Nesta matéria, vamos explorar como os jovens lidam com questões de espiritualidade, suas crenças, dúvidas e como enxergam a presença de Deus em suas vidas e no mundo ao seu redor

A relação da Geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) com a espiritualidade e a religião tem se mostrado um tema intrigante e multifacetado. Em um mundo cada vez mais conectado e dinâmico, os jovens dessa geração estão reformulando o modo como enxergam a fé, Deus e as instituições religiosas. Ao mesmo tempo em que demonstram um interesse crescente por questões espirituais, muitos optam por buscar respostas fora das tradições religiosas convencionais, explorando novas formas de conexão com o sagrado.

Em entrevista com o padre Miguel Mosena, da Paróquia Cristo Rei, ele fala sobre o papel da igreja em conectar a Geração Z com a fé, destacando dificuldades e expectativas que o catolicismo enfrenta ao tentar se conectar com esses jovens.

A Lacuna na participação juvenil

Reconhecendo a baixa presença dos jovens nas comunidades católicas, o padre Mosena compartilha uma experiência pessoal ao celebrar a Missa das 8h na Igreja Matriz Cristo Rei, onde observou que o mais jovem dos presentes era ele próprio, aos 32 anos. “A participação desta geração não é inexistente, porém é tímida em nossas comunidades”, afirma. Para ele, os jovens da Geração Z que frequentam a Igreja o fazem por convicção própria e por uma busca sincera de encontrar sentido e plenitude em Cristo, diferentemente das gerações anteriores que, muitas vezes, frequentavam por tradição ou obrigação familiar.

O padre Miguel Mosena fala sobre o papel da igreja em trazer os jovens para o caminho da fé

Desafios e adaptações

Quando questionado sobre os maiores desafios que a Igreja enfrenta ao tentar se conectar com a Geração Z, o padre Mosena destaca que a dificuldade não reside no conteúdo, mas no método. Ele cita o exemplo do beato Carlo Acutis, um jovem que utilizou a internet para organizar um site com todos os milagres eucarísticos registrados no mundo, e que será canonizado no próximo ano. “A evangelização hoje passa, necessariamente, pelo bom uso das redes sociais e da tecnologia para alcançar os corações joviais do século 21”, afirma. Segundo ele, a Igreja deve investir não apenas em métodos modernos, mas também em infraestrutura e formação humana para criar ambientes acolhedores que atraiam os jovens.
Além disso, o sacerdote observa com entusiasmo o movimento de reaproximação dos jovens com a paróquia, que ele vem testemunhando, principalmente por meio das redes sociais. “O primeiro encontro deles com a Igreja não é, necessariamente, na comunidade local, mas nas telas. A partir disso, começam a voltar às missas, buscam uma conversa com o padre e uma orientação de como se reconectar com a fé”, afirma.
Para Felipe Candido, de 19 anos, a religião desempenha um papel fundamental em todas as fases da vida, ajudando os jovens a encontrar o rumo certo e a se tornarem melhores em todos os aspectos, desde filhos até profissionais. “A Igreja é a mãe que acolhe o jovem como está para que seja transformado em um filho melhor, um namorado melhor, um amigo melhor”, explica. Ele acredita que o templo é a “escada para o céu” e que sua relevância está em apresentar Jesus Cristo como o eixo central da vida dos jovens.

Valores e futuro da igreja

Ambos, Padre Mosena e Candido, concordam que a Geração Z enfrenta um mundo cheio de ilusões e desafios que podem afastá-los da fé. O jovem observa que a verdade imutável de Cristo, ao ser apresentada pela Igreja, destroi valores superficiais e constroi outros mais sólidos, que muitas vezes são esquecidos pelas novas gerações. “A vida sem Jesus é uma vida voltada somente para nós mesmos, e olhar apenas para o próprio umbigo significa ser uma pessoa vazia”, reflete.

