Índice mais utilizado para reajuste dos contratos recuou, mas o número de imóveis residenciais vagos é baixo

Nos últimos anos, Bento Gonçalves tem vivenciado um movimento expressivo na valorização do mercado imobiliário, especialmente no que diz respeito aos preços dos aluguéis. Esse fenômeno é reflexo de uma combinação de fatores, incluindo o aumento da demanda por moradia, a pouca oferta e o processo de verticalização urbana. A cidade, conhecida por seu forte polo industrial e enoturístico, tem atraído cada vez mais residentes e investidores, impactando diretamente no valor do aluguel de imóveis residenciais.

Aumento no preço médio dos aluguéis

De acordo com dados recentes do mercado imobiliário, o preço médio dos aluguéis em Bento Gonçalves tem acompanhado a tendência de alta vista em outras cidades da Serra Gaúcha. Imóveis localizados em bairros centrais e nas proximidades de áreas comerciais e industriais são os mais valorizados, com aluguéis que podem ultrapassar os R$ 2,5 mil mensais para apartamentos de dois quartos. Em bairros mais afastados do Centro, como o Licorsul e o Ouro Verde, os preços são ligeiramente menores, mas também têm registrado aumentos, girando em torno de R$ 1,6 mil a R$ 2,2 mil para unidades de características similares.

Segundo Rosângela Frare Belitzki, corretora de imóveis, os valores de locação sofreram um aumento em Bento Gonçalves no último ano, devido a maior procura. “Principalmente em apartamentos maiores e mobiliados, na ordem de 15% a 20%. Apesar de o IGP-M (índice que tradicionalmente corrige os valores de locação) ter sido baixo no último ano, em Bento, os valores têm aumentado”, enfatiza.
O Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) é um indicador geral, amplamente utilizado como referência para reajustes em contratos de aluguel, tarifas públicas – como energia elétrica -, e planos de saúde, além de servir como um indicador geral da inflação. Por isso, ele é conhecido como a “inflação do aluguel”, pois impacta diretamente o valor dos contratos de locação imobiliária.

O IGP-M, após apresentar quedas, está baixo em comparação aos anos anteriores. De junho para julho deste ano, o índice caiu de 0,81% para 0,61%. O número acumulado para os últimos 12 meses é de 3,82%.

Ao estar baixo, a não ser que haja negociação, não há correção do valor pago pelo inquilino. Porém, para os que vão alugar agora a situação é outra: altos preços.

O aumento nos valores dos aluguéis representa um desafio adicional no orçamento familiar. Em um cenário onde o custo de vida já é elevado, a alta nos aluguéis pressiona ainda mais as finanças dos locatários, especialmente daqueles que dependem exclusivamente da renda do trabalho.

Benedita (nome fictício), moradora de Bento Gonçalves, que não quer ser identificada, disse em entrevista ao Semanário que o principal motivo para se mudar de bairro é o trabalho e a distância das escolas dos filhos, que são em sentidos opostos.

Ela reclama da disponibilidade de aluguéis na região. “A oferta de casas é escassa e quando encontramos algo que cabe em nosso bolso são velhas e pintadas, sendo oferecidas como algo maravilhoso. Geralmente, são casas onde foram feitos puxadinhos ao longo dos anos e o proprietário mora na frente, nos fundos ou do lado. Já vimos pisos caindo, tetos duvidosos, proprietário com acesso a casa e ao quintal”, salienta. E continua. “Aqui, nessa região, o proprietário não consegue se desvencilhar do imóvel e entra nas casas sem autorização. Moramos num espaço que o proprietário pulou o portão algumas vezes e em outras entrou pelo telhado enquanto viajamos. Vizinhos já relataram situações semelhantes de que foram viajar e descobriram que o proprietário entrava em suas casas”, relata.

