Em setembro de 2024, o clima no Rio Grande do Sul e na Serra Gaúcha deve ser marcado por chuvas abaixo da média e temperaturas mais elevadas. Após as devastadoras enchentes de 2023, que causaram grandes prejuízos e deslizamentos na região, a expectativa para este ano é de um cenário climático diferente, mas ainda assim preocupante.

De acordo com Maria Angélica Gonçalves Cardoso, meteorologista do NIH/Univates, os modelos climáticos projetam que, em setembro de 2024, a precipitação deverá se situar próxima à média histórica. “Setembro é o segundo mês mais chuvoso do ano, com uma média histórica de 192,8 mm de precipitação. Contudo, as condições climáticas previstas são distintas das observadas no ano anterior, o que diminui significativamente o risco de uma nova tragédia”, explica a especialista.

No ano passado, chuvas intensas resultaram em inundações severas, principalmente nas cabeceiras da Bacia do Rio Taquari-Antas. Foram registrados 463 mm de precipitação, um excedente de 270,2 mm em relação à média mensal. Em contrapartida, para setembro de 2024, a previsão é de um volume de chuvas mais moderado, alinhado com a média climática.

Previsões climáticas e riscos

As previsões indicam que, ao contrário de 2023, quando o volume de chuvas foi excepcionalmente alto, setembro de 2024 será mais seco. Enquanto em setembro de 2023, o Núcleo de Informações Hidrometeorológicas da Univates detectou a Precipitação Pluviométrica Total (MM) de 463 para este ano, é esperado um índice seguindo à média mensal de 192,8 mm para o mês.

Os eventos extremos vivenciados em 2023, estão fortemente ligados às mudanças climáticas. Estudos recentes mostram que o padrão de precipitação no Brasil, especialmente no Sul, tem mudado nas últimas décadas, com algumas regiões registrando um aumento nos volumes médios anuais de chuva. Esse aumento é uma tendência observada globalmente, conforme destacado pelo Sexto Relatório de Avaliação do IPCC, que aponta para um futuro com mais eventos climáticos extremos.

Embora em setembro de 2024 estejamos sob um cenário de neutralidade climática sem a influência direta de fenômenos como El Niño ou La Niña. No entanto, a primavera, que começa em setembro, é tradicionalmente uma estação de maior instabilidade, o que pode levar a episódios de chuvas intensas em curtos períodos, especialmente com a passagem de frentes frias.

As enchentes do ano passado, sublinharam a importância de um planejamento cuidadoso e de uma resposta coordenada para mitigar os impactos de eventos climáticos extremos. Desde então, foram implementadas várias melhorias no monitoramento e nos sistemas de alerta. “A instalação de novas estações pluviométricas e fluviométricas permitirá um acompanhamento mais preciso dos níveis de água, melhorando a capacidade de prever e responder a possíveis inundações” comenta a profissional.

A conscientização pública tem sido um foco importante, com campanhas educativas e programas de preparação para emergências sendo promovidos por diversas entidades. “A experiência demonstrou que a parceria entre gestores e pesquisadores qualificados pode ser extremamente bem-sucedida. Em 2024, estamos mais preparados para enfrentar as intempéries”, ressalta Débora de Souza Simões, chefe do Centro de Pesquisa e Previsões Meteorológicas da Universidade Federal de Pelotas.

As massas de ar frio típicas dessa época do ano, devem ter influência reduzida, com apenas uma incursão de ar polar mais significativa prevista para o final do mês. Contudo, essa massa de ar não deve trazer chuvas expressivas, limitando sua atuação ao declínio temporário das temperaturas.

Expectativas para a Serra Gaúcha

Para a Serra Gaúcha, em particular, a combinação de menos chuva e temperaturas mais altas pode resultar em um setembro de 2024 que, embora não tenha o mesmo potencial destrutivo das enchentes de 2023, ainda carrega riscos ambientais. Com os solos já desgastados, mesmo chuvas abaixo da média podem provocar deslizamentos em encostas fragilizadas.

A primavera de 2024 deverá seguir o padrão histórico, com um aumento gradual das chuvas e a ocorrência de temporais típicos da estação. As previsões indicam temperaturas ligeiramente acima da média, o que, combinado com a presença de frentes frias, pode resultar em eventos de chuva intensa.
Para a população do Rio Grande do Sul, a mensagem é clara. “Embora a previsão para setembro de 2024 seja de chuvas moderadas, é fundamental manter-se informado e preparado, especialmente após as lições aprendidas com as tragédias. As mudanças climáticas continuam a ser um desafio, e a preparação é a chave para mitigar seus impactos”, declara Maria.

Estudos observacionais recentes revelam alterações nos padrões de precipitação nas últimas décadas. De acordo com uma pesquisa do INPE, os padrões de precipitação no Brasil mudaram significativamente, com algumas regiões registrando aumento nos volumes médios anuais. O estudo permitiu reconhecer o quanto o clima já mudou. A análise abrangeu o período de 1961 a 2020, com a década de 1961-1990 servindo como base comparativa. A segmentação das décadas subsequentes (1991-2000, 2001-2010 e 2011-2020) mostrou que os estados do Sul e partes de São Paulo e Mato Grosso do Sul apresentaram um aumento nos volumes de precipitação. O volume médio anual de precipitação passou de 1.500 mm no período de referência para 1.660 mm na última década, representando um aumento de 10% a 30%, conforme a região. “Esse aumento está associado a eventos extremos de chuva, evidenciado pelo indicador RX5day, que mede a precipitação máxima em cinco dias consecutivos, ajudando a identificar tendências de mudanças nos padrões de chuvas extremas e a planejar infraestrutura e gestão de riscos de enchentes e inundações. Em relação a mudança no padrão climático, isto já é uma realidade. O INMET também divulgou recentemente as novas normais climáticas para o Brasil, essas mudanças confirmam um aumento nas temperaturas e nos volumes de precipitação”, finaliza Maria.

Enquanto a La Niña ainda não se estabeleceu plenamente, outros fatores, como o aquecimento dos oceanos próximos à Austrália, estão criando condições para padrões de bloqueio atmosférico, que dificultam a chegada de frentes frias ao Brasil Central e Sul. Isso significa que setembro de 2024 poderá ser um mês de extremos, com calor e secura predominando em várias regiões do país, inclusive no Rio Grande do Sul.