Falando sobre as preocupações da Geração Z em relação à fé, padre destaca. “A dificuldade, por vezes, da Geração Z é esquecer que, com a ressurreição, não deixamos de pertencer a este mundo, mas a realidade projeta para além do que aparentemente parece destruí-la”, diz, citando Dante Alighieri para ilustrar a esperança que os jovens cristãos devem manter.

Ao falar sobre uma forma de apresentar o conceito de Deus de um jeito que ressoe com os jovens, o padre destaca a simplicidade e profundidade do amor divino. “O amor de Deus não é superficial; é profundo e leva em conta sempre a entrega livre e generosa, o afeto, a cruz e o sacrifício”, explica. Ele acredita que relacionamentos baseados no amor de Deus são surpreendentes e transformadores, ressoando com a busca dos jovens por autenticidade e sentido.

Quando perguntado sobre os valores católicos mais importantes para ele na atualidade, Candido destaca a castidade, o temor a Deus, a fé e a oração como fundamentais para a formação de famílias e indivíduos comprometidos com a vida cristã. Ele expressa a esperança de que os jovens católicos de hoje se tornem bons sacerdotes, pais, mães e leigos no futuro, contribuindo positivamente para o mundo. “Quando a gente escolhe ser católico, a gente assume o compromisso de ser uma pessoa melhor a cada dia que vivemos”, afirma.

Por outro lado, padre Mosena acredita que a Igreja precisa investir não apenas em métodos modernos, mas também em infraestrutura, acolhimento e espiritualidade para se tornar mais atraente para os jovens. “A Igreja não deve ser um mausoléu velho e abandonado, mas um hospital de campanha, onde a alegria de seguir a Cristo seja evidente”, ressalta, citando o Papa Francisco.

Apoio e engajamento

O padre finaliza discutindo como a Igreja pode apoiar a Geração Z em sua busca por propósito e sentido de vida. Ele ressalta a importância de abrir as portas da paróquia e oferecer uma referência concreta e visível através da rica tradição e dos sacramentos. Além disso, menciona diversas iniciativas locais, como o Curso de Liderança Juvenil (CLJ) e os exercícios espirituais para jovens, que têm ajudado a integrar os mais novos na vida comunitária. “O maior número de dirigidos espirituais são da Geração Z. Creio que isso seja um bom sinal, uma alegre e feliz esperança”, conclui.

Uma perspectiva sociológica sobre religião e juventude

O Sociólogo Renato Zanella discorre sobre a nova forma da Geração Z, de estabelecer sua fé

A Geração Z, marcada pelo acesso sem precedentes a informações e pela crescente conectividade global, está moldando uma nova abordagem em relação à espiritualidade e à religião. Segundo Renato Antonio Zanella Filho, sociólogo e especialista em Desenvolvimento Regional e Neurociência, as transformações sociais e culturais estão influenciando significativamente a forma como esses jovens se relacionam com o sagrado.

Zanella observa que, enquanto a geração do rádio mantinha crenças religiosas mais estáveis e tradicionais, a Geração Z, com a internet, adota uma abordagem mais crítica e personalizada da espiritualidade. “A internet permite o acesso a uma infinidade de informações e perspectivas, fazendo com que os jovens questionem e redefinam suas crenças em busca de uma espiritualidade autêntica e relevante”, afirma.

Individualismo e busca por uma identidade

O sociólogo destaca que fatores sociológicos, como a digitalização e a valorização da diversidade, explicam o afastamento da Geração Z das instituições religiosas tradicionais. “O secularismo crescente e a ênfase na autonomia individual incentivam os jovens a tomar decisões baseadas em suas próprias experiências e valores, em vez de seguir dogmas rígidos,” afirma. Ele aponta que a exposição a uma ampla gama de crenças e a busca por autenticidade são elementos centrais que moldam a visão dessa geração sobre religião e espiritualidade.

O individualismo e a busca por identidade pessoal também têm um impacto significativo. “Os jovens da Geração Z, frequentemente rejeitam dogmas e preferem práticas espirituais alternativas e inclusivas que se alinhem com seus valores pessoais,” explica o especialista. A espiritualidade dessa geração é caracterizada por uma busca contínua por significado e propósito que seja verdadeiro para quem eles são.

