evitar atividades ao ar livre, beber bastante água e, se possível, utilizar filtros de ar em casa. Em casos mais críticos, o uso de máscaras de alta filtragem, como as N95, pode ajudar a reduzir a inalação de partículas finas”, orienta.

Ele também lembra que é importante evitar o contato direto com a chuva, quando ela ocorre logo após a passagem de uma nuvem de fumaça, pois o material poluente pode ser carreado para o solo e cursos d’água.

Confira imagens de diferentes partes da cidade

Imagens: Augusto Arcari