Por causa desse e de outros fatores, a moradora quer trocar de bairro, mas relata que não está sendo uma tarefa fácil. “É uma busca frustrante, ouvimos muito que há um padrão por inquilino, sem filho, sem pet. Ouvi de imobiliárias que nosso perfil não se encaixa em casas que eles têm para oferecer”, lamenta.
Assim como ela, muitas pessoas que estão buscando locação em Bento Gonçalves acham os preços dos aluguéis elevados. Na pesquisa interativa feita pelo Semanário no Instagram, 97% dos votantes disseram que os preços estão muito elevados, sendo apenas 3% o número de pessoas que votaram que estão baixos.

O fotógrafo João Menin, estava com dificuldades de achar uma casa do seu gosto para alugar, tanto pela questão de preço, como pelo espaço para seus pets. Mas, recentemente, ele encontrou um bom local. “Para mim, que tenho animais e adoro receber a família em casa, o espaço é fundamental. Hoje, me encontro realizado, estou em um lar que fica bem localizado, próximo a tudo que preciso no meu dia a dia e também tenho uma estrutura para plantar temperos, tenho espaço para meus animais se divertirem e gastarem suas energias”, conta.

Ele enfatiza que os valores estão elevados atualmente. “Os preços, muitas vezes, são altos, por isso digo que não se pode fechar negócio no primeiro imóvel que se vê. Busque, pesquise e veja se é realmente o que procura. Hoje resido em um local que é financeiramente tranquilo para mim e que me traz o conforto que procurava”, frisa.

Aquecimento do mercado imobiliário

O corretor de imóveis, David Sebben, destaca esse aquecimento no setor de imóveis nos últimos meses. “Após a pandemia, houve uma recuperação no mercado imobiliário, com um interesse renovado por espaços para aluguel, tanto residenciais quanto comerciais. Algo que inflamou o mercado também, infelizmente, foram as enchentes, onde várias famílias não puderam retornar às suas casas, causando uma escassez de imóveis adequados disponíveis”, pontua.

O aumento nos preços dos aluguéis em Bento Gonçalves reflete o crescimento econômico e a atratividade da cidade. Segundo a corretora de imóveis Rosângela, a procura vem de muitas pessoas de fora da cidade. “O aumento do aluguel tem sido influenciado principalmente pela maior procura, principalmente na área próxima à região central, de imóveis mobiliados, de pessoas de fora da cidade”, enfatiza.

Segundo ela, os bairros mais procurados e consequentemente mais valorizados, em Bento Gonçalves, são Cidade Alta, São Francisco, São Bento, Planalto, Centro e Humaitá. Ela destaca que os preços mais elevados nestes locais também se devem a estarem mais próximos às facilidades que a cidade oferece, como gastronomia, estabelecimentos de saúde, estética, pet-shop e supermercados.

Sebben comenta que recentemente está tendo uma grande demanda de procura de pavilhões. “São empresas vindo de outras cidades, um bom investimento para a região”, evidencia.

No entanto, ele revela que algo que poderia mudar no mercado imobiliário em Bento Gonçalves é a oferta de apartamentos com mobília. “Temos mais dificuldades com falta de apartamentos mobiliados, essa é a maior procura no momento, pois isso torna a locação mais cômoda para o locatário”, ressalta.

Verticalização urbana: um novo desafio para Bento Gonçalves

Casas vêm perdendo cada vez mais espaço para prédios em Bento Gonçalves. Foto: Cassiano Battisti.

A verticalização urbana, um fenômeno cada vez mais presente em diversas cidades brasileiras, tem se consolidado como uma tendência marcante em Bento Gonçalves e na região dos Vinhedos. Esse processo, que se refere à construção de edifícios mais altos e concentrados, em áreas urbanas, está transformando o cenário urbano, refletindo uma série de mudanças econômicas, sociais e culturais.
Segundo Jovani Bortoncello, arquiteto e membro da diretoria da Associação dos Engenheiros e Arquitetos da Região dos Vinhedos (Aearv), o crescimento da verticalização na cidade é impulsionado por uma combinação de fatores. “A escassez de terrenos disponíveis para construções horizontais nas áreas centrais, a busca por uma melhor utilização do espaço urbano e a demanda por moradias próximas a centros comerciais e de serviços têm incentivado a construção de edifícios”, destaca.