A globalização e a pluralidade de crenças têm aprofundado essas mudanças, permitindo que os jovens criem uma espiritualidade personalizada e flexível. Zanella observa que “a Geração Z está moldando uma visão da espiritualidade que é global e pluralista, rejeitando o exclusivismo religioso em favor de uma abordagem mais adaptável”, comenta.

Além disso, o contexto sociopolítico atual desempenha um papel importante. “A polarização política e os movimentos sociais influenciam a espiritualidade da Geração Z, que busca uma prática que esteja alinhada com valores de justiça social e sustentabilidade,” afirma Zanella. Ele aponta que, apesar dos desafios, os jovens têm a oportunidade de desenvolver uma nova forma de espiritualidade que é relevante para as realidades contemporâneas.

Para Giovani Zini, de 20 anos, o papel que as religiões cumprem na sociedade é uma forma de dominação sobre os mais fracos, e que para sua geração, as instituições religiosas atuais representam um antagonismo, assim como ocorre na política. “Com o retorno do conservadorismo religioso na política nos últimos anos, uma parcela grande da geração Z vê a igreja como a instituição de maior confiança (mais do que a escola, por exemplo), enquanto a parcela oposta da geração guarda um certo rancor dessas instituições por causa de seu histórico social problemático, tendendo geralmente ao ateísmo ou agnosticismo”, declara.

Secularismo e Cientificidade

O crescente secularismo, que se refere à separação entre religião e outras esferas da vida pública, está se tornando cada vez mais prevalente em muitas sociedades ao redor do mundo. O sociólogo observa que essa tendência influencia a Geração Z de diversas maneiras, seja na cultura e educação, pois levam os jovens a questionarem tradições impostas, adotando uma visão mais crítica sobre religião. Ou pela diversidade religiosa, em que é apresentada uma gama de crenças que podem ser seguidas, . Além disso, o sociólogo destaca que o secularismo incentiva a autonomia pessoal, fazendo com que os jovens tomem decisões baseadas em suas próprias experiências, em vez de seguir dogmas religiosos.

A valorização da ciência traz novas perspectivas na formação de crenças, como observa Zanella. “A Geração Z é menos propensa a se identificar com uma religião específica, muitos se identificam como ‘espirituais, mas não religiosos’ ou como ateus/agnósticos”, relata. Ele diz que em alguns casos, a ciência e a religião são vistas como conflitantes. “Especialmente em questões como a origem do universo e da vida, o que pode levar os jovens a escolherem a ciência como uma fonte mais confiável de conhecimento”, explica.

Segundo o sociólogo, o impacto desses fatores pode variar conforme o contexto cultural e geográfico, além da influência familiar e eventos pessoais, que também desempenham papeis significativos na formação das crenças.

Esse é o caso de Zini, que apesar de ter crescido em família católica, não se identifica com nenhuma religião ou crença em divindades. “Ao longo da minha adolescência, comecei a entender a ciência por trás da história da terra e do universo, e ter fé em algum tipo de divindade já não fazia mais sentido para mim. Descobrir a história da Igreja Católica também colaborou para a formação dessa convicção”, conta. Para ele, os valores que acredita não são baseados em tradições religiosas, mas sim em virtudes como o cuidado, a empatia e o amor, que em sua opinião, são intrínsecas aos seres humanos.

Em suma, Zanella diz que a Geração Z está criando novas formas de espiritualidade, que diferem das tradições religiosas estabelecidas por serem mais individualizadas, práticas e adaptadas ao mundo digital. “Essa geração deixou de ocupar espaços físicos como igrejas e templos, optando por praticar sua espiritualidade de forma particular e individual, e são curiosos, pesquisando sobre o assunto em diversas fontes”, explica.

Em concordância, Zini enxerga a fé como algo extremamente pessoal. “Não julgo ninguém baseado em suas crenças pessoais. Entretanto, não convivo, e busco ativamente evitar pessoas radicalmente religiosas, que tentam forçar suas crenças a outras pessoas”, conclui.