Ele indica ainda que do ponto de vista econômico, a verticalização permite uma maior densidade populacional em áreas estratégicas, o que pode resultar em uma valorização dos imóveis. Para o setor de construção civil, essa tendência representa uma oportunidade de inovação e diversificação de projetos, com a incorporação de tecnologias modernas e soluções sustentáveis.

Em contrapartida, reflete mudanças nos padrões de vida da população e quando bem planejada, pode contribuir para um desenvolvimento urbano mais sustentável e melhor. “Como Associação, acreditamos que a verticalização é uma resposta inevitável ao crescimento populacional e à necessidade de otimizar o uso do solo. Entre os principais desafios e requisitos está a necessidade de uma infraestrutura adequada para lidar com o aumento da densidade populacional, bem como alinhar a arquitetura ao desenvolvimento urbano e às características acolhedoras e locais da região. Desta forma, com uma transformação bem planejada, teremos grandes benefícios de estimular e promover uma integração harmoniosa entre edifícios existentes e históricos, vinícolas, paisagens naturais, preservação de áreas verdes, assim enriquecendo a experiência de todos e preservando a identidade da região”, evidencia o arquiteto.

Impactos no mercado imobiliário e na qualidade de vida

Essa tendência de verticalização não apenas remodela o mercado imobiliário, mas também influencia os preços dos imóveis. A valorização das áreas centrais, com novos empreendimentos, resulta em um aumento significativo nos valores de venda e aluguel, tornando o mercado mais competitivo, especialmente nas regiões mais disputadas. “A verticalização em Bento Gonçalves tem gerado sim, um impacto significativo nos preços dos imóveis, tanto para venda quanto para aluguel. Essa transformação certamente está levando à valorização de determinadas regiões, especialmente aquelas mais atraentes devido à presença de novos empreendimentos e bem localizados. Isso resulta em um aumento dos preços nessas áreas específicas, por conta dessa exclusividade e comodidade, porém esse cenário pode mudar, pois envolve múltiplos fatores econômicos e sociais, e seus efeitos podem variar dependendo de como a cidade irá se adapta a essas mudanças”, salienta Bortoncello.

Além do impacto econômico, a verticalização também traz desafios para a qualidade de vida. Margit Arnold Fensterseifer, coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo da UCS, enfatiza que a saúde pode estar comprometida. “A verticalização na cidade está gerando uma massa de volumes que acaba desprezando a incidência solar e também travando a ventilação entre edifícios, essencial para a higienização dos ambientes”, pontua. Ela explica que a ventilação, essencial para a saúde dos edifícios e seus moradores, pode ser prejudicada se o planejamento urbano não for adequado.

Desafios e oportunidades

Margit destaca que a verticalização é benéfica quando implantada em locais com grande número de serviços, possibilitando que o morador não necessite transitar de carro para as suas necessidades vitais, mas alerta que a construção massiva de prédios deve ser executada com coerência e cuidado. “O excesso de altura prejudica a qualidade de vida do entorno pelos sombreamentos e os empecilhos de ventilação gerados. Por isso, entende-se que no planejamento urbano precisa haver zonas mais específicas de verticalização e exigências de recuos laterais, frontais e posterior para o ‘respirar’ dos edifícios. Outra questão fundamental é a instalação de sistemas de esgoto adequados com o objetivo de preservar nossos mananciais e o aproveitamento de 100% dos terrenos com subsolos de estacionamentos, o que não permite a permeabilidade do solo e encharcam nossas cidades nos dias de chuvas abundantes”, aponta.

A coordenadora também alerta para a importância de preservação do caráter e da identidade cultural dos bairros, especialmente em uma cidade como Bento Gonçalves. “A característica cultural tanto nas edificações quanto na paisagem precisa ser preservada, e este quesito deveria ser o foco de todo empreendedor, construtor e profissional da área. É uma lástima que muitos moradores de Bento Gonçalves, não valorizem suas raízes”, afirma.

A descaracterização da região, devido ao número crescente de novos prédios, é uma preocupação entre os profissionais da área. “Bento Gonçalves está se tornando uma cidade sem identidade, onde edifícios sem diferenciais se sobrepõem uns aos outros”, finaliza.